Seminário da Assufrgs debate o Assédio Moral e suas consequências para o trabalhador
Iniciou na quarta-feira (20) pela manhã o I Encontro sobre Assédio Moral, na faculdade de Odontologia da UFRGS. Quinta-feira (21) a atividade organizada pela Coordenação de Saúde e Segurança do Trabalhador prossegue com o III Encontro de Saúde da Assufrgs.
I Encontro Regional de Assédio Moral
Local: Auditório da Faculdade de Odontologia da UFRGS
Rua Ramiro Barcelos, 2492 – Porto Alegre
Quarta-feira 20/10/2010
Assédio Moral destrói com a identidade das pessoas
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Após a abertura do evento, a primeira palestra da manhã contou com a participação do médico e professor da Faculdade de Medicina e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Ufrgs, Álvaro Merlo, que caracterizou o que é Assédio Moral e como ele se manifesta.
Álvaro relatou que o tema é novo, que nos últimos 20 anos tem crescido os diagnósticos de doenças psíquicas no trabalho e que anteriormente as doenças ocupacionais eram decorrentes de riscos físicos (somáticos). As manifestações resultantes do processo de Assédio Moral vão desde depressão até tentativas de suicídio, no próprio local de trabalho. “As pessoas chegam a deixar cartas explicando que as condições de trabalho a levaram a tomar aquela atitude”, relatou, mas esclareceu que não é o caso da Ufrgs, no entanto é preciso estar atento.
Para ele os problemas de Assédio Moral são semelhantes a um iceberg, quando acontece está na parte visível. “Na minha avaliação temos que descobrir formas de intervir na parte que está embaixo da água”, alertou. Apesar da sua preocupação em atuar preventivamente, destacou que ainda não existem saídas, que é preciso pensar junto e tentar construir caminhos.
Para Merlo o trabalho é responsável em dizer o que às pessoas são e esta identidade é reconstruída cotidianamente. “O ambiente de trabalho é onde há o reconhecimento e se isto não ocorre, a pessoa se sente frustrada, o trabalho começa a negar a sua existência e a partir disto surgem os problemas de saúde mental”, explicou.
Ele chamou atenção para o caso dos terceirizados. “Nós passamos por eles e não os vemos, eles são invisíveis dentro da instituição. Tem que acabar com a terceirização porque a identidade das pessoas é a âncora para manter a sua saúde mental”.
Após discorrer sobre os diversos aspectos de como se manifesta o assédio moral e quem são os assediadores, falou do assédio interpessoal e do assédio organizacional. “Este último é legitimado pelas metas abusivas, as comparações de resultados, o estímulo à competição, as cobranças exageradas, as exposições constrangedoras e a pressão temporal”.
Merlo observou a questão da banalidade do mal. “Os agressores são pessoas que nem nós, pessoas comuns. Nem sempre as pessoas gostam ou se identificam como assediadores”. Outro aspecto são as reações dos assediados. O posicionamento do trabalhador pode ser de submissão, de evitação (fugir do assediador), rebeldia e o enfrentamento. “Neste caso tem que ser sempre via sindicato, para evitar que a pessoa se exponha. Nunca pode ser sozinho!” Alertou.
Na pesquisa realizada por Margarida Barreto em 2000, também há uma separação das reações dos assediados conforme o gênero. Por exemplo, as mulheres choram, tem tremores, diminuição da libido, enquanto os homens têm sede de vingança, ideias suicidas, passam a beber, entre vários outros sintomas relacionados.
O tema também assumiu importância porque afeta as empresas e instituições tendo como consequência a perda da produtividade, a rotatividade, o absenteísmo. Negligenciar o tema é um estímulo para o Assédio, assim como o enfrentamento, desvela, reprime e cria um sentimento de solidariedade. “O Assédio só se constitui por cumplicidade e omissão, assim como ele é forte ele também é frágil. Se alguém fala mal de um colega, que não gosta de trabalhar, que é vagabundo, etc, e outro alguém diz que não é bem assim. Esta simples colocação já desmonta e evita que isto continue e se amplie”, afirmou.
Como proposta sugeriu que é importante trabalhar este tema com as chefias, estar atento aos sinais e intervir, criar serviços dedicados a esse problema, coletar dados e socializar as informações. "Temos que fazer um diagnóstico para entender o que etá ocorrendo e tentar criar um caminho. Estamos partindo no zero.
Nos casos de quem já está sofrendo tem-se que estar de portas abertas para acolher e receber estas pessoas. Em princípio todos gostam de trabalhar e de fazer bem feito o seu trabalho", concluiu.
