Denúncias de crimes de guerra atingem imagem do exército de Israel
Dois meses depois da ofensiva de Israel na Faixa de Gaza, deflagrada entre 27 de dezembro e 18 de janeiro, surgem novas denúncias sobre crimes que teriam sido cometidos contra civis palestinos – muitas delas provenientes de jornais e entidades israelenses. Nos últimos dias, o grupo de proteção dos direitos civis Human Rights Watch, o diário inglês The Guardian e o jornal israelense Haaretz publicaram matérias e divulgaram documentos sobre o tema.
Entre as denúncias publicadas pelo The Guardian figuram ataques diretos contra médicos e hospitais, que foram relatados em um documento divulgado dia 22 de março pela organização Médicos pelos Direitos Humanos. Médicos e motoristas de ambulâncias contaram ter sido alvo de disparos israelenses e denunciaram 16 mortes nestas condições, algo estritamente proibido pelas convenções de Genebra. O jornal britânico disse ter provas de ataques contra civis realizados por aviões não-tripulados. No total, a ofensiva teria matado mais de 1000 civis.
O Guardian publicou três vídeos feitos que dão força à chamada internacional para que se investigue a operação israelense contra o Hamas, em Gaza. Dentre os relatos, está o de três irmãos adolescentes da família Al-Attar, que contam terem sido utilizados como escudo humano em frente a carros de combate israelenses. Os irmãos contam também que soldados israelenses os enviaram a casas de famílias palestinas para também servirem de escudo para as primeiras balas. A utilização de escudos humanos foi declarada ilegal em 2005 pela Suprema Corte israelense após vários incidentes do tipo.
Degradação ética
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, mais da metade dos 27 hospitais e das 44 clínicas de Gaza foram bombardeadas pelos israelenses. Em relatório publicado esta semana a própria organização Médicos pelos Direitos Humanos de Israel denuncia as violações. "Observamos uma forte degradação ética por parte das Forças de Defesa Israelenses no que se refere ao tratamento da população civil de Gaza, que equivale de fato a um total desprezo pelas vidas dos palestinos", critica a organização.
O Canal 10 da televisão israelense divulgou um documentário com imagens de uma reunião militar, no qual o comandante exigiria “agressividade” aos seus homens. “Se estiver alguém suspeito no andar de cima de uma casa temos de bombardear. Se tivermos uma casa suspeita, temos de botar abaixo”, ordenou o oficial.
As imagens alimentam a polêmica que o Haaretz começou ao divulgar testemunhos de soldados que admitem terem matado civis em Gaza e destruído casas, no cumprimento de ordens. Logo em seguida, a Breaking the Silence, organização de antigos militares, contou ao Guardian ter conseguido o testemunho de 15 soldados que confirmaram as denúncias de mortes indiscriminadas e de vandalismo pelas forças israelenses. “Não estamos falando de algumas unidades que foram mais agressivas do que outras, mas denunciando uma política. De tal forma que os soldados nos disseram que tiveram de refrear as ordens que receberam”, disse um dos ativistas do grupo ao Guardian.
"Um tiro, duas mortes"
O jornalista Uri Blau, do Haaretz, relatou outras práticas habituais entre militares, como a fabricação de camisetas. As encomendas que chegaram nos últimos meses às lojas de estampagem retratam uma violência sem precedentes. Uma camiseta encomendada mostra uma mulher grávida na mira e em baixo os dizeres: “Um tiro, duas mortes”.
Por meio de um porta-voz, o exército de Israel disse desconhecer as denúncias. Também afirmou que a credibilidade das informações será verificada e, se for o caso, será aberta uma investigação. Grupos israelenses de defesa dos direitos humanos pediram uma apuração independente sobre os supostos crimes de guerra. Várias organizações afirmaram em comunicado que a decisão do governo de investigar a morte de civis palestinos não garante a isenção necessária para a tarefa.
O relator das Nações Unidas para os Territórios Palestinos, Richard Falk, também declarou que há indícios de que os israelenses cometeram abusos na ofensiva. Segundo Falk, se não é possível distinguir os alvos militares e os civis, “então lançar os ataques é inerentemente ilegal e poderia constituir um crime de guerra da maior magnitude sob a legislação internacional”. Para Falk, outro agravante é o fato de que a fronteira de Gaza ficou fechada, de forma que “os civis não podiam escapar dos locais atacados”.
As bombas de fósforo branco
Em outra matéria publicada dia 25 de março, o Guardian diz que Israel “atirou bombas de fósforo branco sobre áreas lotadas de Gaza repetidas e indiscriminadas vezes em três semanas, matando e ferindo civis e cometendo crime de guerra”. A matéria também cita o relatório de 71 páginas do Human Rights Watch onde o grupo diz que a repetida utilização de bombas de fósforo branco como artilharia em zonas povoadas de Gaza não foi fortuita ou acidental, “mas revelou um padrão, ou uma política de conduta”. O relatório afirma que os militares israelenses estavam conscientes dos perigos do fósforo branco, não quiseram usar alternativas menos perigosas e, em um dos casos, Israel ignorou repetidas advertências das Nações Unidas sobre o assunto.
"Em Gaza, os militares israelenses não utilizaram apenas fósforo branco em áreas abertas como proteção para suas tropas", afirmou Fred Abrahams, investigador do Human Rights Watch. "Dispararam fósforo branco repetidamente ao longo de áreas densamente povoadas, mesmo quando as suas tropas não estavam na área e bombas mais seguras estavam disponíveis. Como resultado, civis sofreram e morreram desnecessariamente".
Após a publicação do relatório, o Human Rights Watch convocou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, a lançar uma comissão internacional de inquérito para investigar as violações do direito internacional na Guerra de Gaza pelas forças militares israelenses e do Hamas. Israel defende sua conduta em Gaza e diz que seus soldados não atingiram intencionalmente alvos civis. Ainda segundo o Guardian, quando o uso de fósforo branco por Israel surgiu durante a guerra, os militares primeiro negaram que estariam usando a arma, então disseram que só utilizaram as armas em conformidade com o direito internacional. Mais tarde, anunciaram que um inquérito interno seria realizado.
O jornal britânico também afirma ter encontrado, em janeiro, uma cápsula de fósforo branco ainda queimando vários dias após ter sido despejada, fora da casa da família Abu Halima, em Atatra. Uma bomba de fósforo branco atingiu diretamente a casa, matando o pai e quatro dos filhos da família. A esposa ficou gravemente queimada. O mesmo caso foi relatado pelo Human Rights Watch. As novas denúncias estão produzindo um significativo abalo na imagem do exército de Israel, inclusive dentro do próprio país.
Por Clarissa Pont
Agência Carta Maior