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Política econômica dos anos 90 prejudicou caixa da Previdência

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) começou a operar no vermelho em 1995 e não voltou a apresentar contas equilibradas. Ao contrário, a diferença entre os benefícios pagos e as contribuições recolhidas de patrões e trabalhadores só aumentou. Em 2006, pela primeira vez no período, a sangria poderá estancar e igualar-se à do ano anterior, em termos de peso no total das riquezas produzidas no país, o PIB (leia: “Ampliação do Simples e maior fiscalização devem reforçar caixa”). Apesar disso, a série de déficits crescentes alimenta a idéia de se mudar as regras de acesso aos benefícios do INSS. Estes reformadores da Previdência Social acham-na generosa demais – pagaria valores muito elevados e para mais pessoas do que o caixa permitiria.

A saúde da Previdência admite, no entanto, um outro diagnóstico. O INSS gasta com benefícios mais do que recolhe em contribuições não por benevolência exagerada, mas porque o mercado de trabalho, no Brasil, sofreu uma transformação profunda nos anos 90, em decorrência da política econômica neoliberal. O número de contribuintes da Previdência encolheu, numa espécie de “crise da carteira assinada”. E a base das contribuições, que são os salários, também. Não por acaso, a sucessão de prejuízos do INSS começa em 1995, ano em que o neoliberalismo se consolida como linha mestra da política econômica do país.

A “crise da carteira assinada” tem amparo estatístico. Em 1980, 44% dos brasileiros em idade e condições de trabalhar, classificados como “população economicamente ativa” (PEA), estavam empregados com registro em carteira. Em 1991, a proporção se manteve quase igual, 42%. Mas, ao longo dos anos neoliberais, caiu para 30,9% (2000) e 29,5% (2004). Em 24 anos, o batalhão da carteira assinada ficou um terço menor. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e foram mencionados em um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre Previdência.

O medíocre crescimento do total das riquezas produzidas no país (PIB) não explica, por si só, a redução na quantidade de carteiras assinadas. Os anos 80, conhecidos como “década perdida”, apresentaram baixos incrementos do PIB – média anual de 1,6% -, perdição que se repetiu na década de 90, com aceleração média de 2,5% ao ano. Mas, enquanto o nível de carteira assinada permaneceu estável depois dos anos 80, declinou na seguinte. Por quê?

Os governos Collor e FHC

No início da década de 90, no governo Collor, a economia foi aberta aos importados, vindos de países mais avançados tecnologicamente e a preços menores. O controle da inflação, no Plano Real, combinou um reforço na dose das importações com atração de dólares para o país. A sedução dos dólares, no governo Fernando Henrique, foi feita à base de juro (lucro) alto pago a investidores estrangeiros.

Sufocado pela concorrência dos importados e por dívidas financeiras que passaram a ser corrigidas pelos maiores juros do mundo, o setor produtivo partiu para o corte de custos onde desse, a fim de sobreviver. Sobrou para o lado mais fraco. As empresas pararam de contratar, demitiram, contornaram direitos sociais de quem trabalha com carteira assinada – Previdência, FGTS. Daí a queda no número de empregos com registros na carteira.

“A Previdência sofre uma crise de desfiliação”, diz Guilherme Delgado, pesquisador do Ipea que, em fevereiro, publicou um amplo estudo sobre a Previdência Social brasileira.

Os dados sobre emprego com carteira nos últimos três anos mostram que combater a informalidade e incentivar a geração de empregos tem reflexos positivos no INSS. De 2003 ao primeiro semestre de 2006, foram gerados 100 mil vagas por mês. No governo anterior, a média foi de nove mil postos mensais.

O aumento da formalidade tem sido um dos fatores fundamentais para que a Previdência venha batendo recordes de arrecadação. Em junho, a receita do INSS foi a maior da história, quase R$ 10 bilhões. “Há um esforço maior na arrecadação, mas também houve uma melhoria na folha das empresas, no mercado de trabalho”, diz o secretário de Políticas de Previdência Social do Ministério da Previdência, Helmut Schwarzer.

