Notícia

Sebastião Salgado busca imagens de um planeta perdido

Clarissa Pont

Conheci Sebastião Salgado em 2000, quando o fotógrafo veio à Porto Alegre apresentar as fotografias da exposição Êxodos, com Lélia Wanick Salgado e um dos dois filhos. A série de 60 ampliações em preto-e-branco que já rodaram o mundo reuniam as vítimas da guerra no Afeganistão, os trabalhadores rurais sem-terra brasileiros e a população curda que vive no Norte do Iraque. Um mosaico do processo global que atinge “toda a família humana”, como dizia a apresentação da exposição na época.

Durante seis anos, Sebastião Salgado percorreu mais de 45 países para registrar o processo de reorganização populacional pelo qual passava grande parte da humanidade no final do século passado. Ainda hoje, em todo o mundo são milhões de pessoas que migram movidas pelas mais diversas e dramáticas razões: “destruição do meio ambiente, repressão política, guerras, pobreza absolta ou pressão demográfica”, enumerava a abertura da exposição.

“Em Moçambique, quando trabalhei em campos de refugiados em 1994, muitas vezes me vi cercado por crianças que me distraiam a atenção querendo aparecer nas imagens. Fiz um acordo com elas: eu as fotografaria e, em troca, elas me deixariam trabalhar em paz. Usei a mesma tática sempre que a situação se repetiu. Mais tarde, enquanto editava o trabalho, percebi que tinha um conjunto importante de fotografias de crianças mostrando dignidade em cada retrato, imagens de homens e mulheres com os quais a humanidade deve contar pra construir o novo século”, disse Salgado sobre as imagens que completaram a mostra em Porto Alegre: Retratos de crianças do Êxodos.

Sobre ele, gente como Ivan Lessa já disse que “descobriu aquilo que todos nós desconfiamos mas não temos coragem de articular: pobre, dependendo da iluminação e do ângulo, dá um dinheirão”. E gente como Eduardo Galeano que as fotografias de Salgado permitem ao mundo ver “la gran odisea de nuestro tiempo, este viaje con más náufragos que navegantes”, conforme destacou matéria do jornal La Jornada sobre os 65 anos do fotógrafo.

Para mim, ficou a impressão de um homem triste, o que só me fez respeitar mais cada uma das imagens. A sensação era de que Salgado realmente carregava nas costas o peso de cada uma das fotografias que apresentava ao público do Araújo Viana, onde ele esteve novamente em 2003, no Fórum Social Mundial e me pareceu inclusive mais leve, ao lado de Eduardo Galeano, Aleida Guevara, Hebe de Bonafini, Augusto Boal, Vito Giannotti, José Arbex e João Pedro Stédile para o lançamento do jornal Brasil de Fato. O único sorriso foi para um prato de ambrosia, sobremesa do almoço.

Sebastião Salgado completou neste domingo (8) 65 anos fiel a este missão que o acompanha desde que abandonou a economia: capturar imagens que tenham o poder de fazer visíveis os excluídos. A preservação do planeta é um dos novos temas caros às lentes de Salgado, hoje dedicado ao projeto Gênesis, no qual busca capturar imagens de recantos do Planeta Terra intocados pela destruição. “De início, pensei em fotografar as fábricas que contaminam e os depósitos de lixo. Mas, depois, decidi que a única forma de darmos um estímulo, de trazer esperança, é exibir as imagens do planeta original, para que se veja a inocência e para que entendamos o que se deve preservar”, disse.

Gênesis se estenderá até 2012, mas as primeiras imagens já foram utilizadas em exposições e podem ser conferidas na página eletrônica do britânico The Guardian, incluem fotos em branco e preto de baleias da Patagônia, da Ilha de Galápos e da Antártida. O enfoque otimista é um giro radical no trabalho de Salgado.

Formado em economia pela Universidade de São Paulo, Salgado trocou os números pela fotografia após viajar para a África levando emprestada a câmera fotográfica da companheira, Lélia Wanick Salgado, responsável pela curadoria e editoria da maioria de seus trabalhos. Outras Américas, sobre os pobres na América Latina, foi publicado em 1986. Na seqüência, publicou Sahel: O Homem em Pânico (também publicado em 1986), resultado de uma longa colaboração de quinze meses com a ONG Médicos sem Fronteiras cobrindo a seca no Norte da África.

Entre 1986 e 1992, Salgado se concentrou na documentação do trabalho manual em todo o mundo, publicada e exibida sob o nome Trabalhadores, um feito monumental que confirmou sua reputação como fotodocumentarista de primeira linha. De 1993 a 1999, foi o período em que produziu Êxodos e Retratos de Crianças do Êxodo, publicados em 2000.

“Fotógrafos vão longe. É uma profissão em que você vive pra fora, tem válvula de escape o tempo todo. Estive no México há poucos anos, foi o aniversário de 100 anos do Álvarez Bravo. O Henri Cartier-Bresson morreu com 96 anos. Lembro quando trabalhava na agência Magnum, a Eve Arnold, que tinha mais de 85 anos na época, pegava a máquina, entrava no avião e ia para a Índia fotografar. Não me vejo a muito curto prazo terminar minha carreira. Fazer projetos de oito anos como o do Gênesis já é mais complicado, mesmo porque está difícil organizar projetos assim mais longos. Possivelmente este seja meu último longo projeto. A partir daí, vou viver como todo o mundo, o dia-a-dia”, resumiu Salgado em entrevista à Terra Magazine.

Fonte: Agência Carta Maior