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Delegação internacional vai ao Líbano e avalia os estragos da guerra

No último sábado (12), chegou ao Líbano uma missão internacional composta de parlamentares e ativistas de seis países – Brasil, Filipinas, França, Noruega, Índia e Espanha – para um recorrido de uma semana pelo país para avaliar os efeitos dos ataques israelenses principalmente sobre os civis, e fortalecer a campanha internacional pelo fim do conflito.

Fazem parte da delegação parlamentares da Índia e das Filipinas, dois membros da organização internacional Via Campesina, o presidente do Observatório Social brasileiro, Kjeld Jakobsen, representando a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Aliança Social Continental, e o sociólogo Walden Bello, coordenador da ONG filipina Focus on the Global South e ganhador do “Nobel alternativo” da Paz em 2003.

Na agenda, estão visitas a campos de refugiados, hospitais e áreas bombardeadas, além de encontros com organizações sociais libanesas, partidos políticos, o presidente do Congresso Nacional, o primeiro-ministro Fuad Saniora e o presidente da República, Emile Lahoud. Desde que chegou ao Líbano, Walden Bello iniciou uma série de relatos sobre a Missão, cuja versão a Carta Maior publica abaixo.

Beirute, dia 13 – As feridas da guerra ficaram evidentes pouco depois de cruzarmos a fronteira entre a Síria e o Líbano às 11h30 da manhã do dia 12. Em Haissa, cerca de 3 km da aduana de Dabboussiyeh, nos deparamos com as ruínas de uma ponte destruída pela aeronáutica israelense no dia anterior. Aldeões nos contam que 12 pessoas morreram e 10 ficaram feridas, todos civis.

Vinte minutos mais tarde, numa vila chamada Abu Shamra, vimos os restos de um posto de gasolina e de outra ponte, destruídos pelos israelenses horas antes. “Qual era a lógica militar em relação a isso?”, pergunta Seema Mustafá, um jornalista indiano que está no nosso grupo. É a pergunta que os libaneses também nos fazem.

Em três outros pontos – Matfoun, Halat e perto do famoso Casino du Lebanon, em Jumieh – temos que pegar desvios por conta de pontes e veículos destruídos. Estas são localidades muito distantes do Sul do Líbano, numa região do país onde o Hezbollah, organização que Israel está visando, tem pouquíssima presença. E esses sinais muito recentes de destruição nos colocam uma das chaves da ofensiva israelense: deliberadamente, tem atingido infra-estruturas não-militares para elevar os custos da guerra para a população civil.

Com essas evidências da estratégia anticivil de Israel ainda nas nossas mentes, nós não nos surpreendemos quando chegamos a Beirute e ficamos sabendo de um ataque aéreo com metralhadoras contra um comboio de civis que deixava a cidade de Marievoun, no Sul. Na sexta, milhares de automóveis deixaram a cidade, depois de um acordo entre as forças armadas israelenses e as não-beligerantes forças armadas libanesas. Por que razão o acordo foi violado? Os israelenses deram desculpas, como desde “foi um acidente” até “havia suspeitas de que o comboio levava membros da guerrilha Hezbollah”. Nahla Chahal, uma das coordenadoras da Missão Internacional, nos conta: “os ataques deliberados a civis é um novo elemento de transgressão à leis de guerra por Israel. É um crime de guerra”.

Herbert Docena, um dos membros da nossa delegação que esteve no Iraque ocupado, explica: “o que é diferente aqui é que no Iraque os EUA parecem ter uma certa preocupação com a opinião pública internacional. Aqui, os israelenses simplesmente não ligam para a opinião pública. Por isso é mais perigoso”.

Israel e Hezbollah: contrastando estratégias

Dos nossos anfitriões libaneses, a Missão ouviu, na noite da nossa chegada, que a diferença entre as estratégias de guerra de Israel e do Hezbollah é evidente pelo número de vítimas: a maioria dos mais de 1.000 libaneses mortos pelas forças armadas israelenses era civil, enquanto a maioria das cerca de 100 vítimas israelenses até agora é de soldados (os jornais israelenses têm trazido números diferentes, como atesta a reportagem de Bernardo Kucinski).

Existe, de fato, um sentimento de orgulho em relação à performance militar do Hezbollah, que ficou evidente durante o encontro com representantes de vários partidos políticos, incluindo o conservador e de direita Movimento Líbano Livre, liderado pelo general Aoun, o centrista Terceira Força, o Partido Comunista Libanês e o próprio Hezbollah. De acordo com Issam Naaman, da Terceira Força, a guerra ultrapassou agora os 31 dias, durando mais do que qualquer outro conflito entre Israel e os árabes. “Nesse momento, está claro que Israel perdeu a guerra em solo e agora está buscando recuperar num front diplomático, com o apoio dos EUA, onde fracassou do ponto de vista militar”.

Um novo Nasser?

A destruição de cerca de 34 tanques Merkava israelenses nos confrontos de sexta (11) e a morte de cerca de 20 soldados israelenses – o número mais alto de vítimas até agora do lado israelense – e a derrubada de um helicóptero são citados como prova não apenas da vitória do Hezbollah, apoiado, segundo as últimas pesquisas, por 87% da população libanesa, mas está ficando claro para nós que, para os árabes, a resistência bem-sucedida de alguns milhares de guerrilheiros motivados do Hezbollah terminou uma era de humilhação árabe pelo poderio militar israelense.