Aspectos Jurídicos do Assédio Moral
A segunda palestra do Encontro sobre Assédio Moral foi da advogada do Escritório Rogério Viola Coelho, Valnez Bittencourt, que abordou os aspectos jurídicos da questão. Valnez começou brincando que um trabalhador se autodenominou “Ja vali”, não no sentido animal, mas no sentido depreciativo que já não vale mais.
Ao contrário do professor Álvaro Merlo, na sua opinião o Assédio Moral no serviço público é tão forte quanto na iniciativa privada. “Os juízes por exemplo, não acham que são deuses, eles são deuses e o que vale é aquela máxima do Luiz XV: O Estado sou eu”, ironizou. Mas concorda com ele que é necessário agir de forma preventiva.
Ela citou o caso de uma funcionária do Banco do Brasil, que era gerente de uma agência do interior, que entrou com uma ação e recebeu uma indenização de R$ 700 mil. “Ela viveu o isolamento da cidade, todos viraram as costas para ela. Não tem dinheiro que pague a devastação que o Assédio Moral faz na vida da pessoa. Conheço de perto o que resta da vida de uma pessoa que sofreu Assédio”, afirmou.
Segundo Valnez a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil que está na Constituição. Nos aspectos jurídicos, ela disse que não existe uma Lei Federal, que existem leis esparsas em alguns Estados. Mesmo assim, isto não impede que se entre na Justiça.
Por exemplo, na Constituição o art. 10 trata do dano moral. No Regime Jurídico Único tem um artigo que fala das obrigações do servidor público e o dever de tratar com urbanidade as pessoas, que pode ser utilizado contra um chefe. Outro parâmetro é a CLT que no art. 472, trata das faltas graves do empregador, que também pode ser usado no serviço público.
Ela disse que existem várias coisas que caracterizam o assédio e que pode-se entrar com uma ação. “A Justiça do Trabalho está muito adiantada embora não tenha legislação. No Tribunal Regional Federal (TRF) quando não tem outro argumento, usa-se o nexo causal, onde está a prova que a pessoa está doida mesmo”, destacou. Mas o que ela fez questão de frisar é que por este motivo é preciso preparar provas. Uma das recomendações que está na cartilha sobre Assédio Moral lançada no evento, por exemplo, menciona o ato de escrever um diário dos acontecimentos, relatando os fatos, com detalhes, para utilizar como provas. Outro recurso é gravar a conversa com o assediador. “O STF e o TST consideram absolutamente legal provas feitas com gravação oculta onde o interlocutor está participando da conversa”, afirmou. Tirar fotografia do assediador fazendo algum ato que caracterize o Assédio, também serve.
Valnez esta preparando provas para uma servidora pública e informou que a universidade está cheia de casos. Relatou a situação de uma colega da Ufrgs em que a ação foi encaminhada para a Progesp e o pro-reitor disse que não existia Assédio, que as coisas não eram bem assim, que a moça era braba. “Não tem que se abaixar mesmo”, criticou Valnez. “Temos que fazer ações e preparar as provas para entrar com ações administrativas. As pessoas tem que perder o medo de denunciar e pedir providências. Temos que sentar e organizar um método de enfrentamento do problema”, concluiu.
Duas universidades são pioneiras no combate ao Assédio Moral
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Na parte da tarde, a presidente do Sindicato (Assufop), Luiza de Marillac dos Reis relatou o processo de Construção do Comitê de mediação e humanização das relações do trabalho da Universidade Federal de Ouro Preto. Após o Coordenador Jurídico e Relações de Trabalho da ASUNIRIO, Oscar da Silva Gomes abordou o processo da aprovação no Conselho Universitário de uma norma sobre assédio moral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.
A experiência da UFOP
Na época Marilac dos Reis não estava no Sindicato (Assufop) e o processo na UFOP iniciou através da discussão do tema na Comissão Interna de Supervisão de Carreira, começamos a propor a discussão através das ações de capacitação. Numa destas capacitação, o Oscar Gomes participou e Marilac disse que se surprendeu com a quantidade de pessoas no auditório: mais de 200. “Para nossa surpresa as pessoas que não precisavam daquela carga horária e até professores participaram e começaram a relatar as situações vexatórias que estavam passando, depoimentos espontâneos, professores chorando e agradecento a oportunidade de estar ali discutindo aquilo. Naquela hora tivemos a certeza que estávamos certo em perseguir este assunto”.
A partir daquele evento, ficou consagrado que a universidade não podia mais conviver com aquilo. O Reitor se sensibilizou e deu um caráter institucional e demandou que fosse criado um grupo de trabalho e a discussão deixou de ser sindical. Daí se criou com o nome de ”Comitê de mediação e humanização das relações do trabalho (Comhur)”, mas este nome não agradou o pessoal do sindicato. que queria que constasse o tema Assédio Moral. “Foi uma polêmica porque eles queriam mascarar o “Assédio Moral” com “Mecanimos para tornar as relações de trabalho mais saudáveis”, relatou Marilac.
