Sem mudança de rumo, pobreza no mundo só acaba em 2282
Se as políticas econômicas e sociais da maioria dos países do mundo não forem radicalmente alteradas, as chamadas “Metas do Milênio” – parâmetro estabelecido pela ONU para a eliminação da pobreza até 2015 – só serão atingidas em 2282. A constatação está no relatório mundial do Observatório da Cidadania/Social Watch 2006, cuja versão brasileira, intitulada “Arquitetura da Exclusão”, será lançada na sexta-feira (15) pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).
“É claro que se trata de uma projeção, caso sejam mantidas as orientações atuais”, afirma Fernanda Carvalho, coordenadora da edição brasileira. “Esperamos que o quadro mude. Para isso nos valemos do que chamamos estratégia da vergonha, ou seja, de tornar pública a real situação dos diversos países diante da comunidade internacional”, diz a pesquisadora. Ainda em suas palavras, busca-se “cobrar dos governos o cumprimento dos compromissos assumidos internacionalmente”.
Sistema financeiro
O estudo foi produzido por mais de 400 organizações sociais em 60 países e chega agora à sua 11a. edição. Seu principal foco é avaliar como o sistema financeiro mundial vem dificultando o desenvolvimento dos países pobres, através de inúmeros mecanismos, como juros e serviços da dívida pública, remessas de lucros, evasão fiscal e transferências diretas.
A edição brasileira apresenta a reprodução de parte da edição em inglês, em que são analisadas as situações da Argentina, Estados Unidos, Índia, México, Moçambique e Peru. O livro inclui o Índice de Eqüidade de Gênero (com a situação da igualdade entre homens e mulheres em 149 países) e o Índice de Capacidades Básicas (sobre a pobreza e o bem-estar em 162 nações).
Há quatro artigos sobre o Brasil, que examinam o sistema de créditos, as relações raciais, a agricultura familiar e a criminalidade e a política .
Na apresentação, Fernanda Carvalho lembra que “A percepção de que o sistema financeiro internacional, e suas ramificações nacionais, tinha se tornado um dos principais nós a impedir o processo de desenvolvimento dos países subdesenvolvidos levou à realização, pela Organização das Nações Unidas, da Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento, em Monterrey, México, em 2002”. E completa: “Apesar dos seus pífios resultados, a conferência serviu para que alguns princípios fossem estabelecidos e que compromissos fossem assumidos, como o dos países desenvolvidos dedicarem um mínimo de 0,7% de seu produto interno bruto à ajuda externa – que poucos países realmente honraram”.
Ao voltar-se para o Brasil, ela observa que “As escolhas do presidente em seu segundo mandato ainda são incertas. Em sua campanha para o segundo turno, o presidente Lula adotou uma retórica mais incisiva de mudança de rumos, com vistas especialmente a superar a persistente estagnação da economia brasileira, expandir empregos e distribuir a renda de modo mais durável e efetivo”. Logo a seguir Fernanda diz que “Após a confirmação de sua vitória, contudo, suas manifestações públicas se tornaram mais ambíguas e cautelosas, endossando as políticas de seu ex-ministro da Fazenda e reforçando a posição do presidente do Banco Central. Por outro lado, o presidente tem se recusado a comprometer-se com demandas apresentadas incisivamente por porta-vozes do sistema financeiro, como, por exemplo, a reforma do sistema previdenciário”.
Crédito escasso no Brasil
O professor de economia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), autor, juntamente com Fabiana Santos, do ensaio “Financiamento e desenvolvimento sob novas óticas”, resume seu ponto de vista, afirmando que “O país enfrenta uma dualidade em seu sistema financeiro. Para ele, “temos aqui bancos altamente competitivos que, ao contrário da Argentina, resistiram a entrada de instituições financeiras internacionais no mercado doméstico. Ao mesmo tempo, eles emprestam muito pouco”.
Em seu texto, Crocco atenta para o fato de que no Brasil, “O patamar de crédito ainda é muito baixo, quando comparado aos padrões internacionais. Em 2005, o valor do crédito doméstico para o setor privado, como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), foi de 35,1%, enquanto para os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), como os Estados Unidos, o Japão, a Coréia do Sul e o Chile, foram, respectivamente, 249,2%; 99,5%; 98,2%; e 63,1%”. Mais adiante, seu estudo atenta para o fato de que “Ainda cabe ao setor bancário estatal, inclusive o BNDES, parcela significativa do volume de crédito concedido”. Seu exemplo vem em números. Em dezembro de 2005, as instituições do Estado eram responsáveis por 48% do total de crédito concedido no país. O setor bancário privado nacional possuía 34,3% e o privado estrangeiro, aproximadamente, 19%”.
O livro é uma importante ferramenta para todos aqueles que estudam a situação social do Brasil. “Arquitetura da Exclusão” tem 114 páginas, mais um CD-Rom, e custará R$ 20. Pode ser encontrado em www.ibase.org.br.
Fonte: Gilberto Maringoni – Agência Carta Maior