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MEC e o CNE deram o tiro de misericórdia na escola pública de ensino médio.

Capitaneado por Fernando Haddad, o MEC e o CNE deram o tiro de misericórdia na escola pública de ensino médio. Tudo ia mal nessa escola, e ela estava agonizando. Pode-se ficar calmo agora, ela não vai mais sofrer. Virá o descanso eterno.

Essa escola foi o nosso orgulho no passado. Éramos um Brasil que iria ter futuro, quando olhávamos tal escola. Seus professores eram tão ou mais importantes que os das faculdades. Cada disciplina dava condição de se aprender realmente o que iria ser requisitado no início da faculdade. Isso foi assim, e só faz vinte ou trinta anos. Tornada profissionalizante pela LDBN de 1971 e, depois, conduzida a uma descaracterização total ao final do Regime Militar, ela nunca mais se recuperou. Oi to anos de governo FHC e, então, mais oito anos com Lula, e ela só piorou. Finalmente encontrou-se a solução, típica de veterinário ruim: sacrificá-la.

Agora sim, realmente dá para entender o que o ministro Fernando Haddad queria dizer quando ligou para minha casa, querendo se desculpar pela sua articulação com os grupos empresariais – nitidamente conservadores – do movimento “Todos pela Educação”. Também agora consigo ver, claramente, a razão do Jarbas Passarinho dizer publicamente que “ah, gosto daquele moço”.

É que Fernando Haddad tinha uma tendência de falar de socialismo e posar de esquerda, mas sua prática política é a da direita. Se não é no todo, é nas partes principais. No caso da medida sobre a escola média, o ato é visivelmente reacionário.

Segundo as novas regras a escola média poderá optar por estudos interdisciplinares. Ela poderá diluir as disciplinas tradicionais em “eixos temáticos”. Além disso, os
estudos poderão ser organizados pelo aluno. Há mais novidades, mas nem vale a pena citar – é tudo muito triste.

As consequências disso, nós já sabemos. O pessoal do MEC e adjacências leu demais Edgar Morin, mas não entendeu. Acreditou que interdisciplinaridade é coisa simples. Na prática, o que ocorrerá será o seguinte: a escola particular terá condições de se flexibilizar e, funcionando por eixos, terá a chance de contratar professores menos especializados e, até mesmo, um professor para diversos assuntos. Economizará com isso, principalmente em direitos trabalhistas. Ao mesmo tempo, tendo que colocar os alunos nas faculdades, voltará a fortalecer o sistema integrado com o cursinho, como já se fazia. Assim, o MEC dá um presentão para os donos de escolas. É a festa do empresariado do ensino médio, e nós pagamos a conta.

As escolas públicas, sempre sem dinheiro, perdidas nas pe riferias e ao sabor da violência e do descaso, virarão logo uma bagunça. O aluno que, enfim, não sabe escolher matérias na faculdade, agora, dois ou três anos mais jovem, vai ele próprio organizar seus estudos. E vai fazer isso sozinho. Pois sabemos que os professores do ensino médio se formaram em licenciaturas específicas, não vão se arriscar em se responsabilizar pelos tais eixos temáticos. Aliás, só os que não sabem o que não sabem, os mal formados, irão dizer para o diretor “deixa comigo”. Caso a escola enverede por isso, por força de lei, haverá a desresponsabilização geral dos melhores professores em relação ao ensino.

Eis o professor da escola média, como ele fica: roubaram seus salários, seu prestígio, sua cátedra e, agora, tiraram dele seu último trunfo: o diploma.
Na prática, deslegitimaram seu diploma. Sua formação de químico, físico, filósofo etc. não serve mais para nada. Os eixos temáticos serão um a forma de desqualificá-lo de vez. O presente para os donos de escolas é, então, para os professores e diretores do sistema público de ensino, um tiro nas costas.

O PT, o MEC e Fernando Haddad deveriam se envergonhar disso. Um partido que um dia teve como deputado Florestan Fernandes, um intelectual que deu total privilégio às especializações na formação da licenciatura, pois é delas que nasce, bem mais tarde, a multidisciplinaridade, é agora derrotado pelo seu próprio partido. Que partido? Este PT aí, vendido que está aos setores empresariais. Nem mesmo Paulo Freire, que era próximo de métodos escolanovistas, iria aprovar algo assim. Lembro-me bem de Paulo Freire, quando fui seu aluno, de como ele insistia nas linhas disciplinares, para que delas se pudesse ter o campo cultural mais complexo. Aliás, nesse ponto, ele convergia com Florestan, quando o assunto era educação formal.

O PT desse tempo acabou. Esse novo PT de Fernando Haddad em nada tem de progressista. Em educação, então, atua em consonância com uma política que faz tudo, hoje, para colocar ladeira abaixo as vitórias que tivemos nas lutas em favor da escola pública de ensino médio. Nunca vi traição tão grande. Uma traição preparada. Nunca vi uma venda da alma dessa maneira.

Mas, aconteceu.

Minha única vingança contra esses abutres: novo capítulo para novos livros em filosofia e história da educação, dando nome aos responsáveis e culpados por esse tiro fatal na escola média pública, por essa falcatrua. Podem fazer o mal feito, corvos, mas, pela história, ficarão gravados como os que solaparam nosso ensino estatal.

Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo