Pochmann aposta no mercado interno para o País sair da crise
O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann, entende que o Brasil precisa de um pacto interno para combater a crise econômica que assola todo o mundo. Segundo ele, esse entendimento deve passar por um "grande entendimento nacional" e no aproveitamento do mercado interno para suprir a queda das exportações.
"Eu não tenho dúvida que o mercado interno brasileiro, pela vantagem que nós temos, representa uma oportunidade que poucos países possuem neste momento. Agora, é uma oportunidade, que precisa ser aproveitada", disse o economista, em entrevista ao Terra Magazine.
Leia a íntegra da entrevista:
Como avalia a queda na produção industrial em dezembro de 2008?
Em primeiro lugar, é o resultado da política monetária restritiva verificada no ano passado. A elevação dos juros em 2008 implicou seu maior efeito no ultimo trimestre do ano passado, já que há um lapso de tempo entre as decisões do Banco Central e seus impactos na vida real. De forma combinada, coincidente, nós tivemos o impacto da própria crise internacional, seja da forte contenção do crédito às empresas, seja resultante das multinacionais que tomaram decisões com efeitos nas matrizes. E por fim a desaceleração drástica do comércio externo, que impactou nas empresas exportadoras. O setor industrial denunciou mais rapidamente os efeitos no encolhimento da demanda, embora isso não seja o mesmo verificado nos setores de distribuição, se pegarmos comércio e serviços. O que ocorreu no último trimestre do ano passado não pode ser generalizado para o conjunto da atividade econômica.
Esse resultado indica uma desaceleração maior a longo prazo?
Eu diria que há um sentido recessivo nesses dados. De certa maneira, colocam em xeque as próprias respostas que estão sendo dadas e que, a nosso ver, não estão sendo suficientes para conter esse sentido recessivo. É fundamental repensar as políticas que estão sendo adotadas, porque do contrário não seremos capazes de ter um ano de crescimento positivo em 2009, ainda que menor que o ano passado.
Ainda assim, a indústria registrou, em meio ao estouro da crise, crescimento de 3,1% em 2008. Este não pode ser considerado um bom resultado?
Se a gente olha o conjunto dos 12 meses do ano passado, o desempenho de 3% comparado aos níveis internacionais não é nenhum fracasso. Em 2008 há dois momentos distintos: o que vinha ocorrendo até o mês de outubro, e o que veio a partir de outubro. Então, a preocupação nesse momento é com as medidas necessárias para que não tenhamos uma interrupção no ciclo de bons resultados econômicos e sociais que o Brasil vinha apresentando praticamente desde 2004. Se tivermos um crescimento menor neste ano, e ao que parece nós vamos ter, os resultados sociais produzidos nos anos anteriores não serão mais os mesmos. Isto pode interromper essa trajetória positiva que vínhamos observando, e para combater isso são necessárias medidas de caráter cada vez mais inovador.
O senhor mencionou a diminuição das exportações ao comentar o recuo na produção industrial em dezembro. Como o mercado interno se encaixa nessa equação? O mercado interno brasileiro já pode servir de colchão contra a crise?
Se compararmos períodos históricos próximos ao que nós vivemos agora, como a crise de 1929, a crise de 1973, não há dúvida de que a saída se deu pelo mercado interno. O Brasil soube utilizar medidas inovadoras, como a reorientação do modelo econômico em 1929, ou como foi, nos anos 1970, o plano nacional de desenvolvimento e de reforço do setor produtivo acoplado inclusive a iniciativas inovadoras como o Proálcool, que criou uma nova perspectiva da matriz energética. Eu não tenho dúvida que o mercado interno brasileiro, pela vantagem que nós temos, representa uma oportunidade que poucos países possuem neste momento. Agora, é uma oportunidade, que precisa ser aproveitada.
O anúncio da construção de casas populares pelo Governo e o aumento de verbas destinadas ao PAC são medidas suficientes?
São medidas oportunas, estão no sentido correto. À medida que enfrentamos as mazelas nacionais, com um contingente enorme de sem-tetos, não só de sem-teto, há outras mazelas que poderiam ter o enfrentamento perfeitamente ampliado aproveitando a situação de crise. Acreditamos que o momento de crise exige, na verdade, um grande entendimento nacional. Esse entendimento significaria, a nosso ver, uma repactuação do federalismo brasileiro, porque essa questão tem de ser enfrentada não só pelo Governo federal, pelos governadores e prefeitos; e, ao mesmo tempo, o entendimento com o setor produtivo, com empresários e trabalhadores. Essa oportunidade de combinar esforços de toda a sociedade é que nos dará uma singularidade para superar as barreiras que estão sendo enfrentadas hoje.
O senhor vê espaço para a redução da taxa de juros nos próximos meses?
A nosso ver, e a partir dos dados da pesquisa mensal do IBGE, seria importante que o Banco Central promovesse uma reunião extraordinária para reduzir as taxas de juros imediatamente. Defendemos uma queda de 5 a 6 pontos percentuais neste ano. O patamar de juros que temos hoje está incompatível com o sentido recessivo que o setor industrial apresenta. Seria perfeitamente aceitável uma decisão extraordinária do Copom para reduzir a taxa de juros diante dos dados que temos hoje, porque o Banco Central tomou a decisão passada.
Apesar de o Governo reconhecer a crise e anunciar medidas para combatê-la, o presidente Lula utiliza um discurso otimista, como se houvesse um desgaste menor no Brasil. Isso é eficiente?
Do ponto de vista da retórica, nós precisamos considerar, como é esperado de uma autoridade, que ele precisa olhar o país como um todo. E a crise atinge o país de forma muito heterogênea: tem setores que perdem e outros que ganham na crise. Se a indústria acusou menor atividade no último trimestre 2008, o mesmo não pode ser dito, por exemplo, no setor de comércio varejista, no setor de serviços, que não apresentou resultados tão negativos – pelo contrário. Portanto, a autoridade tem que olhar o conjunto da nação e valorizar sobretudo as suas possibilidades nesse sentido. Agora, do ponto de vista da ação interna, da ação do Governo, é importante que o debate da crise não fique circunscrito às decisões do Executivo. Em um momento como esse, que é um momento extraordinário, ele exige o envolvimento do conjunto das autoridades da República: do Legislativo, do Judiciário, dos demais poderes e entes federativos e da própria sociedade. O Governo reagiu muito rapidamente aos problemas iniciados já no final do ano passado, concedendo crédito aos setores em dificuldade, ao nosso ver é preciso ampliar isso para envolver os trabalhadores, não somente os empresários, e também realizar o pacto federativo. Isso seria um reforço da retórica que o presidente Lula vem fazendo neste momento.
Fonte: Agência DIAP