Notícia

Entrevista com Rui Muniz – Prefeito do Campus do Vale da UFRGS

Revista da Assufrgs – Recentemente foi realizado o 3º Encontro de Manutenção da Ufrgs com a participação de 20 Universidades Federais, Cefets e a iniciativa privada. O que significou este encontro para a nossa Universidade?

Rui Muniz – Falar do 3º Encontro é lembrar de toda a história que os trabalhadores construíram na Ufrgs. Ele foi muito importante, em primeiro lugar, porque congregou numa discussão, focada na atividade de manutenção, pessoas de diferentes universidades. Quando a gente juntou no encontro 20 universidades federais, mais Cefets, empresas privadas que vieram ver como a gente está construindo a nossa organização, também significa um reconhecimento ao nosso trabalho.
Esse encontro teve várias facetas. A primeira delas é essa, congregar em nível nacional as universidades, e a partir das resoluções que a gente tirou apontar para um movimento político, basicamente sustentado pelo nosso papel de sustentação da universidade, mas também mais do que isso é um reconhecimento. Um reconhecimento pelo o que estamos desenvolvendo na Ufrgs, uma política de manutenção que está obtendo um bom resultado. Isso é extremamente importante para os trabalhadores.

RA – Qual foi o início dessa história?
Rui – O encontro de manutenção não foi uma coisa que nasceu em 2004. Ele nasceu há quase 20 anos na luta dos trabalhadores. No início, lá por 1989, coincidiu de alguma forma com a criação do nosso sindicato, o Sintest/RS, no qual a Assufrgs fez a opção de se tornar uma seção sindical. Essa luta se remete para esse momento, quando tínhamos toda uma discussão de carreira que terminou em 1992 com a redistribuição de mais de 500 trabalhadores. E naquele momento também a gente já via a insuficiência que existia sob o ponto de vista de política de manutenção. A inexistência de uma relação de trabalho adequada, o que era necessário para que as atividades de manutenção fossem executadas de forma a considerar as necessidades das pessoas e da universidade. Então, eu diria que a origem do encontro de manutenção é a organização dos trabalhadores. Depois disso, tivemos congressos do sindicato onde sempre falávamos das questões relativas à relação de trabalho. Melhores condições de trabalho, equipamentos adequados, respeito a normas regulamentadoras. Toda uma necessidade que se tinha de construir uma política de manutenção. E nisso o sindicato teve uma grande participação, pelo menos na sua origem. Tivemos grandes greves durante toda a década de 90, onde nas pautas de reivindicação nós tínhamos desde a estação experimental até as prefeituras ou subprefeituras, como se chamava, com questões relativas aos trabalhadores da manutenção. Obviamente que a gente esbarrou em algum momento, porque as demandas eram eminentemente políticas sob o ponto de vista das decisões, mas elas tinham um perfil também técnico. E isso a gente tem que observar, porque a técnica que nós desenvolvemos na universidade tem um sentido de qualificar, de resolver problemas. A técnica e o desenvolvimento científico fazem isso. E começamos a perceber que a gente tinha que nos qualificar. Em 1998 conseguimos construir o 1º Programa de Capacitação de Trabalhadores da Manutenção, o qual coordenei até 2002. Uma coisa ímpar na maioria das universidades do país. A experiência com o programa, que passou por dentro da Pró-reitoria de Recursos Humanos, nos deu a capacidade de enxergar a grande demanda técnica que a gente tinha, que era uma deficiência da Universidade. Nos desenvolvemos por quatro anos, com cursos, palestras, mesas redondas, discussões com professores da Universidade e de fora, nos aproximamos da Associação Brasileira de Manutenção (Abramam), da qual participo do órgão colegiado e tenho uma boa relação, e começamos a fazer uma discussão técnica, nunca dissociada da política e nunca longe do nosso sindicato. Tanto isso é verdade, que logo depois, em 2004, surge o 1º Encontro de Manutenção. Construído e concebido por dentro da Assufrgs. Ou seja, nossa história de construção sempre teve muito presente no sindicato. Justamente pelo fato de o sindicato ter a sensibilidade de perceber que a defesa da Universidade Pública não se faz só no discurso, a gente faz na ação, na construção. E aí tem uma coisa muito importante. Nada disso aconteceu sem a sustentação de base e por isso talvez que as nossas grandes conquistas e avanços são frutos, em primeiro lugar, das estruturas democráticas com que sempre nosso movimento aconteceu. E nesse sentido, no segmento da manutenção, esse foi sempre o grande centro de ação. Sempre nos preocupamos com o processo, antes dos objetivos. Os processos tinham que ser eminentemente democráticos e construídos coletivamente.

