Metrô de SP: dúvidas sobre contratos e parcerias
Ceci Juruá
Desde que a imprensa anunciou a licitação para a Parceria Público-Privada (PPP) da Linha 4 do Metrô de São Paulo, escrevi para o endereço indicado no site do Governo do Estado (Fale Conosco-Investimentos SP), pedindo a disponibilização do edital e do contrato no próprio site. Não fui atendida.
Em matéria de PPP’s, acredito que devemos lutar pelo maior grau possível de transparência, a fim de defender o interesse nacional e o interesse público. Por experiência e por estudos históricos, sei que contratos entre governos de países periféricos e corporações transnacionais embutem geralmente cláusulas que se revelam perversas e danosas no decorrer do contrato. Muitas vezes os técnicos do governo, mesmo aqueles que são íntegros e bem intencionados, não percebem armadilhas ali colocadas, como ocorreu algumas vezes durante o Império e ao longo da República Velha.
No tempo do Império
Por exemplo, ao reler a autobiografia de Cristiano Benedito Otoni, primeiro presidente da Estrada de Ferro D. Pedro II (rebatizada depois para E.F. Central do Brasil), deparei-me com a denúncia de que os contratos em globo, exigidos pelo Império Britânico, costumavam mais do que duplicar o custo dos bens e dos serviços fornecidos. Esta modalidade foi adotada no contrato firmado em 1855 entre o governo de D.Pedro II e o empreiteiro inglês Edward Price, para construção do primeiro trecho daquela ferrovia, entre o Campo da Aclamação (Campo de Santana) e Belém (Queimados-Japeri), no Rio de Janeiro. Relata Cristiano Otoni que o contrato com Price, firmado em Londres, triplicou o preço dos serviços feitos no Brasil!
Com alguma surpresa e desagradável perplexidade, li ontem na Folha de S. Paulo as seguintes declarações do Secretário de Transportes Metropolitanos de São Paulo, Sr. José Luiz Portella:
“A Linha 4 foi contratada num modelo de preço global, pelo qual a empresa vencedora tem mais autonomia e responsabilidade para definir as formas construtivas e para fiscalizá-la. O modelo era aprovado pelo Bird (Banco Mundial), financiador do projeto.” (Folha de S. Paulo, C4, de 14 de janeiro de 2007)
Minha dúvida é: estariam de volta ao Brasil, no século XXI, os contratos em globo adotados no século XIX, por imposição do Império Britânico?
Quem deve responder à pergunta acima não sou eu, mas os responsáveis pela formulação do contrato, o governo de São Paulo.
Dúvidas e dúvidas
Nos comentários ao artigo de minha autoria publicado por Carta Maior, alguns leitores objetaram que as obras de construção da Linha 4 não estavam sendo feitas em regime de concessão e de parceria. Será? O próprio governo refere-se às empreiteiras como “concessionárias”. E eu pergunto :
– Se a PPP da Linha 4 do Metrô de São Paulo abrange apenas os serviços de transporte metroviário (previstos para ter início em 2008) e exclui as obras de construção da linha, porque a licitação e a escolha do parceiro privado foram realizadas em 2006, tendo o serviço sido adjudicado a um consórcio liderado pela CCR Concessões Rodoviárias, uma S/A que já é concessionária de rodovias com pedágio e de cujo capital participam, entre outros, a Andrade Gutierrez Concessões S/A, a Camargo Corrêa Transporte S/A e a Serveng-Civilsan ? Aqui, mais uma vez, quem pode e quem deve responder é o governo de São Paulo.
Mas, admitindo que a concessão da Linha 4 abrange apenas a exploração comercial do serviço de transporte, nesse caso não seria melhor uma concessão comum como foi feito no Rio de Janeiro? O próprio Secretário de Planejamento do Governo Alkmin, Martus Tavares, declarou que as PPP’s aplicam-se em casos em que o projeto não permite rentabilidade suficiente ao setor privado (jornal Valor de 6 de março de 2006). Nesta Linha 4, para a qual o setor privado vai apenas comprar trens e finalizar as estações, uma concessão comum não seria mais adequada, nos termos da Lei 8.987 de 1995? A cobrança de tarifa são seria suficiente para cobrir o resgate do capital aplicado e a sua remuneração? Afinal de contas, o capital privado vai arcar com menos de 30% do custo total de implantação e operação da Linha 4, financiando tão somente a compra de trens e obras de acabamento e montagem das estações.
– Enfim, há muitas dúvidas, pontos ainda obscuros. As vezes cometo equívocos, é verdade. No artigo anterior, publicado na página da Carta Maior, houve um erro – o contrato previsto para a Linha 4 é de concessão patrocinada (em lugar de concessão administrativa, como escrevi). O patrocínio consiste, nesse caso, na cobertura do risco de demanda pelo Governo. Há previsão de uma demanda mínima que, não sendo realizada, dá margem a uma transferência financeira do Governo para o parceiro privado, segundo os termos contratuais firmados. Não há contrato padrão, cada caso é um caso! É por isto que precisamos ter acesso a todos e a cada um dos contratos. E é aí que está o pulo do gato, quando há gatos evidentemente!
Entre tantas dúvidas, guardo uma convicção: nós, os brasileiros, precisamos ter acesso a todos os documentos e contratos que os governos central e regionais firmam em nosso nome e às nossas custas. Esta é uma forma de colaborar ativamente com nossos governos e de participar democraticamente da gestão do país. Além do mais, é um direito nosso!
Ceci Juruá, economista e pesquisadora, integra o programa Outro Brasil, do Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
Fonte: Agência Carta Maior