Greve no Incra pode acabar, mas metas estão comprometidas
Depois de mais de dois meses de greve, os servidores do Incra podem voltar ao trabalho nesta segunda feira (30). A decisão deve ser tomada em assembléia da Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra (CNASI), que ocorrerá após uma reunião com o Ministério do Planejamento, marcada para o período da manhã.
Na última quinta (26), os Ministérios do Planejamento (MP) e do Desenvolvimento Agrário (MDA) propuseram aos grevistas que, no prazo de até 15 dias a contar da suspensão da greve, deverá ser construída uma “proposta remuneratória acabada e transformada em instrumento legal, a ser aprovado ainda em 2007”. Concretamente, a proposta do governo, que está sendo analisada nos estados, não atende de fato a nenhuma reivindicação do movimento grevista, reconhece o MDA, mas é um termo de compromisso de que haverá um entendimento.
Um dos principais fatores que devem pesar na decisão sobre a retomada das atividades, no entanto, é o corte dos salários que já ocorreu em junho, e que pode se estender a julho. Neste processo, denunciam os servidores, nos estados do Pará, Pernambuco e Ceará o governo acabou penalizando não apenas os grevistas, mas também funcionários que não aderiram ao movimento, aposentados e cargos comissionado, porque as superintendências regionais não disponibilizaram uma lista dos que paralisaram as atividades. Para se adiantar ao desconto dos salários em julho, a CNASI deve entrar na Justiça ainda nesta sexta com um mandado de segurança, afirma a direção da entidade.
A principal reivindicação dos servidores – que, segundo o comando de greve, é a mesma das greves de 2004, 2005 e 2006 – é a elevação do piso base (R$ 368, 81, valor abaixo do salário mínimo e um dos mais baixos do funcionalismo federal), e um plano de carreira, além da incorporação das gratificações aos vencimentos básicos e a paridade entre ativos e inativos. No aspecto mais político, os grevistas também exigem a “inclusão efetiva da Reforma Agrária na agenda do governo”, e a contratação de mais funcionários para o Incra.
De acordo com o chefe de gabinete do ministro do Desenvolvimento Agrário, Caio França, as perspectiva de acordo nesse momento são boas. “No Ministério do Planejamento, havia uma posição inicial de não abrir negociação. Foi um grande esforço do Incra chegar à proposta atual”.
Prejuízos
Na avaliação dos servidores, do MDA e dos movimentos sociais, os maiores prejudicados pela demora de uma solução consensuada nesta greve foram a reforma agrária, os acampados e os assentados. De acordo com o assessor da superintendência regional do Incra no Rio Grande do Sul, Leonardo Melgarejoa, a maior parte das ações do programa de reforma agrária está comprometida.
“Os meses de julho a setembro são na verdade o que nos sobra para preparar os convênios e contratos com os assentados, que serão executados em 2007 e parte de 2008. Perder junho já foi algo muito pesado, e talvez sem recuperação, para alguns dos INCRAs regionais. Os processos que começam a andar em agosto e setembor talvez morram na praia por falta de tempo hábil para empenho dos recursos até o final do ano”, avalia Melgarejo.
Para Marina dos Santos, dirigente nacional do MST, a situação dos acampados e assentados está cada vez pior, e o maior temor é que, em função do atraso na liberação dos créditos, a produção de alimentos fique inviabilizada. “O início do processo produtivo tem que seguir o ciclo natural da cultura. Se for perdido, o que resta é a ameaça da fome”. Segundo Marina, o investimento em qualificação dos assentamentos, apresentado como prioridade do governo pelo MDA, não apenas não se concretizou, como está havendo um retrocesso neste sentido.
Sobre as perspectivas de cumprimento das metas de reforma agrária deste ano – 100 mil famílias assentadas em todo país -, Caio França, do MDA, avalia que houve um profundo comprometimento do processo. “A obtenção de terras foi interrompida, bem como a imissão de posse, a celebração de convênios e a tomada de crédito”, lamenta.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, considerado pelo MST o estado mais problemático em termos de arrecadação de terra para a reforma agrária, no primeiro semestre de 2007 foram criados apenas dois assentamentos novos, com 84 famílias. Isto frente a uma meta anual de 1,1 mil famílias. De resto, de acordo com dados do Incra-RS, foram atendidas ainda 69 famílias em assentamentos criados em 2006, e em lotes vagos de assentamentos antigos foram realocadas outras 88 famílias.
Segundo Leonardo Melgarejo, no cálculo onde são considerados como assentados todos os indivíduos que ‘chegam’ aos assentamentos, mesmo que sejam apenas reocupações de lotes abandonados, serão contabilizadas oficialmente para a meta de 2007 mais 184 famílias, que, no entanto, “não saíram da lona este ano”. O problema nesta lógica, para Melgarejo, está no fato de que, quanto maior o número de pessoas que desistirem de seus lotes por falta de apoio, maior é o número de novas famílias cadastradas, e maior a contabilidade global da reforma agrária nacional.
Para os movimentos sociais, que estiveram em processo de mobilização pela reforma agrária desde o início da semana em função do Dia do Trabalhador Rural (25 de julho), toda a conjunção dos fatos tem demonstrado que o tema está caindo da agenda do governo. “A reforma agrária está dando lugar às transnacionais, aos transgênicos, ao agronegócio na pauta do governo. Até o momento, por exemplo, não temos um acordo fechado sobre nossas demandas de renegociação das dívidas dos agricultores familiares e assentados. Os grandes fazendeiros já receberam um abono de 15% e um prazo de 30 anos para pagar o que devem, para os pequenos não há proposta fechada”, diz Marina, do MST.
Nos processos de negociação com vários ministérios esta semana, segundo Marina dos Santos foram fechados dois acordos concretos. Com o Ministério do Desenvolvimento Social, acordou-se a garantia de cestas básicas para os acampados, e com o MDA a constituição de um grupo de trabalho para criar uma nova linha de crédito para os assentados.
Fonte: Verena Glass – Agência Carta Maior