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Lei penal vira “bode expiatório” da crise da segurança pública

Menos de um ano após os ataques do PCC em São Paulo, que fizeram o país parar para debater a questão da segurança pública, e em meio a mais uma crise no Rio de Janeiro, cujas vítimas agora são mortas em confrontos entre milícias paraestatais e o crime organizado, o Brasil se vê imerso em um novo debate sobre o combate à violência, desencadeado pelo brutal assassinato do menino João Hélio Fernandes há uma semana, durante um assalto na capital fluminense. A sociedade, indignada – com razão – cobrou uma resposta do Estado. E ela veio, mais uma vez, na forma de alterações na legislação que regulamenta o setor.

Nesta quarta-feira (14), a Câmara dos Deputados votará um pacote de medidas para a área. A principal delas é um projeto para a regulamentação da Lei de Crimes Hediondos. Ele prevê um aumento do tempo de internação para os condenados por crimes como estupro, homicídio qualificado e seqüestro. Em vez de ter direito ao regime semi-aberto após cumprirem um sexto da pena, como acontece hoje, o benefício só viria após um terço do tempo de internação determinado. Outro projeto, na mesma linha, fixa em 2/5 da pena o cumprimento mínimo exigido para os condenados por outros tipos de crime. São propostas que estão na Câmara há cerca de seis anos, e que agora foram aceleradas pela comoção pública.

Em meio a tal debate, houve quem quisesse colocar no pacote da Câmara projetos que tratam da redução da maioridade penal – determinada pela Constituição de 88 – que sequer passaram pelas comissões da Casa. Dos cinco acusados de ligação com o assassinato do menino João Hélio, um tem 16 anos. O presidente Arlindo Chinaglia (PT-SP) rejeitou. A tentativa da ala mais conservadora do Congresso não deu certo na Câmara, mas passou no Senado.

Também nesta quarta, a Comissão de Constituição e Justiça debateu, por iniciativa de seu presidente – o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) –, seis Propostas de Emenda Constitucional que tratam do tema. Dessas seis, quatro reduzem a maioridade penal de 18 para 16 anos, e uma reduz para 13 quando caso se trate de crimes hediondos. Uma das PECs propõe ainda que a imputabilidade penal seja determinada quando o autor do crime apresentar idade psicológica igual ou superior a 18 anos.

O senador Demóstenes Torres (PFL-GO), nomeado relator conjunto das seis emendas, já anunciou que apresentará um parecer favorável à redução da maioridade penal no caso da prática de tráfico de drogas, tortura e crimes hediondos. A votação, no entanto, não aconteceu, pois o senador Aloísio Mercadante (PT-SP) pediu vistas aos projetos. A votação ficou para o dia 28. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o Procurador Geral da República, Antonio Fernando de Souza, reafirmaram nesta terça que são contrários à redução da maioridade penal. Por acordo de líderes, a Casa deve criar uma comissão mista – que receberá o nome de João Hélio – para ouvir especialistas do setor e debater o assunto antes de qualquer votação.

Nesta terça, o Senado aprovou projeto de lei que proíbe o contingenciamento de recursos orçamentários destinados para a segurança pública. O projeto segue agora para a Câmara.

Rio de Janeiro e São Paulo

Contrariando a tentativa histórica de integração do sistema de Justiça Criminal no país, o governador do Rio, Sérgio Cabral, propôs a criação de um código penal para cada Estado da federação, que “respondesse às peculiaridades de cada região”. Para ele, um novo pacto federativo é necessário para diminuir a concentração de poder da União. Entre as idéias do governador está a possibilidade de emancipação judicial penal do adolescente infrator.

“Por esse sistema, diante da prática de um ato infracional grave por parte de um adolescente, poderia o juiz, a pedido do Ministério Público, ouvindo psicólogos e assistentes sociais, promover a emancipação penal do infrator, sempre que demonstrada a sua periculosidade e a sua capacidade de entender a gravidade dos atos por ele praticados, aplicando a ele a pena correspondente ao crime cometido”, escreveu Cabral em um artigo publicado no jornal O Globo nesta terça. As Organizações Globo, por sinal, têm usado seu poder de fogo na formação da opinião pública numa clara campanha pela redução da maioridade penal.

Em São Paulo, o governador José Serra se declarou contrário à redução, mas, ao lado dos governadores do Sudeste, deve apresentar ao Congresso, logo após o Carnaval, uma série de propostas de endurecimento no tratamento de criminosos. Nesta terça (13), em reunião do Fórum Metropolitano de Segurança Pública – que reúne prefeitos de mais de 40 municípios da Grande São Paulo –, Gilberto Kassab lançou a proposta do Fórum debater mudanças no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

“O Brasil tem que dar um exemplo. Essa é uma questão fundamental para o enfrentamento da criminalidade no Brasil”, disse o prefeito de São Paulo. “Minha sensibilidade diz que o país evoluiu, que a criminalidade que envolve alguns adolescentes acontece por falha do Estatuto. Mas não tenho opinião formada. Vou tê-la depois do debate com os outros prefeitos”, explicou Kassab.

Dentro do Fórum, não há unanimidade em relação ao tema da redução da maioridade penal. Na avaliação de Elói Pietá, prefeito de Guarulhos, há um debate amadurecido acerca de outras possíveis alterações do ECA, mas não em relação à mudança na maioridade penal.

“Procuramos não trabalhar em cima do fato mais imediato. No Fórum, acreditamos que as ações devem ser constantes e permanentes. As mudanças boas não se fazem sob o impacto de tragédias. Sob a comoção do 11 de setembro, o governo dos Estados Unidos pisou na Constituição e restringiu liberdades. O impacto emocional não é um bom mestre”, acredita. “O debate sobre a redução da maioridade penal está aceso agora, mas o que há amadurecido em termos de mudanças no ECA diz respeito a um aumento no tempo máximo de internação de um menor de 18 anos que tenha cometido crimes mais graves”, explicou Pietá à Carta Maior.

Segundo o presidente do Instituto São Paulo Contra a Violência, Eduardo Capobianco, dados da Secretaria de Segurança Pública apontam para um percentual de somente 1% de jovens com menos de 18 anos que se envolveu em homicídios.

“Podemos aprimorar a legislação, mas colocar a redução da maioridade penal como solução dos problemas é um desvio de atenção. É preciso ver como esses jovens têm participado dos crimes, seu real papel. Temos que qualificar o debate”, criticou Capobiando. “Precisamos de uma maturidade diferente da que vem sendo mostrada no debate público acerca do que aconteceu no Rio de Janeiro. A redução da maioridade penal está sendo discutida sem nenhuma base. Estamos tangiversando sobre o tema, criando um bode expiatório”, completou.

Na opinião do presidente do Instituto Sou da Paz, Denis Mizne, não há problemas em se debater o ECA; o equívoco seria iniciar o debate com posições preconcebidas.

“Podemos discutir, por exemplo, a relação entre o ato infracional e o tempo de internação. Mas tem que haver um equilíbrio entre tratar o tema como um tabu e considerar que somente 1% dos menores de 18 anos cometem homicídios. Quando se distanciam completamente informações como esta da discussão, quando o debate é pautado só pela emoção e não pela racionalidade, não avançamos. Após a barbaridade, não adianta fazer um debate pontual e discutir um pacote de medidas que não trará respostas no longo prazo. A resposta episódica nos faz atrasar e perder tempo. A sociedade relaxa, mas espera o próximo crime. É nisso que temos que nos ater para construir um país menos violento”, afirmou Mizne.

Fonte: Bia Barbosa/Agência Carta Maior.