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REUNI: A proposta da Universidade Nova – encantos, perigos e armadilhas

Madadalena Guasco Peixoto*

A proposta Universidade Nova tem alguns atrativos que diante de uma análise rápida acabam por nos encantar: fim do vestibular, formação humanística e generalista, interdisciplinaridade, bacharelado universitário de dois a três anos e após esta formação geral a possibilidade de continuidade, dando ao aluno condições de uma escolha, bem mais amadurecida, de sua carreira universitária.

Além disso, a proposta promete: alargamento dos estudos, flexibilização curricular, integração entre conteúdos, adiamento das escolhas profissionais e redução das altas taxas de evasão.

E o grande e final argumento: estará colocando o sistema universitário brasileiro no patamar das universidades estrangeiras que já estariam supostamente passando por uma ampla reforma neste sentido. (Conheça a proposta acessando o endereço: http://www.universidadenova.ufba.br

Mas este encantamento inicial se dissolve pouco a pouco e se transforma em grandes inquietações, quando pensamos e refletimos sobre a implementação de uma proposta como esta tendo como base, não uma realidade fictícia, idealizada, mas a realidade como ela é, levando-se em consideração as particularidades do sistema de educação superior público e privado no Brasil, e a realidade do sistema de Educação Básica e seus problemas reais.

Vestibular

A Universidade Nova não termina com o vestibular, apenas com a seleção de ingresso, o que representa um grande avanço, mas mantém a seleção após o ciclo inicial, tanto para as carreiras profissionais como para as licenciaturas e o pós- graduação.

A proposta da Universidade Nova divide a formação superior em três vocações básicas: a vocação da docência, a vocação para as carreiras específicas ou profissionais (arquitetura, enfermagem, direito, engenharia, medicina etc.) e a vocação para a pesquisa indicando a possibilidade de, após cursar o ciclo inicial, o aluno ir direto para os mestrados profissionalizantes ou acadêmicos e para o doutorado.

Um dos grandes problemas da educação básica no Brasil tem sido a rápida e inconsistente formação de professores licenciados, pela proposta da Universidade Nova esta formação, após a conclusão do bacharelado interdisciplinar de dois a três anos, o aluno com vocação para a docência estaria sendo selecionada para cursar uma licenciatura para uma das diferentes e áreas de conhecimento por um período de um ou dois anos. Como a formação inicial é generalista e interdisciplinar, a formação específica para o licenciado que deve necessariamente concentrar toda a formação pedagogia e a formação específica da área de conhecimento ficaria reduzida para no máximo dois anos.

Hoje pelas Diretrizes Curriculares para os cursos de licenciatura seria impossível uma formação pedagógica e específica em menos de três anos. O que representaria na prática uma formação bem mais aligeirada do que já existe hoje tanto para a pedagogia como para as licenciaturas dos conteúdos da educação básica.

Bacharelados

Outro problema real destacado da proposta é que o aluno que pretende seguir uma carreira profissional, após freqüentar de dois a três anos de formação geral, que lhe conferirá um diploma de bacharel interdisciplinar em Humanidades, bacharel interdisciplinar em Artes, bacharel interdisciplinar em Tecnologias e bacharel interdisciplinar em Ciências, terá que após a seleção interna, cursar mais quatro, cinco ou seis anos a depender da profissão que escolheu.

Além do que é necessário perguntar o que de fato é um bacharelado interdisciplinar em Humanidades; Artes; Tecnologias e Ciências?

Edgar Morin, um dos inspiradores dos proponentes da Universidade Nova, valendo-se de um diagnóstico das profundas modificações nas áreas dos saberes, defende a proposta de que mudanças na Universidade através de uma reforma que rearranje e reagrupe os campos de saberes provocaria mudanças no mundo do trabalho, mas será mesmo esta possibilidade viável?

