Aposentadoria por tempo de serviço: Um novo round para o fator previdenciário
A pedra no sapato do trabalhador é a tábua de salvação do governo. No centro da polêmica, o fator previdenciário, que reduz o valor do benefício para quem está apto a pedir a aposentadoria, mas é considerado jovem demais para pendurar as chuteiras. Pela regra atual, o benefício é calculado com base no tempo de contribuição, a idade do segurado e a expectativa de vida. Na prática, o governo federal quer evitar que as pessoas saiam da ativa cedo e, com isso, dependam por muito tempo do valor pago pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).
É aí que está a grita dos trabalhadores: quanto maior o tempo de sobrevida, menos o aposentado recebe. Um empregado com 35 anos de contribuição e 51 anos de idade, por exemplo, atende aos critérios para entrar com o pedido. No entanto, receberá um valor 38% inferior pela incidência do fator previdenciário. O salário integral só seria possível se esse homem trabalhasse até os 63 anos de idade.
Para se ter uma ideia do impacto dessa variável na fórmula, houve uma redução de 0,5% no valor dos benefícios solicitados a partir do final de 2007, quando foi registrado o aumento da expectativa de vida – atualizada com base na média projetada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) -, que atualmente está em 71 anos.
Justamente por isso a aplicação do fator previdenciário é obrigatória nos casos de aposentadorias por tempo de contribuição. Ele incide sobre a média aritmética dos 80% das maiores salários de contribuição (corrigidos monetariamente) referentes ao período de julho de 1994 até o mês da aposentadoria, conforme a norma definida em 1998 na reforma da Previdência.
O peso do fator previdenciário ficou maior com o passar dos anos – graças ao aumento da expectativa de vida -, o que tem dificultado o propósito do próprio governo de estimular a aposentadoria tardia. Só que a extinção de uma fórmula que impeça a aposentadoria precoce é completamente descartada pela União.
O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que vetará o projeto de lei 3299/08, de autoria do senador Paulo Paim, que elimina de vez o fator previdenciário, caso a matéria seja aprovada na Câmara dos Deputados – o sinal verde já foi dado pelo Senado Federal.
Em meio à queda de braço, surge uma alternativa que pode representar o meio termo. Trata-se do substitutivo que tenta suavizar o impacto da atual fórmula de cálculo da aposentadoria, apresentada pelo relator do projeto 3299/08, deputado federal Pepe Vargas (PT-RS). Chamada de fator 95/85, a proposta não extingue o fator previdenciário, mas cria um novo cálculo. A aposentadoria é integral quando a soma da idade com o tempo de contribuição resultar em 85 para as mulheres ou 95 para os homens, sendo que o tempo mínimo de contribuição é de 30 e 35 anos, respectivamente. Por exemplo, um trabalhador com 60 anos de idade e 35 de contribuição previdenciária soma os 95 necessários para a totalidade do benefício. Uma mulher com 55 anos de idade e 30 anos de contribuição também atingiria o fator 85.
A meta é evitar o embate com o governo, mas está longe de conquistar unanimidade. As centrais sindicais e entidades que representam os trabalhadores são contra e batem pé pela manutenção do projeto de Paim. Querem a extinção do cálculo e argumentam que a regra atual é perversa pela redução que representa no benefício de quem contribuiu pelo tempo necessário e tem a idade mínima requerida para entrar com o pedido de aposentadoria.
Entenda a fórmula
O fator previdenciário foi criado com a finalidade de desestimular a aposentadoria precoce, diminuindo o valor dos benefícios previdenciários, no momento de sua concessão, de maneira inversamente proporcional à idade de aposentadoria do segurado. Quanto menor a idade de aposentadoria, maior o redutor.
– Outro elemento que influi no valor do benefício é a expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria. Anualmente o IBGE pesquisa a expectativa de vida do brasileiro, que tem aumentado nos últimos anos. Isto interfere no fator previdenciário, reduzindo ainda mais o benefício sempre que a expectativa de vida cresce.
– O terceiro elemento que interfere no fator previdenciário é o tempo de contribuição. Quanto maior o tempo de contribuição ao INSS, menor o redutor aplicado. O segurado precisa contribuir durante pelo menos 30 anos, se mulher, ou 35 anos, se homem.
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Os benefícios do INSS são calculados pela fórmula
SB = M x f
SB = salário de benefício;
M = média de 80% dos maiores salários de contribuição ao INSS de toda vida laboral desde a regra de transição, de julho de 1994, corrigidos monetariamente;
f = fator previdenciário.
– Salário de benefício é o valor básico a ser utilizado para o cálculo da renda mensal a ser paga pelo INSS;
– Salário de contribuição é o valor sobre o qual incide a contribuição mensal do segurado para o INSS.
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Como calcular a aposentadoria por tempo de contribuição
– Exemplo de um segurado nas seguintes condições:
35 anos de contribuição
55 anos de idade
Es (expectativa de vida)= 24,8 anos
– Média de 80% dos maiores salários de contribuição: R$ 1.800,00
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Cálculo do fator previdenciário
F = Tc x a x [1 + (Id + Tc x a)]
Es 100
F = 35 x 0,31/ 24,8 x [ 1+ ( 55 + 35 x 0,31)/100]
F = 0,726
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Valor do salário de benefício
SB = 1.800,00 x 0,726 = R$ 1.306,80
*Fonte: Portanova advogados
Fórmula 95/85 ainda está em construção
O relatório do substitutivo que apresenta a fórmula 95/85 como alternativa à extinção do fator previdenciário ainda não foi concluído. O autor da proposta, deputado federal Pepe Vargas (PT-RS), diz que há espaço para algumas alterações, mas admite que seu objetivo é apresentar a redação final ainda neste mês. Os argumentos para a aprovação incluem simulações de cálculos de benefícios com a regra atual e com a aplicação do fator 95/85. Uma mulher que se aposenta agora, com 55 anos de idade e 31 de contribuição, sofrerá uma redução de 25% no valor recebido. Se o fator 95/85 fosse aplicado para o mesmo exemplo, a soma dos fatores superaria os 85 necessários para ter direito ao pagamento integral. A expectativa é de que a matéria vá à votação o mais rapidamente possível, uma vez que o projeto tramita em regime de urgência.
O que mais impede a aprovação da proposta do senador é a eliminação total de um regulador que acabe com aposentadorias precoces via extinção da regra das 80% maiores contribuições. Pelo projeto de Paim, a aposentadoria passa a ser calculada levando em conta apenas a média das 36 últimas contribuições. "Na prática, as pessoas ficarão contribuindo o máximo de tempo pelo piso mínimo e deixarão para se aposentar pelo teto. Mesmo que o objetivo do senador não fosse esse, o problema existe e vai quebrar o caixa da Previdência", alega Vargas.
Embora o senador Paulo Paim, por coerência, defenda seu projeto original, o fato é que o canal de comunicação é direto entre ele e o relator, deputado Pepe Vargas. E é justamente aí que entra a possibilidade de algumas mudanças na fórmula 95/85. Como o governo já anunciou o veto presidencial ao seu projeto de lei, o senador quer avançar no substitutivo com Pepe Vargas para que a redação se aproxime ao máximo do projeto original e não seja vetada no Executivo. O que o senador não quer, de jeito algum, é que a matéria fique para ser apreciada somente em 2010.
Entre as possibilidades de mudança no substitutivo, Paim destaca a adoção do fator 90/80 – cujo cálculo obedeceria aos mesmos princípios do 95/85 – com aplicação da regra em cima das 60% maiores contribuições. "Esta equação ficaria praticamente igual ao projeto original", destaca Paim. Outro item em análise diz respeito à retroatividade da medida, caso aprovada. Mas tudo será muito bem pesado e avaliado para que se consiga chegar a um senso comum. Na prática, os ajustes deverão ocorrer de forma que obtenham o aval do governo e acabem, de uma vez por todas, com o fator previdenciário.
"Queremos aproximar a redação do substitutivo o máximo possível do projeto original." Paulo Paim, senador (PT-RS)
"A proposta continua em negociação. A meta é apresentar o relatório aida neste mês e evitar que fique para 2010." Pepe Vargas, deputado federal (PT-RS)
Centrais sindicais defendem o projeto original
Nem mesmo as audiências públicas na Câmara dos Deputados foram suficientes para convencer os sindicalistas das vantagens do fator 95/85. Se há uma unanimidade entre todas as representações dos trabalhadores, essa é o apoio total ao projeto 3299/08, do senador Paulo Paim (PT-RS). Por isso, as principais entidades, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical, estão dispostas a trabalharem juntas em defesa da extinção do fator previdenciário.
A Força Sindical alega que o substitutivo do deputado federal Pepe Vargas (PT-RS) tira do trabalhador qualquer expectativa de se aposentar por tempo de serviço. "A proposta joga no mercado pessoas que podiam estar aposentadas e ocupam vagas que podiam ser liberadas para os jovens que estão ingressando na vida profissional", critica o presidente da Força Sindical no Rio Grande do Sul, Cláudio Janta.
Mais do que isso: a alta rotatividade no mercado de trabalho será mais um agravante para que o trabalhador consiga chegar ao somatório exigido pela fórmula 95/85. "É preciso levar em conta essa realidade", adverte o presidente da CUT no Rio Grande do Sul (CUT-RS), Celso Woyciechowski.
A CUT-RS classifica como precipitada a proposta de Vargas e considera fundamental que, em primeiro lugar, seja derrubado o fator previdenciário. "Qualquer outra proposta vai seguir prejudicando os trabalhadores", reforça Janta. Os trabalhadores reclamam ainda da falta de critérios para o reajuste dos benefícios. Para os sindicalistas, não adianta acabar com o fator previdenciários se não houver a recuperação das perdas para os salários dos aposentados.
Desaposentaria ganha espaço entre ações judiciais
O fator previdenciário tem levado cada vez mais trabalhadores a seguirem na ativa mesmo cumprindo os requisitos básicos para pedir a aposentadoria na expectativa de conseguir um benefício melhor. Outros preferem buscar o direito junto à Previdência Social e complementar o rendimento com a permanência no emprego e, com isso, continuam a contribuir. É aí que entra a chamada desaposentadoria ou desaposentação.
Quem se encontra nessa situação tem buscado a Justiça para tentar, ao menos, aumentar o que recebe da Previdência. Ou seja: faz um novo cálculo incluindo as parcelas que recolheu a mais ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). Nem sempre o negócio é vantajoso. Por isso, é preciso colocar tudo na ponta do lápis.
Mas, atenção. Não se trata de uma possibilidade de anular a aposentaria e voltar ao mercado de trabalho para requerer um novo benefício. "Estamos falando da incorporação dessas parcelas de forma a ter uma repercussão maior no salário do aposentado", esclarece a advogada Gisele Borges Fortes, que obteve sentença favorável nessa área.
O argumento usado junto aos tribunais é de que, como tributo, a contribuição feita à Previdência Social exige uma contrapartida. No caso de quem já se aposentou e segue contribuindo, o valor não ganha um novo benefício nem tem a quantia devolvida pelo governo.
Portanto, a forma de reaver esses valores pode ser via recálculo do benefício. As ações têm sido favoráveis em muitos casos, mas há magistrados que consideram que, para receber com base no novo cálculo, o segurado tem que devolver tudo que recebeu até aquele momento.
Especialista diz que o pior é continuar como está
O fator previdenciário aumentou seu peso no bolso do trabalhador. Hoje, atua como um redutor no valor da aposentadoria, principalmente em função da variável expectativa de vida. Isso porque, de 2003 para cá, houve uma mudança significativa no censo do IBGE, responsável por apresentar a média de sobrevida populacional. "Houve um abismo no cálculo da aposentadoria a partir daquele ano", diz o advogado especialista em direito previdenciário, Daisson Portavona.
Para ele, a projeto do senador Paulo Paim não tem qualquer chance real de ser aprovado pelo governo. A saída, acredita, é o substitutivo de Pepe Vargas com a fórmula 95/85. "O fator previdenciário ficou desproporcional e a situação é insustentável. Pior é manter como está." Portanova diz que é hora de investir em uma alternativa que tenha a aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Não adianta radicalizar. A hora é de manter a linha da negociação." Para ele, a alternativa de Vargas busca um possível benefício integral, mais próximo da realidade brasileira e dos trabalhadores, embora considere que ainda há muito a ser aprimorado. "Há situações concretas que devem ser observadas", adverte e cita um fato comum, que é o das reclamatórias trabalhistas, cujos reflexos só se dão nos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação. Para ele, seria necessário repensar o período contributivo médio desde 1994 e fixar o prazo no máximo em 60 meses. Ele defende a retroatividade da norma e lamenta a pouca participação do empresariado no debate.
Fonte Jornal do Comércio
Colunistas
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