Enfim, criado o Comitê ele é um órgão independente, sem subordinação a nenhuma instância da Universidade e formado por dois membros da Reitoria, dois da Assufop e dois da Adufop. As decisões são sempre tomadas em consenso. O comitê demanda ações para alguns setores da universidade: tem um que cuida dos aspectos legais, sociais e psicológicos, outro da saúde ocupacional, outro das ações de capacitação, no caso das chefias, ou ações de qualidade de vida e o sindicato atua na área da formação, informação e sensibilização da comunidade.
O atendimento é feito através de escuta, consulta, avaliação, negociação, acareação e resolução dos conflitos entre o assediado e assediador. “Nós não trabalhamos com a remoção de setor, pois entendemos que isto seria uma premiação do assediador. Se a pessoa sair é porque está convencida, mas antes tem que resolver o conflito. Outras formas de atuação são as campanhas desenvolvidas, o fomento as ações intra institucionais, a necessidade de intervenção em setores específicos e o atendimento a saúde bio-psicossocial" explicou.
As ações preventivas passam pelo estudo e discussão dos casos, as formas de parceria, as campanhas de valorização do local de trabalho, voltado para os chefes, sobretudo os docentes, que são mais refratários. “A ideia é que todos saibam que existe o comitê e o sucesso que as pessoas tem obtido tem propagado o conhecimento sobre o Comhur" afirmou.
Marilac relatou que todos os conflitos estão sendo resolvidos e mencionou o caso de um professor que de tanto ser chamado para conversar com o Comhur, hoje antes de fazer qualquer coisa liga para se informar se aquilo caracteriza Assédio Moral. Entre as propostas que o Comitê, que está completando um ano agora, irá se preocupar são as situações constrangedoras que os terceirizados passam. “Estamos negociando com a Reitoria para acompanhar as terceirizadas desde o processo de edital e intervir, porque eles são completamente desprotegidos. Vamos as audiências, sentamos à mesa, embora façamos este papel sem legitimidade, porque o sindicato deles não faz nada”, ressaltou.
Oscar: Um lutador e pioneiro na luta contra o Assédio Moral nas Universidades Federais
A última apresentação antes do lançamento da Cartilha e do coquetel foi do Coordenador Jurídico e Relações de Trabalho da ASUNIRIO, Oscar Gomes da Silva que relatou o processo de aprovação de uma decisão no CONSUN da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro sobre Assédio Moral.
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Oscar é um dos pioneiros desta discussão na Unirio e na Fasubra. Foi a partir desta sua convicção que muitas universidades discutem Assédio Moral hoje. Para ele Assédio Moral é uma palavra de ordem. “Não dá para deixar escondida. Tenho andado por aí e muitos dirigentes sindicais ainda não querem debater este tema e não fazem a mobilização, principalmente em Brasília”, observou.
Ele disse que foi incansável, que se tornou até um chato dentro da Universidade, pois só falava nesta questão do Assédio Moral. Além de falar com os colegas ele procurou entender do assunto e descobriu que a primeira pessoa que estudou este assunto, foi a médica do trabalho Margarida Barreto, em sua tese de doutorado.
Na sua militância, dentro da Universidade tudo que era texto ou artigo sobre o assunto ele publicava e distribuía para o pessoal no jornal da entidade, todas as edições tinha material sobre o assunto, colocava nos murais e conversava com as pessoas. De tanto ele insistir e cada vez mais compreender o assunto e ver a partir dos depoimentos dos colegas que as pessoas começaram a compreender a importância do assunto e quando ele encaminhou a proposta para o Consun, a aceitação foi unânime e sensibilizou de tal forma o Reitor, que ele aprovou aquela ordem de serviço. “O próximo passo agora é fazer com que esta ordem de serviço faça parte do regimento interno da Universidade”, explicou.
Para os presentes, Oscar deu um depoimento de vida. Ele também editou o livro Assédio Moral no Trabalho – Uma Conduta Perversa publicado pela Fasubra e distribuído para as todas os sindicatos dos trabalhadores das Universidades.
Para fazer este debate ele disse que o mais importante é dominar o assunto para poder debater com os colegas e conquistá-los para esta luta. “Quando eles percebem que você tem argumentos eles começam a acreditar que você pode ajudá-los e passam a confiar e se abrir”, explicou, concluindo sua intervenção.
Vânia e Celso distribuem as cartilhas sobre Assédio Moral para o público
Texto e fotos Luis Henrique Silveira