Em que momentos históricos que as mudanças no mundo acadêmico e de formação proporcionaram uma influência de fundo no mundo do trabalho? Em que momentos as modificações do mundo acadêmico não tomaram como base as modificações no mundo do trabalho? Alterando significativamente suas características?

A resposta a estas questões são fundamentais, a relação educação e mundo do trabalho não se resume na relação educação e mercado de trabalho, confundir as duas coisas é um erro teórico. O desenvolvimento do mundo do trabalho coloca questões para a educação, que na medida em que reflete sobre isto pode interferir tanto nas relações de trabalho como no desenvolvimento de forças produtivas.

Portanto a questão da certificação, do diploma e da inserção profissional do aluno no mundo do trabalho, são questões fundamentais, tanto para o aluno como para a relação da educação superior de um país com o projeto de desenvolvimento deste mesmo país.

Além de ter adquirido um conhecimento importante e multidisciplinar, o que louvável e importante se for de fato uma formação sólida, o que fará o aluno depois de diplomado em Bacharel em humanidades se não conseguir pela seleção cursar uma licenciatura ou um curso profissional ou um pós-graduação?

Ciclo básico humanístico

A criação de um ciclo básico humanístico e interdisciplinar, fundamental para o desenvolvimento de uma formação generalista e crítica deveria ser pré-requisito para o amadurecimento do estudante antes de continuar o seu curso universitário que o formaria como educador, historiador, sociólogo, psicólogo, advogado, médico, mas veja, na proposta de Universidade Nova, para seguir estas carreiras ele obrigatoriamente teria que fazer uma seleção, mas agora dentro da universidade, e se não tiver vagas suficientes, ou o aluno, sairá da universidade, agora com um diploma de bacharel interdisciplinar, que segundo, argumenta os defensores da proposta, o prepara para o mundo do trabalho, realmente um diagnóstico mais preciso precisa ser feito para constatar esta certeza.

A Universidade Nova pretende diminuir a evasão, hoje muito grande tanto no ensino superior publico como privado.

A evasão se dá por motivos diferenciados nas duas redes, e nada comprova que a evasão se dá pelo fato do aluno não ter amadurecido a sua opção, ou pelo fato dele abandonar a continuidade do seu curso por não estar tendo uma formação multidisciplinar.

Na rede privada o aluno abandona principalmente por dificuldades financeiras porque não consegue pagar as mensalidades e na rede pública este abandono também tem fatores financeiros, são poucos os cursos noturnos oferecidos pelas Universidades publicas e os alunos são obrigados a abandonar seus cursos para poderem trabalhar.

Na rede privada o lucro se concentra principalmente nos primeiros anos, os empresários do setor sabedores disto, buscam a todo custo propostas de encurtamento da formação universitária, procurando cursos de um a dois anos, como foi à criação dos cursos seqüenciais e outros.

A proposta de Universidade Nova encanta os empresários da rede privada, por três motivos: 1- Como a formação inicial é generalista e multidisciplinar será mais fácil administrar a relação professor aluno, um professor de qualquer área das humanidades para um grupo muito grande de alunos, que poderão cursar ao mesmo tempo, independente do bacharelado multidisciplinar que escolheram a mesma aula de interesse geral. 2- em dois anos será conferido o diploma de Bacharel indisciplinar em humanidades, artes, etc. e se aluno “quiser” continuar terá que pagar mais quatro, cinco anos ou seis anos de mensalidades para poder ter seu diploma de psicólogo, médico, advogado etc.. 3- Este tipo de curso generalista de Bacharelado interdisciplinar tem maior facilidade de ser ministrado à distância.

É ganho garantido nas três pontas.

Educação continuada

Ser favorável e conseqüente com o princípio da educação continuada pressupõe discutir de fato a relação hoje no Brasil extremamente desigual entre as vagas administradas pelo ensino superiores público e o privado, ser conseqüente com a discussão sobre ampliação do acesso e diminuição da evasão também exige a mesma postura.