O aumento da arrecadação, aliado ao controle de desperdícios do INSS, ajuda a explicar porque, em 2006, o prejuízo da Previdência Social pode se estabilizar pela primeira vez desde 1995.

Salários e política econômica

Além de reduzir a quantidade de pessoas contribuindo com o INSS, já que as empresas fugiram da carteira assinada, o neoliberalismo produziu outra conseqüência no mercado de trabalho que também atingiu a Previdência. Quem sobreviveu empregado passou a ganhar menos, a ter dificuldade para conseguir reajustes. A renda média do trabalhador brasileiro caiu durante sete anos consecutivos. O processo só estancou em 2004.

Os salários perderam espaço no total das riquezas produzidas no país. O economista Márcio Pochmann, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), calcula que, de 1992 a 2002, o peso dos salários no PIB caiu de 44% para 36%. O INSS sentiu o tombo porque todas as contribuições que recolhe (patronais e laborais) baseiam-se no valor do salário – quanto maior ele for, maior a contribuição.

Um dos maiores especialistas em Previdência Social no Congresso, o deputado Sérgio Miranda (PDT-MG) cita ainda mais dois dados que evidenciam o empobrecimento do trabalho. Segundo ele, em 1994, 48% dos trabalhadores ganhavam acima de três salários mínimos. Hoje, seriam 33%. “Os salários estão se achatando, a renda vem caindo. O problema é o mercado de trabalho, não a Previdência em si”, diz Miranda.

Para que o déficit da Previdência recue e desapareça, seria necessário substituir o modelo econômico. Abandonar a política de juros altos, que asfixia o setor produtivo e inibe o crescimento. Em suma, incentivar a geração de emprego e renda. “O nível de emprego não é imposição divina, é resultado de escolhas de política econômica”, afirma a economista Rosa Maria Marques, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), estudiosa de políticas sociais.

Segundo Rosa, manter a atual política econômica significa aceitar que a realidade do mercado de trabalho pós-neoliberalismo veio para ficar. Ou seja, que os empregos sem carteira assinada vão ser poucos e os salários, reduzidos. Para ela, sem disposição ou força para enfrentar o sistema financeiro, que ganha com os juros altos, o setor produtivo uniu-se ao “mercado” em favor da reforma da Previdência. O sistema financeiro alega que o juro só vai cair se o governo cortar despesas.

“Estamos sob dominação do capital financeiro, que é novo no Brasil, mas não no capitalismo. O mundo está sob o tacão do capital financeiro, que exige mais, via juros, do capital produtivo. E esse, que não é bobo e quer lucrar, joga o tacão no trabalhador. Por isso, estão juntos pedindo a reforma”, diz Rosa.

Sonegação e dívida com o INSS

As empresas do setor produtivo driblam a asfixia financeira imposta pelos juros altos não só fugindo das contratações com carteira assinada e pagando salários piores. Também sonegam contribuições devidas ao INSS e fazem dívidas com o instituto que só pretendem pagar se a Justiça mandar (leia: “Sonegação e desvios derrubam tese de déficit operacional”).

A Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Previdência Social (Anfip) estima que a sonegação roube pelo menos 30% dos cofres da Previdência, algo como R$ 40 bilhões este ano. Essa quantia seria suficiente para quase zerar o déficit do INSS previsto oficialmente pelo governo para 2006, de R$ 41 bilhões.

Já as dívidas acumuladas por empresas e órgãos públicos com o INSS estão em R$ 114 bilhões, segundo dado mais recente do ministério da Previdência. “No seu perfil fiscalista, as reformas da Previdência, até hoje, trataram de benefícios, mas não da arrecadação. Não se ataca o alto poder de evasão das contribuições”, diz a economista Eli Iloa Gurgel Amaral, do Departamento de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutorada com tese sobre Previdência.

Fonte:
André Barrocal – Agência Carta Maior