Mídia tomou partido nas eleições, avaliam jornalistas e deputados
A atuação dos meios de comunicação nas eleições de 2006 ainda está dando o que falar. Não se apagou a chama acesa por reportagens – em veículos como a revista Carta Capital e nesta Carta Maior (leia matéria) que revelaram tramas, orientações de bastidores e condutas das direções de alguns dos mais poderosos veículos do País para amplificar os efeitos da chamada “crise do dossiê”, que acabou sendo determinante para levar o pleito presidencial para o segundo turno. O tema ganhou relevo novamente com a realização do Seminário “Mídia nas Eleições de 2006”, organizado pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, na última quarta-feira (13).
O proponente do evento, deputado Fernando Ferro (PT-PE), justificou a importância de manter a reflexão sobre a cobertura da grande mídia no País com dados do Observatório Brasileiro de Mídia (leia ). De acordo com a pesquisa citada por Ferro consolidada em 20/9, o tratamento dado pelos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo , Lula, o candidato, foi retratado de forma negativa em 65,7% das matérias, contra 21,4% oportunidades em que o tratamento foi positivo. No caso do candidato tucano Geraldo Alckmin, a situação apareceu invertdida: a abordagem positiva atingiu 50% das notícias; as citações negativas não passaram de 16,7%. Quando o objeto da matéria foi o presidente Lula, o percentual de matérias negativas diminuiu (33,3%), mas ainda superou de longe o de textos com tratamento positivo (13,3%).
Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), a diferença de tratamento não se restringiu à disputa presidencial. O próprio Greenhalgh não conseguiu se reeleger para o Parlamento. Sofrera por ter atuado como advogado no caso do assassinato do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel, do PT, envolto pelas especulações acerca de querelas políticas por trás do crime. “Embora tenha sido confirmado antes das eleições que foi um crime comum, nenhum jornal deu isso. Agora se a conclusão da Justiça fosse de que tinha havido motivação política, no outro dia era um escândalo em todas as páginas de jornal”, reclamou.
Na avaliação de Ricardo Pedreira, da Associação Nacional de Jornais (ANJ), os jornais brasileiros “tentaram trabalhar pela melhor cobertura possível nas eleições”. Para ele, é “natural” e sempre haverá críticas à cobertura da mídia em qualquer situação. No entanto, um próprio representante da chamada grande mídia, o coordenador de jornalismo do SBT, Luiz Gonzaga Mineiro, foi surpreendentemente franco: “A mídia não foi isenta nestas eleições. Tanto é que após a eleição os veículos abandonaram as denúncias, mostrando que era uma campanha”.
Também o jornalista Paulo Henrique Amorim, que apresenta programa na TV Record e mantém o sítio Conversa Afiada (no portal IG), foi taxativo e caracterizou os principais meios como veículos de oposição ao governo Lula. Segundo ele, uma pesquisa da Universidade de Harvard que identificou uma tendência que vai de encontro à pluralidade e ao contraditório entre os meios de comunicação tradicionais. Para se aproximar ainda mais do seu público-alvo, especialmente diante do quadro que não é exclusividade brasileira de queda nas vendas e na circulação, muitos veículos buscam ser cada vez mais "fiéis" às opiniões de seus leitores para "manter a clientela".
Outro motivo apontado por Amorim para este comportamento foi a falta de qualidade dos veículos de comunicação brasileiros. “Vivemos crise da qualidade da imprensa brasileira. A qualidade é péssima, sem falar da promiscuidade de não saber onde começa opinião e onde termina informação”, disse. Na avaliação dele, um exemplo deste processo é a ascensão da figura do “colunismo”, que transforma análise em opinião sempre dentro de acordo com o que as “orientações superiores” de cada empresa de comunicação permitem. Como exemplo, citou a colunista Miriam Leitão, que em seus comentários sobre economia no matinal Bom Dia Brasil, da TV Globo, expressa um ponto de vista muito claro. “Mas não é a minha visão e por que eu não posso expressá-la também?”, questionou.
Na opinião do experiente jornalista da Record, já exitem avenidas abertas (com perspectivas de se alargarem cada vez mais) para a quebra desse monopólio da palavra no ambiente das novas tecnologias. Amorim pontuou diversos casos em que informações divulgadas pela internet e por telefones celulares tiveram grande impacto em momentos cruciais de diferentes países. Amorim lembrou que já existem 47 milhões de internautas no Brasil e fez um apelo aos parlamentares para que não sejam aprovados projetos de lei obsoletos que reduzem o cenário da mídia a uma contenda apenas entre grandes redes de TV e, por conseguinte, tentam conter a expressão da pluralidade e da diversidade nesses novos meios.
Concentração
A razão apontada para a ausência de espaço para opiniões diferentes é a conhecida concentração de propriedade na mídia brasileira, sobretudo em Rádio e TV. Sobre o tema, o deputado Fernando Ferro apresentou dados do estudo “Os Donos da Mídia”, realizado pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom) que mostram a concentração da espinha dorsal do sistema de mídia do país (rádio, TV e jornais). Sozinhas, Globo, SBT, Bandeirantes, Record, CNT e Rede TV possuem 138 grupos afiliados e controlam 668 veículos, entre TVs, rádios, editoras, gravadoras, agências de notícias e provedores de Internet.
O vice-presidente de relações institucionais da Rede Globo, Evandro Guimarães, saiu da saia justa da constatação de oligopólio elogiando a situação da TV brasileira por seu caráter livre, aberto e gratuito e jogando para o capital internacional o foco de perigo de concentração. Segundo Guimarães, a principal ameaça hoje é a entrada dos grupos transnacionais de telecomunicações na produção de conteúdo, especialmente na TV aberta. José Guilherme Castro, da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), criticou duramente o argumento do dirigente da Globo argumentando que a dimensão aberta e gratuita é garantia da Constituição, e não mérito das emissoras.
Para Castro, o discurso da ameaça do capital internacional é uma falácia dos grupos empresariais brasileiros, pois a Globo não teve nenhuma restrição, no caso da TV por satélite, em se unir com a News Corporation, um dos maiores conglomerados da área no mundo, para fundir a Sky e a DirectTV numa nova operadora que vai concentrar 98% do mercado desta modalidade de televisão. Na avaliação de Romário Schettino, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, para furar este “bloqueio” é preciso investir em mídias estatais, públicas e comunitárias que garantam alternativas de informação para a população.
A complexidade ficou mais patente no encerramento do seminário quando veio à baila a difícil barreira de ampliar esta reflexão, já que a própria mídia não se dispõe a fazê-la. “A mídia não discute a mídia. Quando é que a Globo vai fazer um debate sobre TV Digital, por exemplo?”, questionou José Guilherme Castro ao representante da emissora. O deputado Luiz Eduardo Greenhalgh endossou a dúvida lembrando que qualquer tipo de reflexão é sempre encarado como “censura” aos meios de comunicação. Ao final, o Ferro mostrou o tabu e bateu à porta. “Tem gente da imprensa que veio reclamar da realização deste seminário. Mas a Câmara não vai ficar refém da mídia e felizmente este debate está instalado no País”, declarou.
Fonte: Jonas Valente/ colaborou Maurício Hashizume – Agência Carta Maior.