RA – Qual o perfil dos encontros de manutenção?
Rui – O 1º encontro teve um perfil de reunir os trabalhadores da Ufrgs, construído pelo sindicato, e eu tinha a responsabilidade técnica pela entidade. Neste 1º encontro a nossa idéia era tirarmos resoluções efetivas da base de trabalhadores da Universidade que dessem sustentação tanto para uma solicitação à Administração quanto para o embate. E a nossa preocupação foi passar a fazer não só o embate político, mas também o embate técnico. Esse encontro teve a participação de menos de 70 trabalhadores da Ufrgs. Interessante ver que depois disso conseguimos avançar tanto, isso aconteceu justamente na transição da gestão da professora Wrana para o professor Hennemann, que em dezembro de 2004 fomos convidados a ir para a Prefeitura do Campus do Vale. Só para lembrar, em 97 ou 98, tínhamos protocolado um projeto de manutenção para a Ufrgs. A nova administração, olhando o projeto e as resoluções do encontro, resolveu nos convidar para fazer essa construção. E a nossa medida foi a de deixar clara a nossa visão e concepção. Em junho de 2005, tivemos o 2º encontro já em âmbito estadual. Vieram as universidades de Santa Maria, Pelotas e Rio Grande, e mais o Cefet de Pelotas. E ali a gente já deu um outro caráter. Nós começamos a ver que politicamente já tínhamos condições de implantar um projeto, que foi o que se fez no Campus do Vale. No início de 2005, rompemos com o cartão ponto, introduzimos turnos de trabalho de 6 horas, não só para agradar os trabalhadores, mas para atender uma necessidade da Universidade, ou seja, a ampliação da capacidade de atendimento ía garantir para a Universidade maior confiabilidade sistêmica e melhores condições de atendimento. A gente fez todo um projeto, e nas etapas do projeto a gente disse o quê? Bom, primeiro vamos alterar relação de trabalho, sair de uma estrutura paternalista e autoritária para um modelo de gestão participativo. Para fazer isso a primeira coisa era romper com a relação de trabalho. Com isso tivemos dois benefícios: para os trabalhadores porque altera-se a relação de trabalho, para a Universidade porque ela vai ter um atendimento melhor. E partimos aí para uma frente. Criamos novos setores, ou seja, setor de ambiente, de saúde, técnico, de manutenção, de capacitação. Um conjunto de estruturas para introduzir um projeto político que tinha três dimensões: a dimensão das pessoas, a técnica e a política. Nós temos um grupo que se chama “grupo tambor” que é o que dá o ritmo do trabalho. Assim como no carnaval o que dá o ritmo é o tambor. E a gente não toma nenhuma decisão sem conversar com os trabalhadores. Tanto que quem trabalha direto comigo é o seu José Delacir, um rapaz de 60 anos, pedreiro. Então, o 2º encontro teve a consolidação de um projeto, de uma visão e apontou para uma discussão estadual. Aí surgiu o 3º encontro que teve esse interesse muito grande e que as resoluções apontam para uma discussão nacional em nível de Andifes, Fórum de Pró-reitores de Planejamento, agora incidindo diretamente no MEC. Nós temos hoje um grupo de discussão já no MEC, balizado pelo trabalho que estamos fazendo. Tanto isso é verdade que a própria Associação Brasileira de Manutenção me premiou pelo trabalho que a gente está fazendo no Campus do Vale. Então os encontros de manutenção são uma construção coletiva, e é isso que tem que ficar marcado. Essa construção coletiva tem uma origem, as demandas e discussões políticas dentro do sindicato. A Assufrgs vai promover o encontro de saúde que é mais uma grande oportunidade de fazer construções. Esse é um outro segmento que precisa ser alavancado. Saúde vai andar junto com manutenção que vai andar junto com o meio ambiente para que a Universidade funcione melhor, garantindo sua competência.

