Sem cenas de pugilismo eleitoral, Lula leva vantagem
A melhor trilha musical para definir a conduta de Geraldo Alckmin nesse segundo turno presidencial é “Com que roupa”, genial samba de Noel Rosa, composto em 1929 e gravado, desde então, pela fina flor da MPB. “Vou tratar você com a força bruta/ Pra poder me reabilitar,/ Pois esta vida não está sopa/ E eu pergunto com que roupa?/ Com que roupa que eu vou/ Pro samba que você me convidou?”
Para o samba do debate do SBT, na noite desta quinta-feira (19), o candidato tucano deixou de lado sua roupa de delegado de maus bofes, exibida no encontro da Bandeirantes, e encarnou uma espécie de “Geraldinho paz e amor”. Mesmo a roupa de garoto-propaganda das estatais, com direito a boné e jaleco cheios de logotipos da Caixa Econômica, do Banco do Brasil, dos Correios e da Petrobrás, exibida há poucos dias, foi deixada de lado. Os zigue-zagues exibem a defensiva em que sua campanha entrou, após Lula colocar no centro do campo as privatizações da era tucana.
Entrou manso
Tentando demonstrar calma, Alckmin, no entanto, exibiu certa insegurança ao longo dos quatro blocos do programa, ultrapassando por três vezes o limite de tempo pré-estabelecido para as intervenções. Mas candidato algum chega a um debate desses despreparado. Ensaiados por suas assessorias, nenhum deles caiu nas cascas de banana jogadas pelo oponente. Por isso mesmo, de olho nas pesquisas, que mostraram reprovação ao seu estilo agressivo da semana anterior, o candidato do PSDB evitou apresentar-se como pugilista verbal.
Mesmo quando a apresentadora Ana Paula Padrão sorteou um tema que lhe favorecia – corrupção –, Alckmin evitou parecer agressivo. Pausadamente, enumerou escândalos, citou mensalão, Gtech, Correios, Waldomiro Diniz, Delúbio e outros e quis saber mais uma vez do petista “de onde veio o dinheiro para a compra do dossiê?” Diante da resposta de Lula – “Esta é uma campanha de uma nota só” – Alckmin repetiu a boa frase do editorial do jornal O Estado de S. Paulo do último domingo: “Não é uma campanha de uma nota só, é uma campanha de um milhão e 750 mil notas”, replicou, em alusão aos R$ 1,75 milhão flagrados nas mãos do petista Hamilton Lacerda. Ponto para o tucano que, no entanto, viu sua presença de espírito no debate acabar aí.
Na questão seguinte, Lula desejou saber dos planos do PSDB para a segurança. Alckmin disparou dados sobre queda do número de homicídios e furtos, além de arrolar informações acerca da construção de presídios e do endurecimento com o crime organizado. Com um sorriso maroto, Lula, em sua deixa, desabafou: “Pelo amor de Deus, que o povo que São Paulo não ouça isso porque vão achar que vai ter PCC no país inteiro. Se em 12 anos (o PSDB) não fez nada lá, como vai fazer pelo Brasil?".
Vantagem
A partir daí, a vantagem de Lula, mais solto e descontraído do que no encontro anterior, se consolidou. Alckmin quis encurralá-lo, no segundo bloco, ao citar um ranking de crescimento econômico, estabelecido pela revista britânica Economist, no qual o Brasil figura em último lugar entre os países em desenvolvimento. Não conseguiu. Sem se abalar, o petista foi irônico: “O meu adversário é daqueles que ficam se orientando pelo que deu no New York Times” ou “numa revista inglesa”. Chamou o interlocutor de “colonizado” e passou a citar dados. Alckmin tentou não acusar o golpe, ao afirmar que na escala, o Brasil ficara em último, com 2,3% de crescimento do PIB.
Apenas uma vez, o presidente valeu-se do grande mote de seu discurso neste segundo turno. “Nos governos de vocês, tudo foi privatizado”. Lembrou que o ex-governador coordenara o processo de venda de estatais em São Paulo e que acabara de vender a CTEEP (Companhia Paulista de Transmissão de Energia). Tirou os óculos que usava para leitura, e virou-se para o tucano: “Diga, sem que a gente fique nervoso aqui, só para discutir, qual é a sua visão sobre privatização?" O peessedebista saiu pela tangente.
“Vou reduzir impostos para gerar empregos”, afirmou. Em seguida argumentou que houve muitos avanços com as privatizações. “Na telefonia, por exemplo. Hoje 90 milhões de brasileiros têm celular e foram investidos R$ 100 bilhões”. Por fim, acusou Lula de não dar conseqüência às suas próprias palavras: “Se ele achou ruim, deveria ter reestatizado”. E olhando para a câmera, ressaltou: “Eu não privatizei o Banespa, mas ele vendeu o Banco do Ceará e o Banco do Maranhão”. O Banespa foi entregue ao governo federal na gestão de Mario Covas, quando Alckmin era vice, e vendido em 2000. Os dois outros bancos estatais foram federalizados e vendidos no governo Lula, em 2005.
Em resposta, Lula lembrou que o governo FHC arrecadara R$ 200 bilhões com o total das transações. “Dobraram a dívida pública e aumentaram os impostos”, disse, para devolver, ironizando o bordão tucano: “Onde foi parar o dinheiro?”.
Dívida pública
Alckmin tentou ainda contra-atacar, ao fustigar Lula com dados da dívida pública. “Só de juros foram gastos R$ 329 bilhões e o lucro dos bancos alcançou R$ 20 bilhões no último semestre, muito mais do que no governo anterior”. O presidente não perdeu a pose e retrucou: “Imaginem vocês que, quando assumimos, pegamos os juros acima de 30%”. E emendou dizendo que na administração FHC a crise dos bancos gerou o Proer, com dinheiro público sendo destinado ao setor.
A cada rodada, Lula tentava estabelecer comparações com o governo FHC. Alckmin, por sua vez, repetia a todo instante “Nós somos diferentes”, na tentativa de dar nitidez às suas propostas, ao mesmo tempo em que, referindo-se a programas como o Bolsa-família e Luz para todos, de alta aceitação popular, dizia: “Nós vamos melhorar e ampliar o que foi feito”. No quesito corte de gastos, citou o economista Marcio Pochmann, apoiador do petista, para avalizar a disparidade de dinheiro destinada aos setores mais ricos em relação aos mais pobres.
Não aconteceram cenas de pancadaria verbal, como no encontro anterior, e nem um nocaute televisivo. No ringue eleitoral, Lula venceu por pontos, por pequena margem, o que lhe favorece, e muito. Vinte pontos à frente do oponente, nas pesquisas, e na ânsia que a vitória lhe venha por inércia, o que petista menos deseja agora são fatos novos. E Alckmin, mais uma vez, está ávido por eles.
Fonte: Gilberto Maringoni – Agência Carta Maior