Argentina: Luta contra fábrica no Rio Uruguai chega à Praça de Maio
Buenos Aires, Argentina – Varas de pescar, chapéus de sol, cadeiras dobráveis, sombrinhas, sinais de identidade da cidade argentina de Gualeguaychú, povoaram a Praça de Maio, em Buenos Aires, em um protesto ecológico de amplo alcance. Liderados por moradores da província argentina de Entre Rios contrários à fábrica de celulose que é construída na margem do rio compartilhado com o Uruguai, moradores de outros locais afetados pelas atividades que contaminam juntaram-se nesta terça-feira em uma marcha pelo centro da capital da Argentina.
“Chega de contaminação e saque ambiental” foi o lema de milhares de pessoas, a maioria de Entre Rios e, em menor escala, de organizações não-governamentais e associações de moradores de várias províncias do país com diferentes problemas ambientais. Por algumas horas a central Praça de Maio, localizada diante da Casa Rosada, a sede do governo nacional, se assemelhava a Gualeguaychú, epicentro dos constantes protestos pela instalação de fábricas de celulose na margem oriental do Rio Uruguai.
Com suas já clássicas cadeiras dobráveis, sombrinhas, gorros e varas de pescar, moradores dessa cidade, que fica 400 quilômetros ao norte de Buenos Aires, esperaram os manifestantes procedentes da próxima Praça dos dois Congressos atrás de um colorido grupo de mulheres de biquini e enfeitadas com plumas, símbolo do carnaval de Gualeguaychú. Perto da li, a frase “Fora Botnia” podia ser lida em uma réplica de 12 metros de altura da chaminé já construída pela empresa finlandesa dona da gigantesca fábrica que constrói junto à cidade uruguaia de Fray Bentos e diante de Gualeguaychú, banhada pelas mesmas águas.
Com esses ativistas também caminharam organizações de moradores de outras províncias deste país nas quais se expande a mineração a céu aberto, entidades que protestam pela contaminação da bacia dos Rios Matanza-Riachuelo, e os que exigem o fim da pesca excessiva no mar e nos rios. Os manifestantes entregaram uma carta ao governo argentino na qual pedem o cumprimento das promessas de fazer da política ambiental uma questão de Estado, que foram proferidas em maio pelo presidente Néstor Kirchner, por seus ministros e governadores da maioria das províncias, em um ato em Gualeguaychú.
Na carta, os moradores criticam “a desídia governamental, o desleixo no descumprimento das leis, a busca ambiciosa de créditos políticos e econômicos, a corrupção, causas pelas quais todos os dias morrem muitos cidadãos neste país”. Um dos integrantes da Assembléia Ambiental Cidadã de Gualeguaychú, Alejandro Gaham, disse à IPS de sua satisfação pelo protesto. “Houve uma grande diversidade de moradores do interior do país, e isso é muito importante porque quando os governos estão longe dos problemas os cidadãos devem se mostrar ativos”, afirmou.
“Precisamos que o Estado argentino assuma as rédeas no caso (da fábrica de celulose), não contra o Uruguai, mas principalmente, em relação à Botnia que em março suspendeu o diálogo dos presidentes da Argentina e do Uruguai ao se negar a suspender as obras por 90 dias para que fosse feito um estudo de impacto ambiental independente”, ressaltou Gaham.
O conflito entre os dois países pelo projeto da indústria de papel começou em 2003, mas aumentou em 2005, após inúteis tentativas de se chegar a um acordo que contentasse as duas partes: a necessidade uruguaia de investimentos produtivos e criar empregos e a preocupação argentina pelas repercussões da chegada à região da indústria de celulose em grande escala, com longo histórico de danos ambientais.
Ao colorido protesto, destacado pelos organizadores como “a primeira marcha ambiental para a Praça de Maio”, somaram-se organizações que denunciam a expansão do monocultivo da soja, às custas de outras atividades agropecuárias, e moradores de Buenos Aires que resistem à multiplicação de edifícios sem a correspondente ampliação da rede de serviços sanitários. Em conversa com a IPS, Alfredo Alberti, da Associação de Moradores de La Boca, um dos bairros portenhos afetados pela contaminação do Rio Riachuelo, destacou a urgência de “tornar realidade as promessas do presidente Kirchner de fazer da questão ambiental uma política de Estado”.
Sob uma enorme bandeira negra simbolizando a podridão do Riachuelo, ao sul da capital, Alberti disse que os moradores de Gualeguaychú “contribuíram muito para colocar a questão ambiental na agenda pública”, mas considerou que agora se deve passar “das palavras para as ações concretas que mudem a realidade”. Por sua vez, Andrés Campos, da Assembléia de Moradores Autoconvocados de Esque, na província de Chubut, disse à IPS que “a luta pelos recursos naturais é a mesma em todas as províncias”. Em seu caso, a mobilização cidadã conseguiu em 2003 deter um milionário investimento em mineração, afirmou.
Campos se referia a uma consulta popular em que venceu o NÃO ao projeto da empresa El Desquite, subsidiaria da companhia mineira norte-americana Meridian Gold, com mais de 80% dos votos dos moradores em Esquel que poderiam ser afetados pela exploração de ouro a céu aberto utilizando cianureto, veneno para o ar e a água. Em Entre Rios, moradores de Gualeguaychú mantêm há três semanas bloqueada a ponte internacional Libertador General San Martín, que une Argentina e Uruguai, enquanto o tráfego é interrompido ocasionalmente em outras duas passagens de fronteira.
Dessa forma, os moradores repetem seu protesto do último verão, quando montaram uma barreira nessa ponte, cruciam para o transito internacional durante a temporada turística, causando, segundo o governo do Uruguai, prejuízo de centenas de milhões de dólares. O bloqueio, que tem grande repercussão nos meios de comunicação, agora se vê combinado com o protesto nacional realizado em Buenos Aires para expor outros problemas ambientais.
Fonte: Marcela Valente, da IPS/Envolverde