RA – Como tem sido a receptividade na Universidade com as mudanças?
Rui
– A Universidade tem recebido muito bem. Em primeiro lugar pelos resultados que a gente tem obtido. O que não significa dizer que temos resolvido todos os problemas. Mas existe o reconhecimento de um trabalho. Nós estamos mudando a cultura. As relações de trabalho estão se qualificando e a Universidade está melhorando. E a Universidade está percebendo isso. A grande maioria dos Institutos e Unidades com quem nos relacionamos temos qualificado nossa relação. Por exemplo, praticamente não existe reclamação. A nossa dedicação é muito grande. Nós temos um clima extremamente favorável e isso reflete no trabalho. Manutenção é feito por pessoas. Se essas pessoas estão satisfeitas e felizes vai sair também um trabalho satisfatório e as relações decorrentes desse trabalho também vão ser boas.

RA – Quantos trabalhadores da manutenção hoje ainda são servidores da Universidade?
Rui
– Aí temos um quadro muito complicado. No Campus do Vale nós operamos com 282 pessoas. Isso inclui 150 trabalhadores da área de limpeza, 44 da área de cancelas e estacionamentos, 70 ligados diretamente à manutenção e monofatura e os demais ligados à administração, logística e setor técnico. Vou dar um exemplo: dos 70 trabalhadores ligados à manutenção, 58% são servidores e 42% são terceirizados. Mas o maior problema não é esse. A terceirização entrou na Universidade como uma imposição. Nós não fizemos por escolha. Fizemos por que não tinha outra alternativa naquele momento. Faltou política de manutenção para isso. Mas o mais gritante hoje é que a idade média dos trabalhadores da manutenção na Prefeitura do Campus do Vale é de 49 anos. Sendo que o tempo de serviço médio desses trabalhadores é de 29 anos. O que significa dizer que pela legislação atual daqui a oito anos não teremos mais, em média, servidores trabalhando na manutenção do Campus do Vale. Obviamente que este foi um dos temas em debate no 3º encontro. Nós tiramos resoluções nesse sentido. Porque a capacidade técnica da manutenção tu mede por várias coisas: por competência técnica da prefeitura e também pela capacidade do ponto de vista dos trabalhadores, tanto técnica quanto de quantidade. A gente não pode pensar que hoje o Campus do Vale com 152 prédios, 700 hectares, quase 200 mil metros de área construída pode ser atendido com três pedreiros ou dois pintores. Tem muita coisa para melhorar na Universidade. E o que a gente está fazendo é isso. Mas temos que olhar a frente. Não podemos mais olhar a manutenção sem olhar para frente. E essa administração, tanto o professor Hennemann como o professor Campagne, tem se mostrado sensível a isso. Obviamente que há toda uma pressão estrutural, falta de recursos que todo mundo sabe. No entanto, tem surgido políticas para isso. Se a gente pensar que daqui a oito anos não teremos servidores trabalhando na atividade de manutenção isso é critico para a Universidade. Acho que nosso Plano de Carreira foi insuficiente para tratar as questões relacionadas aos homens e mulheres da manutenção. E mais insuficiente ainda porque não corrigiu as grandes distorções da vida e os desvios de função. E isso agrediu muito mais a manutenção, no meu entendimento, do que os outros segmentos da Universidade.

RA – E no ano que vem vai ocorrer o 4º Encontro da Manutenção?
Rui
– Nós tivemos neste encontro universidades do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Santa Catarina e outros estados. Com estas 20 universidades presentes tiramos alguns encaminhamentos, um deles é: queremos o 1º Encontro Nacional de Manutenção no ano que vem. E o 4º Encontro de Manutenção da Ufrgs. Vão ser encontros simultâneos, sediados na Ufrgs. A nossa idéia é que a partir de 2008 outras universidades assumam os encontros nacionais de manutenção. Nós vamos continuar fazendo os nossos encontros locais. Acho que o diálogo está sendo extremamente bom. O nosso encontro foi vitorioso. Os trabalhadores da manutenção do Campus do Vale têm que ser muito bem olhados pela nossa Universidade. Eles têm o grande mérito de estar construindo isso. A Ufrgs se destaca também em nível nacional pelo que está construindo. O reflexo está aí.