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Plantio de eucalipto é novamente condenado pelos movimentos sociais

A expansão da monocultura de árvores exóticas no Rio Grande do Sul foi atacada nesta quarta-feira, dia 16, durante o seminário “Deserto Verde: os Impactos da Monocultura do Eucalipto para os Povos”, promovido pela Via Campesina, em Porto Alegre. O evento lotou o Salão de Atos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e reuniu movimentos sociais, indígenas, quilombolas, entidades ambientalistas, pesquisadores e estudantes. Embora o eucalipto tenha sido o réu do dia, sobraram críticas para o agronegócio, para o modelo exportador e para o neoliberalismo.

Impactos como a redução da biodiversidade, o esgotamento dos nutrientes do solo e a absorção de água, ameaçando o Aqüífero Guarani, foram trazidos pela pesquisadora de Pós-graduação de Geografia da Ufrgs Dirce Suertegaray. De acordo com ela, a silvicultura prejudica as indústrias farmacêutica, alimentar e ornamental, na medida em que há uma diminuição de espécies necessárias para essas atividades.

A especialista critica, ainda, a tendência à concentração de terras, vinculadas ao capital internacional. Para ela, é o tipo de atividade que parece promissora de início, sob certas conjunturas, mas ameaça o futuro e o meio ambiente. “Tenho ainda questionamentos que não foram respondidos. Quem se beneficiará com essa mudança de matriz econômica? Qual o futuro daqueles que vendem sua propriedade no campo?”, questiona.

A destruição do horto florestal da Aracruz Celulose em Barra do Ribeiro em 8 de março deste ano por campesinas também foi lembrada por Dirce. “As camponesas chamaram a atenção para o problema. Com elas me apóio e com elas me articulo. Essa terra é nossa, e devemos continuar lutando”, acredita.

Já o conselheiro da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e secretário da Fundação pelo Desenvolvimento Ecologicamente Sustentável (Ecofund), Francisco Milanez, afirma que os “vampiros da miséria humana” decidiram que o fracasso da pecuária extensiva e a pobreza do Rio Grande do Sul e do Uruguai era o ambiente ideal para investir, referindo-se às empresas de celulose. “E esse deserto não é força de expressão. Até as gramíneas podem desaparecer”, relata o ambientalista.

A importação de mão-de-obra e a conseqüente sazonalidade dos empregos seriam responsáveis por desequilíbrios culturais nos pólos florestais, como a chegada de um número excessivo de homens em algumas comunidades. Milanez trouxe à discussão também o eucalipto transgênico, desenvolvido pela Aracruz, criado exclusivamente para a produção de celulose. Para o ecologista, é mais uma maneira de aumentar o poder das empresas, já que o agricultor não poderá mais vender sua produção para o setor moveleiro. “Isso é muito triste, menos para quem está ganhando dinheiro”, lamenta.

Criada a Articulação Estadual contra o Deserto Verde

A Articulação Estadual contra o Deserto Verde foi formada durante o seminário. O documento foi assinado por mais de 35 entidades e movimentos sociais. A pauta de discussões vai além da monocultura e propõe agroecologia e reforma agrária, entre outros temas. A primeira reunião do grupo está marcada para 1º de setembro, no Diretório Acadêmico de Estudantes da Ufrgs, na avenida João Pessoa, 41, a partir das 8h.

Para Miguel Stédile, integrante da Via Campesina, a iniciativa é válida porque mostra à comunidade que "nem todo mundo está de braços abertos para o recebimento das empresas de celulose", e visa a ampliar a discussão acerca da monocultura, facilitando também o encaminhamento de propostas ao governo. Além disto, para ele, a rede – que deve se chamar Deserto Verde – promoveria uma maior integração com as entidades argentinas e uruguaias.

Monocultura de eucalipto atenta contra a Constituição

O plantio de espécies exóticas em grande escala fere vários aspectos da Constituição federal. Para o procurador do Ministério Público Federal (MPF) Domingos Silveira, o artigo 186 deixa claro que a propriedade rural só cumpre seu papel social se houver “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”.

O procurador lembra também que todos têm direito a um ambiente equilibrado, conforme o artigo 286. O mesmo texto indica que “impõe-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

“A monocultura é uma lesão, uma violência à nossa Constituição, pois destrói algo que é de todos, não só de um proprietário”, entende Silveira, que participou do seminário.

Silveira explica que o MPF foi convidado, mas optou por não assinar o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para o plantio de árvores no Rio Grande do Sul, documento assinado em 12 de maio deste ano entre a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), Ministério Público Estadual (MPE) e Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema/RS). A medida vem permitindo a liberação dos plantios enquanto o zoneamento ambiental para a atividade não é concluído.

“Acreditamos que essa atividade é lesiva e que o licenciamento deve ser realizado em nível federal”, esclarece o procurador, referindo-se à Resolução 237/97 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que determina que atividades com significativo impacto ambiental sejam licenciadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), com a exigência de Estudos de Impacto Ambiental (EIA).

