Ministra Cristina Peduzzi fala sobre assédio sexual e assédio moral
Como podem ser identificados os assédios moral e sexual nas relações de trabalho?
Ministra Peduzzi – Todos nós sabemos que há uma dificuldade probatória maior no assédio sexual por que as pessoas que o praticam têm consciência do objetivo e por isso tomam cautela e ele é realizado entre quatro paredes. Pode se caracterizar por palavras, olhares, desde que induzam ao sexo. Então é realmente bem mais difícil, tanto que a prova do assédio sexual, eu digo, tem que ser construída de alguma forma. Ele ocorre num nível vertical, de um superior em relação a um inferior e o objetivo é ou garantir o emprego ou uma promoção ou um benefício. A vítima deve se munir de todas as cautelas, deixar alguém escutando.
A vítima pode gravar uma ligação telefônica, mas não pode fazer escuta telefônica, isso é prova ilícita (colocar dispositivo para obter cópia de uma conversa de terceiros). Mas se receber um telefonema do agressor e o gravar, isso serve como prova, não é prova ilícita. Já no assédio moral, a prova não é tão difícil de ser construída, pois ao contrário do assédio sexual, ele se constitui necessariamente de atividades continuadas, sendo que o percentual desse tipo de assédio, em sua maioria, é de mulheres. Atinge uma esfera exclusivamente moral, psíquica, e, embora seja difícil ser provado, como é uma repetição de atos praticados no ambiente de trabalho, eu diria, é muito simples qualquer colega poder comprová-lo.
Embora o assédio no trabalho seja tão antigo quanto o próprio trabalho, a partir de quando passou a ser identificado como algo destrutivo?
Ministra Peduzzi – Os primeiros estudos sobre o tema ocorrerem na década de 1980 e foram realizados pelo psicólogo alemão Heinz Leymann, quando, ao estudar na Suíça, nas grandes organizações o comportamento dos empregados, identificou esse fenômeno (a fragilidade da autoestima em relação a determinados empregados e que afetava a produtividade). Então é um instituto que não é exclusivo do campo do Direito, também tem a ver com a medicina, especialmente com a medicina do trabalho, porque ocorre no ambiente de trabalho e afeta a produtividade e a saúde psicológica do empregado, que começa a não querer trabalhar porque está sendo rejeitado. O assédio pode ser um ato concreto ou uma omissão, quando se despreza o empregado, sem lhe passar atribuições. Ele chega no local de trabalho e fica desestimulado, sentindo-se improdutivo, ignorante, porque ninguém lhe dá atribuições. Também pode ocorrer quando se passa atribuições desnecessárias e estranhas ao contratado.
Por isso é que são atos que, à primeira vista, individualmente considerados, podem não ter uma grande repercussão, mas, na soma, afetam a saúde psíquica do empregado e ele começa a ficar desmotivado e isso irá causar danos ao seu comportamento profissional amanhã e em outra área, com outro empregador. A doutrina fixou o prazo, inicialmente de seis meses, como suficiente para caracterizar o assédio moral, mas eu já vi que a jurisprudência é muito flexível em relação a isso. Pode ser um prazo até um pouco menor, mas tem que haver uma continuidade, não é um ato isolado. Pode, ainda, existir um ato sujeito à reparação, que produz dano moral e que não é assédio moral, como, por exemplo, as revistas íntimas, que não entendo ser assédio moral, embora muitos a classifiquem como tal. Hoje o Tribunal admite revistas por segurança, à exceção da revista íntima em que há invasão de intimidade.
O assédio sexual, na maioria dos casos, ocorre entre os desiguais. Por quê?
Ministra Peduzzi – Porque o assédio sexual, como tem natureza vertical descendente, sempre ocorrerá de um superior em relação a um subordinado e acontecerá num ambiente de trabalho, por ter a ver com ele e significar exatamente uma moeda de troca, por isso o constrangimento. Se acontecer com um colega de trabalho, o empregado pode não aceitar, mas se depender daquele emprego para manter a família, irá pensar duas vezes em romper o vínculo. Então o assédio sexual sempre ocorrerá entre desiguais, do ponto de vista hierárquico. Em matéria de gênero, a maioria das vítimas é de mulheres, mas pode ocorrer de uma mulher em relação a um homem ou entre pessoas do mesmo sexo. O que o tipo penal identifica é a superioridade hierárquica do agressor, que é o que justamente causa o constrangimento e identifica o assédio sexual.
O assédio pode ocorrer entre dois colegas e ainda entre subordinado e superior. Nas ações dirigidas à Justiça do Trabalho, qual é o mais comum?
Ministra Peduzzi – O mais comum é o do superior hierárquico em relação ao subordinado, até porque é ele quem tem o poder. Por que veja, o assédio sexual tem como finalidade obter vantagem, mas o objetivo no assédio moral é desestabilizar a pessoa, fragilizando e levando-a a pedir demissão, ou aderir ao PDV, ou requerer aposentadoria ou uma transferência. Então o objetivo é desestabilizar para pôr fim ao vínculo. Isso é a construção, porque ainda não existe a tipificação, mas essas foram as características que a doutrina e a jurisprudência desenvolveram. Foi muito comum o empregado que não queria aderir ao PDV e colocar fim ao contrato, sendo mais fácil desprezá-lo do que lhe dizer que havia perdido o emprego.
Ou seja, se a pessoa não é instruída, ela diz, deixa para lá, até que se canse e peça para ir embora, arrume outro emprego. Isso ocorre muito, um representante qualquer, principalmente em grandes organizações. Quando se estudou o instituto, o fenômeno, aí se estabeleceu a necessidade de haver um mecanismo de prevenção. Hoje, o que é mais estudado em relação ao assédio moral é o mecanismo de prevenção e de esclarecimento, a fim de evitá-lo, porque o artigo 932, inciso II do Código Civil é expresso – a empresa responde pelos atos de seus representantes e prepostos – o empregador também pode responder financeiramente. Pelo ilícito civil, responde a empresa, independente do nível hierárquico do empregado que praticou o assédio moral.
Existe algum dispositivo preveja punição para a prática dos assédios moral e sexual?
Ministra Peduzzi – Dependendo do caso, o empregado poderá requerer a despedida indireta, cujos consectários seriam o recebimento de todas as verbas trabalhistas decorrentes, equiparada a uma despedida imotivada. No mais, são ilícitos civis trabalhistas, aplicando-se aí o Código Civil, segundo o qual a reparação do dano moral é proporcional ao dano. Na hipótese de haver danos materiais, o Código Civil prevê a indenização, ao definir o valor do dano moral, são os lucros cessantes e os danos emergentes. O dano material é acumulável com a indenização pelo dano moral, dispondo, ainda, o artigo 950, parágrafo único do Código Civil, que se a pessoa teve um decréscimo na sua capacidade de trabalho ou teve que cessá-lo, ainda há a possibilidade de requerer pensão.
Há um panorama dos casos de assédio sexual envolvendo as mulheres?
Ministra Peduzzi – O número de casos judiciais de assédio sexual é muito pequeno. De acordo com estatística da Organização Internacional do Trabalho, em 2000, 52% das mulheres tinham sido assediadas, mas posso assegurar que hoje esse índice deve ser bem inferior. Primeiro porque é crime, depois por causa das campanhas de esclarecimento e também pela segurança que a mulher tem hoje no mercado de trabalho, por representar 50% da força de trabalho. Mas o número de casos ajuizados é bem pequeno. Aqui no Tribunal se julguei dois ou três casos nos últimos anos foram muitos, até pela dificuldade da prova. Já assédio moral, são muitos, cada dia mais.
Por que no Brasil o assédio sexual lé crime, conforme a Lei n° 10.224/2001?
Ministra Peduzzi – Porque não há necessidade, haja vista a legislação trabalhista prever especificamente no artigo 483 da CLT (elenca as faltas graves patronais) que o empregador não pode praticar qualquer ato que atente contra a honra e boa fama do empregado. Então já está tipificado no artigo 483 como ilícito trabalhista e, assim, já é um ilícito trabalhista pela própria previsão existente no referido artigo e o que se fez foi forçar realmente a redução da prática com a tipificação como crime. E reduziu mesmo. Na prática do ilícito civil quem responde pela reparação é o empregador, mas no penal é quem o praticou.
Políticas para conscientizar sobre o problema inibem a prática?
Ministra Peduzzi – Sem dúvida. Com a descoberta desses atos aparentemente inofensivos, como produtores de efeitos maléficos no ambiente de trabalho para o trabalhador nas décadas de 1980 e 1990, começou a se identificar o instituto e as primeiras ações já foram ajuizadas em 2000. Ela é um instrumento da maior importância e eficiência, por esclarecer o empregador, do pequeno ao grande e também o empregado, que, uma vez esclarecido, poderá reagir e impedir que a prática seja uma constante.
(Lourdes Cortes/RA)