“Salve o almirante negro que tem por monumento as pedras pisadas do cais”
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou na quarta-feira (23) a anistia póstuma ao marinheiro João Cândido Felisberto, o Almirante Negro, líder da Revolta da Chibata, que eclodiu em 1910, e que pode ser considerado um dos grandes defensores dos direitos humanos no Brasil. A anistia foi proposta em 2002, pela senadora Marina Silva (PT-AC) e foi aprovada pela Câmara dos Deputados no último dia 13 de maio. A Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR) também atuou no processo pela anistia.
A Revolta da Chibata mobilizou cerca de 1.500 marinheiros na baía de Guanabara, que prometeram bombardear a cidade, até então capital do Brasil, caso os castigos físicos impostos pelo regime da Marinha não cessassem. No desfecho, o governo brasileiro se comprometeu a acabar com as punições físicas (chibatadas, regulamentadas à época), mas, mesmo assim, deteve os marinheiros e seis deles foram mortos.
"A concessão de anistia ao João Candido é um dos atos mais importantes e conseqüentes dos processos de anistia em nosso País", comemora Perly Cipriano, subsecretário de Promoção dos Direitos Humanos da SEDH. Segundo ele, a luta e o sacríficio do líder ajudaram a abolir a chibata na marinha. "O castigo colocava o Brasil numa vergonhosa situação perante o mundo", avalia Cipriano, para quem essa forma de castigo violava a dignidade humana e revivia o odioso período da escravidão: "João Cândido é um herói que merece todo o respeito pois conseguiu, com a abolição do castigo da chibata, melhorar a qualidade e o respeito da Marinha".
A anistia concedida pelo governo brasileiro foi publicada no Diário Oficial da última quinta-feira (24). O veto parcial da lei teve o objetivo de evitar excessos nos valores das indenizações, que implicariam em grande impacto orçamentário.
Biografia de João Cândido
Nascido na então Província do Rio Grande do Sul, no município de Encruzilhada do Sul, filho de ex-escravos, João Cândido apresentou-se na Escola de Aprendizes Marinheiros com uma recomendação de "atenção especial", aos cuidados do Delegado da Capitania dos Portos em Porto Alegre. Essa recomendação deveu-se à iniciativa de um velho amigo e protetor, o então capitão de fragata Alexandrino de Alencar, que o encaminhara àquela escola.
Desse modo, numa época em que a maioria dos aprendizes era recrutada pela polícia, João Cândido alistou-se com o número 40 na Marinha do Brasil (1894), aos 13 anos de idade, ingressando como grumete a 10 de dezembro de 1895, fazendo a sua primeira viagem como Aprendiz de Marinheiro. Em 1908, para acompanhar o final da construção de navios de guerra encomendados pelo governo brasileiro, João Cândido foi enviado à Inglaterra, onde tomou conhecimento do movimento realizado pelos marinheiros britânicos entre 1903 e 1906 reivindicando melhores condições de trabalho.
Em 16 de novembro de 1910, um dia após a posse do Marechal Hermes, o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes foi punido com 250 chibatadas, conforme noticiado pelos jornais da época, aplicadas na presença de toda a tripulação do Encouraçado Minas Gerais, nau capitânea da Armada.
O uso da chibata como castigo na Armada brasileira já havia sido abolido em um dos primeiros atos do regime republicano. Todavia, o castigo continuava de fato a ser aplicado, a critério dos oficiais. Num contingente de maioria negra, centenas de marujos continuavam a apanhar como no tempo do cativeiro.
No dia 22 de novembro de 1910, João Cândido deu início ao levante, assumindo o comando do Minas Gerais, pleiteando a abolição dos castigos corporais na Marinha de Guerra brasileira. Foi designado à época, pela imprensa, como "Almirante Negro". Por quatro dias, os navios de guerra Minas Gerais, São Paulo, Bahia e Deodoro apontaram os seus canhões para a Capital Federal.
Embora a rebelião tenha terminado com o compromisso do governo federal em acabar com o emprego da chibata na Marinha e de conceder anistia aos revoltosos, João Cândido e os demais implicados foram detidos. Pouco tempo depois, a eclosão de um novo levante entre os marinheiros, agora no quartel da ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, em 9 de Dezembro de 1910, foi reprimida pelas autoridades. Apesar de não haver participado deste levante, João Cândido foi expulso da Marinha, sob a acusação de ter favorecido os rebeldes.
Em Abril de 1911 foi detido no Hospital dos Alienados, como louco e indigente, de onde foi solto em 1912, absolvido das acusações juntamente com os seus companheiros. Banido da Marinha, João Cândido sofreu grandes privações, trabalhando como estivador e descarregando peixes na praça XV, no centro do Rio. O líder político da Revolta da Chibata morreu de câncer em 1969, aos 89 anos, no Hospital Getúlio Vargas, Rio de Janeiro.
A sua memória foi resgatada na década de 1970 pelos compositores João Bosco e Aldir Blanc, no samba "O mestre-sala dos mares".
(*) O título desta matéria é trecho da música "Mestre-Sala dos Mares" de João Bosco e Aldir Blanc.
Fonte: Assessoria de Comunicação de Social da SEDH/PR com Agência Brasil