Fernando Lugo vence eleição e promete que Paraguai “voltará a ser grande”
O ex-general Lino Oviedo, da União Nacional de Cidadãos Éticos (Unace), chegou ao final do pleito sem entregar o voto útil a Ovelar. Oviedo atingiu 21,98% da votação. Este resultado foi anunciado pela justiça eleitoral paraguaia, às 21:45h do domingo (20), quando 92% das urnas foram apuradas.
Antes, às seis horas, quando os primeiros resultados de boca de urna indicavam a vitória de Lugo, na sede da APC a bandeira paraguaia e o nome do ex-bispo eram ovacionados. O coordenador-chefe da campanha, Miguel Angel Lopez Perito, anunciava que o país vivia “a queda da ditadura de Stroessner” (1954-1988, reeleito oito vezes), e finalmente se iniciava a verdadeira transição. Na sua fala, Lugo afirmou “que os pequenos também podem vencer”. Naquele momento, já não havia chance de uma temida fraude e a vitória estava assegurada.
Os rumores de intimidações, compra de votos e de membros das mesas de votaçao não foram suficientes para conter a participação massiva. O povo paraguaio acudiu em massa às urnas, que este ano contaram com 60% de participação. Para comemorar a vitória, o Panteón de los Héroes, em Asunción, abrigava milhares de pessoas. A maioria eram jovens cuja última grande movimentação aconteceu durante o “marzo paraguayo”, em 1999, com a morte de sete manifestantes e a queda do então presidente Raúl Cubas Grau. Ainda assim, eles nunca haviam visto outro grupo no governo do país. Carros tomaram conta de uma cidade que até a noite de sábado estava em silêncio. Um silêncio que várias pessoas chamavam de “a calmaria antes da tempestade”.
Até bem pouco o clima era incerto. Na noite de sábado (19), em uma das últimas aparições antes da votação, Lugo compareceu à missa no município de Lambare, conurbano de Assunción. Estava acompanhado de seu vice, Frederico Franco, do partido liberal. Com o foco de poucos meios de comunicação, Lugo confirmou aquilo que um segurança da campanha havia dito em conversa com o Brasil de Fato. Lugo é um homem simples, austero. Na saída da missa, um grupo tentou provocar Lugo, arrumando confusão com outros fiéis da igreja.
Ação política decisiva
O descontentamento popular foi o primeiro fator para a eleição da APC. O outro papel decisivo coube — como Lugo ressaltou em seus agradecimentos — aos comissários que fiscalizaram as eleições em cada distrito, pela Aliança Patriotica para el Cambio (APC) e pelos movimentos populares. Inferiores em número, jogando o jogo desigual das eleições, cumpriram um grande trabalho militante.
A presença de observadores internacionais também foi reconhecida como decisiva. Estiveram seguindo as eleições desde a oficialista Organização dos Estados Americanos (OEA), passando pelo Fundação Internacional para Sistemas Eleitorais (IFES), presidido pelo ex-presidente colombiano Andrés Pastrana. A presença de observadores dos movimentos sociais de vários países também foi uma prioridade dentro dos preparativos da APC para as eleições.
Para os militantes do Tekojoja, importante base de Lugo, o dia 20 de abril começou por volta das 4h da madrugada, com a divisão de carros entre os comissários dos diversos distritos de Assunção, que deveriam dar conta das inúmeras denúncias. A apreensão, naquele momento, era visível. Kátia, militante movimento, comentava a dificuldade no processo de consciência atual, sentida ao longo da campanha. “Quando fomos fazer trabalho de base, as pessoas não queriam conversa, antes perguntavam quanto iam ganhar com aquilo”, comenta.
Sabe-se que a democracia representativa é um jogo desigual em qualquer parte do globo, que responde ao marco burguês. Uma fratura que no Paraguai está ainda mais exposta. O número de votantes por mesa, em 2008, foi reduzido de 300 para 200, aumentando assim o número de mesas de votação. Resultado: aumenta conseqüentemente a dificuldade de vistoria e a margem de influência do Partido Colorado, que controla o país há 61 anos.
Membro da Comissão de advogados do Tekojoja, Ramón Sosa, alertava que o Partido Colorado, nas internas que haviam garantido a vitória da atual candidata, Blanca Ovelar, obteve uma diferença de apenas 25 mil votos, deixando suspeitas. “Existe um assistencialismo massivo, que precisa ser superado. Se três votos são eliminados de cada mesa, por exemplo, em 15 mil mesas isto significaria 45 mil votos”, compara.
A reportagem do Brasil de Fato pôde comprovar a inserção dos colorados nos bairros. Praticamente encerradas as votações, houve a denúncia no bairro de Lambaré de venda de cédulas eleitorais e pessoas ameaçadas, em uma sede do Partido Colorado. No caminho até o local, a reportagem deparou com militantes do partido, em um posto de comando, portando armas em plena rua. Na sede do partido, a prática de venda foi negada. Denúncias como esta se repetiram na voz de outros observadores internacionais.
Nesta segunda-feira (dia 21), vários matizes políticos deram o primeiro passo juntos, dentro da APC. Um tema bastante levantado é o futuro das forças que formam a aliança. Na primeira entrevista coletiva após o resultado das eleiçoes, Lugo acenou para a conciliaçao entre a classe política paraguaia, em nome de um projeto de país deixado de lado até então. “Faço um convite muito especial, a toda a classe política, a todos sem exceção: inclusive com aqueles que não compartilham destes ideais. Juntos cremos que (este país) voltará a ser grande”, expressou.
A orientação, neste momento, é estimular diálogo. “Temos que seguir sendo aliança, dialogando com todos os partidos”, afirma um militante do P-MAS. Para Guillermina Kanomikoff, secretária do Tekojoja, foi importante superar o antigo processo onde “votavam os mortos”. Agora é preciso indicar à população o seu protagonismo no governo Lugo. “Não se trata de construir por votos, mas por consensos”, comenta Guillermina.
Fonte: Pedro Carrano, enviado Especial a Assunção/Brasil de Fato