A política implementada no governo FHC de expansão da educação superior privada em detrimento da expansão e fortalecimento da educação publica, nos traz ainda em 2005, apesar de todo o esforço feito pelo governo Lula de expansão da rede pública, segundo o censo da educação superior do INEP, o seguinte dado: das 4.453.156 matrículas realizadas em cursos presenciais em 2005 (estão fora deste dado os cursos a distância que cresceram consideravelmente nos últimos anos), apenas 1.192.189 ocorreram em Instituições publicas (Federais, municipais e estaduais) o resto 3.260.967 estão na rede privada de educação superior.

Este dado inclui todos os tipos de Instituições (universidades, centros universitários, faculdades integradas e isoladas).

Enquanto tivermos esta realidade no Brasil, qualquer proposta de Universidade Nova ou com outra designação tem que partir desta realidade e saber responderem na própria proposta como diante deste fato e da total desregulamentação da educação superior privada, fortalecer, modernizar, democratizar e qualificar a nossa educação superior.

Os proponentes da Universidade Nova apesar de apresentarem este dado no corpo da proposta, ignoram-no totalmente no desenvolvimento posterior da proposta, trabalham como se no Brasil existissem apenas instituições do tipo Universitárias e Federais.

Argumentam que o PL 7200 que tramita na Câmara não é uma proposta de reforma da educação superior, uma verdadeira reforma na opinião deles, se dará pela reformulação dos conteúdos, currículos e estrutura.

Apesar de concordar em parte com este argumento, resta uma questão. O PL 7200 procura um novo marco regulatório, com exigências claras, para a educação superior brasileira, pública e privada, atacando alguns dos problemas reais do sistema todo, problemas advindos da implementação do modelo privatista de orientação neoliberal na educação superior, e estes problemas, sabemos todos, não se resolvem através de mudanças curriculares e de tipos de formação, bacharelados interdisciplinares, licenciatura, etc. Nem com um discurso da necessidade da nossa educação superior se adaptar a conformação das novas áreas de saber às reformas que estão sendo debatidas no mundo. Trocar uma proposta pela outra é há meu ver manter, pelo discurso da modernidade, o sistema privatista e suas mazelas.

A proposta será conseqüente se dar conta da realidade brasileira, que por mais que não queiramos, existe e se impõem.

Diretrizes curriculares

Por ultimo, quando a LDB termina com os currículos mínimos, o que representou um grande avanço, colocou a necessidade de construção das Diretrizes Curriculares para os Cursos de graduação, neste âmbito ocorreu disputa: por um lado a concepção neoliberal e seus representantes que buscavam diminuir o tempo de formação necessária através o rebaixamento da graduação, retirando os conteúdos de formação geral e de pesquisa, e por outro, um conjunto de agentes ligados as organizações das profissões, pesquisadores, acadêmicos, lutando para que as Diretrizes curriculares não rebaixassem a formação dos cursos de graduação no Brasil buscando relacionar o conteúdo da formação superior inicial com a educação continuada. Objetivemos nesta disputa algumas vitórias.

As Diretrizes Curriculares foram construídas por grupos de especialistas e por diversos agentes que atuam na educação superior.

As diretrizes curriculares estão ainda em fase de implementação, as reformas curriculares foram feitas pelas instituições recentemente e ainda não formou em sua grande maioria a primeira turma.

Os proponentes da Universidade Nova partem da crítica as Diretrizes Curriculares, como pretendem eles que se dê a mudança, por um decreto do executivo? Por uma deliberação do Conselho Nacional de educação, pela construção de um novo PL de Reforma da Educação superior?

Enfim, a proposta de Universidade Nova apesar de partir de uma análise do marco legal atual que institui as Diretrizes Curriculares, não responde a esta importante questão.

Devemos aprofundar o debate, sem nos iludirmos de imediato com o que parece ser encantador.

* Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee)