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Previdência absorverá mais verba do que juro da dívida pela 1ª vez

O sistema financeiro fica com a fatia mais polpuda dos recursos públicos administrados pelo governo desde o início da política de pagamento sistemático de juros da dívida, conhecida como superávit primário, no fim de 1998. De lá para cá, o orçamento federal permitiu que o “mercado” se apropriasse, em média, de 8% das riquezas nacionais produzidas a cada ano. Em 2007, no entanto, bancos, fundos de pensão, corretoras de valores e especuladores em geral vão perder o troféu de principais favorecidos pela verba pública. Pela primeira vez na era do arrocho fiscal, o orçamento separou mais dinheiro para o governo pagar pessoas beneficiadas pela Previdência Social do que os rentistas do “mercado”, o que sinaliza uma certa distribuição da renda brasileira.

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) gastará, em 2007, até R$ 177,6 bilhões com aposentadorias, pensões e benefícios diversos (auxílio-doença ou licença maternidade, por exemplo). A quantia representa 7,8% das riquezas que o orçamento prevê que a economia vai gerar este ano, o chamado produto interno bruto (PIB). Já o pagamento de juros – com dinheiro de tributos ou emprestados ao governo pelo mesmo “mercado” que ganha com juro – consumirá até R$ 165,8 bilhões, o equivalente a 7,3% do PIB.

A dimensão financeira do pagamento de juros e dos benefícios previdenciários foi definida no orçamento aprovado pelo Congresso em dezembro – o texto aguarda a assinatura do presidente Lula para virar lei. Como o orçamento impõe limites máximos de despesas mas não obriga o governo a gastar exatamente aquelas quantias, é possível até que o gasto com juros fique abaixo do previsto. Segundo a Comissão Mista de Orçamento do Congresso, a queda taxa do Banco Central (BC) e a ampliação dos prazos da dívida pública ajudam a baixar a despesa com juros.

Os dois fatores apontados pela comissão, aliás, podem fazer com que a Previdência Social ultrapasse o pagamento de juros e se aproprie de uma parcela maior de recursos públicos já em 2006. O orçamento do ano passado destinava R$ 179 bilhões a juros e R$ 155 bilhões ao INSS. Mas, até novembro, a Previdência gastara R$ 146 bilhões, enquanto o juro levara R$ 147 bilhões. Nos doze meses encerrados em novembro, os valores eram de R$ R$ 168 bilhões e R$ 157 bilhões, respectivamente.

Distribuição de renda

A Previdência vem aumentando o espaço no orçamento público e nas riquezas nacionais por duas razões básicas. A primeira é a inclusão de mais gente entre os beneficiados pelo INSS, seja pelo envelhecimento da população (mais trabalhadores se aposentam), seja pela entrada de pessoas no sistema em decorrência da expansão do emprego com carteira assinada. De 1999 a 2006, o pagamento de benefícios do INSS saltou 27%, atingindo 21,5 milhões por mês em novembro do ano passado, último dado disponível.

Outro fator importante tem sido a seqüência de reajustes reais (acima da inflação) do salário mínimo, que serve de referência para grande parte dos desembolsos da Previdência. O valor médio pago pelo INSS subiu 20% entre 1999 e 2006, atingindo R$ 582,97 mensais em novembro, o valor mais alto da história.

No caso dos juros, apesar de o gasto ser crescente desde 1999, ele foi em parte contido – ou seja, aumentou menos do que se podia imaginar – por causa da queda da taxa de juros do Banco Central, a Selic, que corrige quase metade da dívida pública. A média da Selic caiu de 25% em 1999 para 15%, em 2006.

A superação do pagamento de juros pelos benefícios previdenciários aponta para uma certa distribuição da renda nacional. O INSS ampara uma parcela mais pobre da população, como aposentados do setor rural. Atualmente, paga 21,5 milhões de benefícios mensais, atendendo quase 75 milhões de pessoas – cada pagamento favorece quem o recebe e mais 2,5 pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Já os rentistas que lucram no “mercado” somam 20 mil famílias – ou 80 mil pessoas, pois a família brasileira tem em média quatro integrantes, de acordo com o IBGE -, nas contas do economista Márcio Pochmann, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A Secretaria do Tesouro Nacional, repartição do ministério da Fazenda responsável pela gestão da dívida – e é a dívida que dá lucro aos rentistas –, não fornece informações sobre o assunto.

“Esse orçamento mostra uma distribuição de renda inédita dos detentores das maiores rendas para a parcela mais pobre da população”, diz o economista Roberto Piscitelli, da Universidade de Brasília (UnB) e ex-presidente do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal. “Caminhamos para um estado de bem-estar social, o que certamente vai incomodar os neoliberais, que já pedem uma reforma da Previdência”, completou.

De fato, a consolidação do INSS como principal gasto federal inquieta setores mais identificados com o “mercado”. Em seu tradicional almoço de fim de ano com jornalistas, no dia 19 de dezembro, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostrou preocupação. Para a entidade, sem conter gastos previdenciários, o país não vai crescer, porque o governo terá sempre de cobrar impostos altos. “A Previdência sendo o maior gasto mostra a necessidade de uma reforma”, afirmara, na ocasião, o economista-chefe da CNI, Flávio Castelo Branco.

Fonte: André Barrocal – Agência Carta Maior