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“ Eu estou muito feliz com meu país”: Leci Brandão saúda o aniversário da AssufrgS e diz que adoraria tocar para a Universidade

A energia daquele público que não arredou pé lotando as dependências da banda do Saldanha no último domingo dia 09 de janeiro para esperar Leci Brandão foi uma coisa extraordinária. Precedida por três bandas, dentre elas Marquinhos Sathan, um dos fundadores do movimento carioca Samba do Trabalhador, Leci Brandão subiu ao palco às 22h para encerrar em alto estilo a festa da Banda do Saldanha que acontecia desde às 18h. No show de aproximadamente uma hora de duração não faltaram os grandes sucessos como “Cidadã Brasileira”, "Isso É Fundo de Quintal", "Só Quero Te Namorar", "Café com Pão", "Perdoa" , "Olodum Força Divina" , "Deixa pra lá”, e a emblemática “Zé do Caroço”.

Depois do fim do show, com uma generosidade imensa, a artista carioca que é paulista de coração recebeu a coordenação de imprensa da AssufrgS no hotel Master Express, onde estava hospedada, para falar um pouco dos desafios que passa a enfrentar nesse ano em que assume uma cadeira na Assembléia Legislativa de São Paulo sendo a única mulher negra da assembléia de mais de noventa deputados e para deixar sua mensagem para o povo gaúcho e em especial aos trabalhadores da UFRGS e UFCSPA.

Aniversário da AssufrgS

Na sala de espera do Hotel Master Express a grande dama do samba Leci Brandão, 66 anos de vida e quarenta de carreira, recebeu este coordenador de imprensa da AssufrgS com a humildade e a simpatia que tem marcado sua trajetória. Participou também da conversa o rapper e ativista do movimento Nação Hip Hop Agnaldo de Camargo, também conhecido como Mano Oxi, a psicóloga e militante da União da Juventude Socialista Tayara Maronesi, e o dirigente da Associação de Pós-Graduandos da UFRGS Rafael Lameira.

Informei a ela que o sindicato dos técnicos da UFRGS e da UFCSPA estava completando 60 anos no ano de 2011 e disse que seria uma honra poder contar com a presença e a arte dela na festa de aniversário. Ela ficou muito satisfeita com o convite e disse que adoraria tocar para o público universitário. “Sempre participei de eventos de sindicatos e movimentos sociais. Parabéns ao aniversário da AssufrgS. Adoraria tocar para o público universitário. É um público bastante crítico e poderia selecionar meu repertório mais politizado”, comentou. Ao perguntar se tínhamos autorização para divulgar a entrevista dela na página da AssufrgS ela sorriu e disse “sempre autorizo tudo, principalmente quando se trata dessa pequena mídia, pequena no sentido da estrutura econômica, mas não no sentido da importância, pois é essa mídia que divulga muitas vezes os anseios do povo”, ressaltou.

Música e política

Assistindo o show de Leci Brandão pude notar sua grande alegria pelo momento que o país vive ao ter eleito uma mulher presidenta. Ela mesma ingressa este ano na carreira política, ao sagrar-se deputada estadual pelo Partido Comunista do Brasil (PcdoB) de São Paulo. Perguntei a ela sobre sua expectativa em relação a esse momento.

“Sempre fui engajada. Participei de várias campanhas nacionais, como a campanha das diretas já, da campanha do Betinho contra a fome, da campanha pela demarcação das terras indígenas. Fui chamada para o Conselho da Igualdade Racial em Brasília e fiz palestras para o Ministério da Educação sobre as políticas de combate ao racismo. Já ganhei vários prêmios, inclusive em Cuba. Sempre cantei e defendi o povo. Nunca foi uma opção fácil, fiquei cinco anos fora da mídia sem gravar nenhum disco justamente pelo conteúdo social das minhas letras. As pessoas falavam o meu nome, achavam que eu tinha capacidade, daí o Netinho de Paula [cantor de pagode e vereador pelo PCdoB de SP], em uma reunião que nós tivemos na sede estadual, me disse que eu só não tive um mandato, mas sempre fui muito política e que sempre demonstrei preocupação com os problemas da sociedade brasileira menos favorecida. O meu público é o povão e depois de pensar muito, consultar meus babalorixás, resolvi aceitar esse desafio”, conta Leci, vestindo uma camiseta com a imagem de São Jorge, que nas religiões de matriz africana recebe o nome de Ogum.

“Não foi uma campanha fácil, tivemos poucos recursos, mas fomos pra rua conversar com as pessoas e tivemos uma boa receptividade, mesmo daqueles que não gostam de samba, diziam do seu voto de confiança na minha trajetória. Fiz 85 mil votos e hoje infelizmente sou a única mulher negra na Assembléia legislativa de São Paulo. Só existem dois negros entre os mais de noventa deputados. Sei que não vais ser uma tarefa fácil, pois nada será aprovado sem o voto da maioria, que é ligada ao PSDB de Geraldo Alckmin, mas vou lutar pelas bandeiras dos direitos humanos, dsa justiça social, da negritude. Precisamos estar vigilantes pela aplicação da Lei Maria da Penha [Lei que pune a violência contra a mulher]”.

A respeito da presidenta eleita, ela diz ter uma boa expectativa, e ressalta a importância histórica de uma mulher ocupar o cargo máximo da Nação. “Eu confio na Dilma, ela é uma pessoa séria. Mas é claro que a mídia é contra ela, fica ocupando espaço para falar da roupa, pra exaltar a mulher do vice-presidente como se fosse um bibelô, um objeto, é uma coisa preconceituosa, um machismo bobo de gente que só quer saber de estética”.

Eu estou muito feliz com meu país”

Na minha última pergunta a sambista pedi para ela dar uma mensagem ao povo gaucho na sua visita em Porto Alegre.

“O carinho e a receptividade do povo gaúcho é uma coisa difícil de achar. Quero saudar todos os artistas dessa terra, o movimento negro que eu sei que é combativo, todas as mulheres, desde a mais humilde trabalhadora até as que ocupam posição de destaque. Devo muito a este chão, sei que vários tijolos da construção da minha carreira eu devo ao Rio Grande do Sul. A mensagem que eu quero deixar é que estou muito feliz com o meu país. Vejo meu povo mais feliz, tendo condições de comprar mais, comprar sua geladeira, seu fogão, sua casa própria, vejo meninos e meninas negras e negros entrando nas universidades, como nunca antes na história desse país, graças ao governo desse presidente metalúrgico que o [jornal] Estado de São Paulo fica chamando de analfabeto. Confio muito no futuro, quero ver meu povo cada vez mais feliz, porque felicidade não se faz só com samba, a gente é feliz quando tem oportunidade de emprego, de namorar, de estudar, enfim, quando a gente tem dignidade. Acredito que um dia essa diferença entre os que muito tem e os que nada tem vai deixar de existir, se a gente continuar lutando. Fiquei feliz com a vitória do Tarso, espero que o Rio Grande do Sul encontre seu caminho e que esse povo maravilhoso possa ser muito feliz”.

Com essa mensagem de otimismo e carinho principalmente pelos mais humildes, encerrei a conversa com esta mulher admirável. Havíamos combinado com seu produtor que a conversa seria curta, ela não havia nem jantado ainda e já passava da meia-noite. Um momento curto e inesquecível, que merece divulgação e registro.

Texto de Igor Corrêa Pereira
Fotos: Rafael Lameira e Mano Oxi