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Golpe do Consignado atinge Aposentados

 

O empréstimo com desconto na folha de pagamento, opção mais barata para quem precisa de crédito, virou uma armadilha para aposentados e pensionais endividados. Profissionais que oferecem empréstimos nas ruas, os chamados pastinhas, estão sofisticando a forma de atuação ao aplicar um golpe condenável. Em sua maioria representantes de bancos de pequeno porte, eles agora ligam para a casa do devedor para oferecerem a troca da prestação por outra de mesmo valor e uma bolada em dinheiro na conta-corrente. Não revelam, porém, que a tramoia envolve a contratação de um novo financiamento, mais longo que o primeiro, e uma comissão polpuda, cobrada sem que a vítima perceba. Em março, problemas como esse renderam, em média, três queixas diárias ao Banco Central, totalizando 72 reclamações. Na comparação com o mesmo mês de 2010, houve um aumento de 22%.

Os números dos últimos seis meses chamam a atenção. Foram 571 casos, com destaque para dezembro de 2010, mês do 13º salário, quando 168 ocorrências (uma média de sete por dia) foram registradas no BC. Boa parte delas envolveu o crédito consignado — com desconto em folha — contratado em instituições financeiras com menos de 1 milhão de clientes. Há todo tipo de situação, como casos que envolvem documentação falsa do aposentado, ausência de documentos e da assinatura do titular do empréstimo, esclarecimentos incompletos, liquidação antecipada do débito feita incorretamente, concessão de crédito sem a presença do pensionista e restrição à portabilidade — transferência do contrato para outro banco da preferência do cliente. Os principais alvos dessa prática são os servidores públicos aposentados, especialmente em Brasília e no Rio de Janeiro, capitais que reúnem o maior número deles por concentrar também a maioria dos servidores públicos federais.

Mary Bondim de Leão, 79 anos, pensionista da Aeronáutica, foi vítima dos pastinhas. Até julho do ano passado, ela tinha um empréstimo com desconto em folha de pagamento no valor de R$ 24 mil. Desse total, R$ 4 mil estavam quitados. “Recebi uma ligação de um banco. A pessoa na linha disse que havia disponível um empréstimo com condições muito especiais para mim”, lembra, indignada. Do outro lado da linha, o vendedor do dinheiro fácil prometeu renovar o empréstimo consignado, quitar a dívida de R$ 20 mil e ainda depositar outros R$ 24 mil na conta de Mary. Por tudo, a pensionista só precisaria continuar a pagar a prestação mensal de R$ 1.486,89. Ela só não foi informada que, no fim das contas, teria que quitar também um empréstimo bem maior, de

R$ 89.213,40, por cinco anos.

Sem intervenção

Embora graves, denúncias como essa esbarram na grande dificuldade de intervenção por parte de órgãos reguladores do crédito, como o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o BC. Primeiro, não existe a possibilidade de o governo vir a tabelar tarifas. O crédito consignado foi inventado pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). O Banco Central não tem, a princípio, poder para regulamentar a situação. Mas para um técnico qualificado do governo, a farra dos pastinhas dos bancos pequenos é uma dor de cabeça crescente.

“O governo está bastante preocupado e pode acabar tendo de fazer algo. Tem operações em que o consumidor é apenas roubado. Em outras, ele recebe algum dinheiro, mas também é roubado”, explica. Foi o caso de Mary Leão, a cujo contrato, asinado em setembro de 2010, o Correio teve acesso. O valor inicial no novo empréstimo foi de R$ 45 mil, mas o pastinha levou, a título de intermediação, R$ 11,3 mil. Até 2015, a operação embutirá um total de R$ 44 mil em juros — elevando o valor total aos R$ 89,2 mil. Segundo o técnico, os pastinhas levam, na média, 20% à vista do valor do crédito concedido ao aposentado. Porém, em alguns casos, a comissão pode chegar a 40% — ou seja, de uma operação de R$ 10 mil, podem lucrar até R$ 4 mil. E o pior: o consumidor só descobre na hora de quitar as prestações do financiamento.

Pesadelo

Endividados mais bem informados dificilmente caem nesse tipo de golpe. Mas nem sempre é fácil compreender os detalhes das promessas que fazem, alertam especialistas. Muitas vezes, as propostas são acompanhadas até de atendimento personalizado. Mary só aceitou a oferta do pastinha porque ele a buscou em casa, no próprio carro, e a levou ao banco por três vezes para “resolver a documentação”. O profissional

cumpriu o prometido. Depositou o dinheiro na conta da pensionista. Contudo, quando ela e os familiares resolveram entender melhor a transação, descobriram que não houve renovação alguma do empréstimo anterior. O intermediador apenas foi ao banco e pegou um empréstimo consignado de R$ 57,5 mil — valor do contrato mais a comissão. “Aí, começou meu pesadelo”, diz a aposentada.

Na ponta do lápis, a operação ficou cara. Mary pagou R$ 11 mil por um empréstimo de R$ 24 mil. Sérgio da Luz Belsito, presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do

Banco Central (Sinal), acusa o governo de omissão em casos como esse. “O BC já começou a regulamentar os pastinhas, mas é preciso mais. Existe uma relação de promiscuidade entre esse profissional e os bancos, o que faz o consumidor sempre sair perdendo”, critica. A maioria dessas operações ocorrem por telefone ou na rua. No centro de todas as capitais é possível ver pessoas com uniformes de instituições financeiras e pranchetas e pastas nas mãos — daí o apelido de pastinha — oferecendo crédito. Os consumidores são abordados e, na maioria das vezes, assinam contratos apressadamente. Depois, não há reversão. Com o documento assinado na mão, banco nenhum retrocede.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE – 02/05/2011

Postado por Fabiano Rosa e Maribel Nunes – Coordenadores