“É realmente muito interessante a forma pela qual os árabes têm apoiado Hassan Nasrallah [comandante do Hezbollah]”, comenta o jornalista indiano Seema Mustafá. De fato, o representante do grupo na nossa conversa com os partidos comentou que o líder com “cara de bebê” está conquistando um status similar ao que foi dado a Gamal Abdel Nasser, o líder egípcio que, em 1953, derrubou o governo pró-britânico do rei Faruk. Como disse antes o taxista Taufik, que me levou de Damasco para Beirute: “eu não me filio a nenhum partido, exceto ao que pode trazer comida para a minha família. Mas eu realmente gosto desse homem, Nasrallah. Ele trouxe orgulho para todos nós, libaneses”.

Beirute, dia 14 – Eu acordei poucos minutos atrás com dois fortes estrondos. É segunda-feira (14). O som pareceu vir de bem perto, mas provavelmente sua origem está no sul de Beirute. Eu estou na região central da cidade. Com o cessar-fogo próximo em menos de uma hora, os israelenses estão bombardeando até o último minuto. Esses caras são inacreditáveis. Então lembrei que eu tinha de contar a história que aconteceu um dia antes, no domingo (13).

"Nós poderíamos estar lá", comentou Mujiv Hataman, tranqüilamente, neste domingo, depois de confirmado que as explosões que havíamos escutado momentos atrás foram causadas por bombardeios israelenses nos arredores de Shia, no Sul da cidade, que nós visitamos então há apenas duas horas.

As imagens de prédios inteiros no chão, ruínas em chamas e carros cobertos por poeira ainda estão em nossas mentes. Eu também me lembro do ursinho de pelúcia, do carrinho de bebê e dos livros que eu vi quando subi nas ruínas de um edifício no bairro de Haret Hreik.

O mais perigoso dos dias

"Hoje é o dia mais perigoso nesta guerra", disse o gerente do restaurante quando nossa delegação sentou-se para um lanche. Ele estava irritado com os israelenses. "Eles sabem que as pessoas vão baixar a guarda agora que um cessar-fogo foi assinado”, disse. Nahla Chahal, a ativista libanesa que coordena a visita de nossa delegação de 12 pessoas, com integrantes da sociedade civil e parlamentares, concordou: "Eles não vão aceitar o fato de que eles não são capazes de bater o Hezbollah, então eles vão aterrorizar a população civil até o final."

Depois de andar sobre as ruínas do sul de Beirute durante o dia, nós fomos ao Hospital Geral da Universidade de Beirute. Brevemente, visitamos Firas Chahal, um homem de 27 anos que sofreu ferimentos internos e externos depois de ser arremessado para fora de um micro-ônibus bombardeado por jatos israelenses. Confinada em um quarto próximo, Khaleek Mahmoud é uma avó de 68 anos que fora ferida quando o forro de sua casa veio abaixo quando aviões israelenses passaram por sua vila no sul do Líbano. “Israel é um Estado tirânico”, ela nos disse. “Vocês deveriam ir para lá e ver por vocês mesmos”.

Crianças de guerra

Depois de visitar o hospital, nós nos apressamos para ir à Escola El Ghoul, no centro de Beirute, que serve temporariamente de abrigo para 355 pessoas de 66 famílias vindas do sul. Um milhão de libaneses foram desalojados pela guerra, então as condições das pessoas que nós encontramos é a mesma de quase um terço do país. “O Hezbollah está fazendo seu melhor para atender a essas pessoas que estão na escola”, diz Nahla Chahal.

Crianças e adolescentes abordam nossa delegação, tirando vantagem de todas as oportunidades que têm para estarem nas fotos. Por alguns poucos momentos, ficamos defronte um mar de sorrisos, e a guerra pareceu distante. Eles nos interrompiam com um canto que invocava o nome do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, algo que poderia ser traduzido toscamente como "Nasrallah, nós estamos com você/Você pode bombardear Telavive".

Pessoas estóicas

Depois do lanche interrompido pelas bombas israelenses lançadas no Sul de Beirute, nós passamos a maior parte da tarde com ONGs libanesas fazendo os cálculos sobre o tamanho do desastre humanitário e ecológico e já pensando na cooperação após o cessar-fogo. Dois estrondos gigantescos interromperam nossa discussão, mas nossos companheiros libaneses continuaram falando, nos assegurando que os sons estavam vindo de navios de guerra israelenses que atacavam o Sul de Beirute a poucas milhas dali.

No jantar que fizemos num restaurante, um pouco mais tarde, o som das explosões no sul não atrapalhava a refeição das pessoas que estavam numa mesa próxima. Os israelenses bombardeiam até o último minuto para aterrorizar os libaneses. Não está funcionando. Aquelas pessoas estão bastante irritadas, mas elas estão acostumadas com a guerra. Eles são resistentes, são pessoas estóicas.

Fonte: Agência Carta Maio