Mídia tem papel fundamental

É preciso lutar contra a associação midiática entre o “verde da vida” e todo tipo de árvore. Para Silveira, a população deve estar consciente dos perigos que existem atrás dos projetos “verdes” das empresas de celulose. “Parece contraditório que uma árvore pode fazer mal, mas é o que acontece com esse verde da morte”, acredita o procurador. “Precisamos de dinheiro para a reforma agrária, para os assentamentos. Temos que assentar gente, não eucalipto.”

O escritor e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) Pedrinho Guareschi, também presente nos debates, coloca em pauta a importância dos meios de comunicação na defesa dos interesses da sociedade. “A mídia é o lugar onde devem acontecer as discussões, onde todos devem ser ouvidos. É algo assegurado nos Direitos Humanos”, explica.

Para Guareschi, o povo tem que participar não só na execução e nos resultados das ações, mas também no planejamento. Cabe à mídia assegurar essa participação popular. “A mídia constrói a realidade, uma coisa deixa ou não de existir se está na mídia, fazendo a agenda de discussão da maioria da população”.

Entretanto, o pesquisador percebe falhas no diálogo que deveria se estabelecer entre os atores sociais. “A mídia é o verdadeiro poder usurpado do povo no Brasil, porque pertence a certos grupos, que acabam tendo privilégios.” Citou a concessão da Rede Globo, que expiará em 2007. “Vocês acham que algum deputado vai cassar a Globo?”, provoca.

Guareschi acredita que a ausência das vozes populares na mídia é uma das responsáveis pelo surgimento de grupos terroristas, que encontram em atos violentos a única forma de se manifestar. “Às vezes, é preciso radicalizar a opinião para se fazer ouvir”, referindo-se ao ato das campesinas em março no horto da Aracruz em Barra do Ribeiro.

Entidades testemunham contra passivo social da plantação de eucalipto

A discussão acerca do passivo social da plantação de eucalipto foi tema de painel que integrou a programação do seminário Deserto Verde. Um público de aproximadamente mil pessoas ouviu as lideranças Iara Tupã, da comunidade indígena Tupiniquim do Espírito Santo, Carlos Santos, da Rede Amigos da Terra do Uruguai, e Luciana Piovesan, do Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais e Via Campesina.

O palco em que discursavam os representantes foi decorado com produtos tradicionais da agricultura familiar e faixas de protesto contra a monocultura do eucalipto e a falta de apoio da mídia. A primeira a falar foi Iara Tupã, que descreveu de forma emocionada os conflitos entre a sua tribo e a Aracruz Celulose, e se solidarizou às mulheres que participaram da invasão da empresa no município de Barra do Ribeiro, no dia 8 de março deste ano. "Sinto não poder ter estado junto com aquelas mulheres para também poder destruir um pouco deste parasita chamada eucalipto", afirmou.

Ela ainda se mostrou indignada quando soube que nenhum representante do poder público estava presente no evento, e prometeu lutar contra a plantação da espécie.

O representante da Rede Amigos da Terra do Uruguai, Carlos Santos, também se mostrou solidário com a luta das mulheres da Via Campesina. Em sua fala, abordou a questão das papeleiras no Uruguai. O país tem 700 mil hectares de cultura de eucalipto, que são propriedade de nove empresas.

Contou que a entidade apoiava e confiava no governo dito esquerdista do presidente Tabaré Vasquez, mas que hoje os políticos uruguaios vêem os protestos contra o eucalipto como ato terrorista e antipatriótico. Santos vê a união das lutas latino-americanas camponesas como saída para o combate à monocultura.

O discurso de Luciana Piovesan, do Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais e Via Campesina, encerrou o painel, levantando o grito "Soberania, sim. Deserto verde, não", que contagiou a platéia. Uma manifestação estava prevista na programação do seminário após o painel, mas devido à chuva, foi cancelada.

O seminário foi promovido pela Via Campesina do Rio Grande do Sul, Núcleo de Economia Alternativa (Nea/Ufrgs), Pós-graduação da Geografia/ Ufrgs, Pró-Reitoria de Extensão (Prorext/Ufrgs), Marcha Mundial de Mulheres, CUT-RS, Federação dos Metalúrgicos/RS, Federação dos Sapateiros/RS, Federação dos Trabalhadores em Indústrias de Alimentação/RS, Cpers, Conselho Indigenista Missionário (Cimi/RS), Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), Movimento Nacional de Direitos Humanos/RS, Profetas da Ecologia, Terra de Direitos, AGAPAN, CETAP, Diretório Central dos Estudantes (DCE/ Ufrgs), Diretório da Biologia (DAIB/Ufrgs), Grupo de Apoio à Reforma Agrária (GARA/Ufrgs), Centro Acadêmico do Direito do IPA, ATTAC/Poa, Núcleo de Ecojornalistas/ RS, Centro de Educação Popular (CAMP), CECA, CEBI/RS, Fian Brasil, Cáritas/RS, ESTEF, Congregação dos Capuchinhos/RS e as pastorais sociais Operária e Afro do RS.

Fonte: Ambiente Já – Patrícia Benvenuti e Ana Luiza Leal Vieira.