ARTIGO: Os Cenários da Conjuntura de Golpe no Brasil e a Alternativa dos Trabalhadores: Parte 2
Por Rui Muniz
A conjuntura que vivemos não permite que o governo Temer nem os atuais parlamentares brasileiros tenham legitimidade para retirar direitos ou alterar a Constituição. Depois de revelado o maior escândalo de corrupção do país, que atinge o poder Executivo e o Legislativo, onde comprovadamente o discurso de conciliação de classes propagado pelo próprio petismo nos seus anos de governo é colocado em xeque, nos cabe entender como acontecerá e qual será a nova realidade brasileira após os confrontos de interesses entre os Trabalhadores e o governo golpista de Temer.
Para cumprir o desafio de desenvolver a projeção de cenários possíveis no momento que vive o Brasil, em caracterizações e aspectos que são importantes para a classe trabalhadora, a abordagem foi construída a partir de comparações com momentos históricos mais recentes no Brasil, em um método que tem a intenção de facilitar os entendimentos propostos.
Como em todo o estudo de cenários, é necessário estabelecer qual a questão central a ser estudada, que nesse caso envolve o momento que vivemos com o governo Temer. Contudo, esse “problema” a ser investigado e projetado em sua continuidade está envolto em um ambiente mundializado de relações, que não será objeto de nossa construção, mas entendendo que a conjuntura internacional afeta diretamente os comportamentos da política brasileira e de qualquer país no mundo.
Para o desenvolvimento são estabelecidos parâmetros de análise, valores e concepções na leitura da história e do momento presente, onde qualquer certeza é permeada pelas variáveis políticas submetidas à realidade, bem como a interpretação e a correção que a classe trabalhadora venha a impor à realidade concreta, subvertendo assim a ordem estabelecida pelo Estado e as interpretações aqui desenvolvidas.
Para um melhor alinhamento no tempo, os cenários são apresentados por sua relação com o tempo histórico ao qual é comparado, o que necessariamente pode não representar uma maior ou menor possibilidade de acontecimento real.
Cenário 1: Temer fica, as contrarreformas avançam e o Golpe se consolida pela superestrutura de direita: o Estado de exceção se aproxima?
Para quem traça paralelos entre as conjunturas de 1964 e de hoje, é importante que se evidencie as singularidades e as diferenças nas movimentações sociais, nos poderes de Estado e a correlação de forças entre as elites nacionais, os interesses do capital e a capacidade de enfrentamento dos trabalhadores.
No começo da década de 1960 o Brasil atravessava uma profunda agitação política provocada pelo embate entre o modelo desenvolvimentista vivido no Brasil desde a década de 50 e a necessidade de implantar o que no tempo se identificava como Reformas de Base, que pretendiam reduzir as desigualdades sociais brasileiras. Entre estas estavam as reformas bancária (para ampliar crédito aos produtores), eleitoral (ampliar o voto aos analfabetos e militares de baixa patente, controle da remessa de dinheiro para o exterior, dar canais de comunicação aos estudantes, permitir que os analfabetos votassem, maioria da população, a reforma agrária e a nacionalização das refinarias estrangeiras de petróleo, entre outras mudanças estruturais.
Naquele momento, a exemplo de hoje, a crise econômica e a instabilidade política se propagavam no país, particularmente quando foram apresentadas propostas de reformas constitucionais que aceleraram a reação das elites, o que alinhado aos interesses nacionais admitidos pelos militares, criou as condições para o golpe de 64.
Para desenvolver tal analogia, entre os momentos históricos, é necessário que se tenha concreto a compreensão sobre as condições que levaram à polarização entre projetos e as classes sociais e os riscos de rupturas das estruturas do Estado Burguês e da democracia admitida por esse Estado. O que significa ser verificado, em primeira análise, é quem propunha e provoca as reformas e a quem seriam dirigidas suas consequências, assim como as capacidades de enfrentamento e as fragilidades.
A compreensão do desequilíbrio favorável à classe trabalhadora e a tese da ruptura pela classe devem ter por verificação inicial se o confronto está favorável à classe trabalhadora e se nas condições impostas na situação é capaz de romper com a estrutura do Estado Burguês: se sim, a tese de ruptura social se confirma, e a possibilidade de golpe conservador tende a ser mais concreta.
Por parte do governo de Temer, em sua função de promover as contrarreformas buscadas pelos capitalistas, a sustentação se restringe à superestrutura ideológica e fisiológica do Estado e a recortes de uma base difusa da direita: anticomunistas, capitalistas internacionais, setores militares… Onde podem estar excluídos nesse campo os nacionalistas, não liberais, setores das forças armadas, e descontentes da burguesia nacional, pequeno burguesia do campo e da cidade, entre outros. Esse espectro de apoio difuso em seus interesses e pouco alinhado fisiologicamente termina por se sustentar nas estruturas de Estado, como Judiciário e Legislativo, corrompidos de igual forma que o poder central do gerente de Estado, Temer. Sua fragilidade é compensada pela estrutura reacionária alinhada de forma pragmática aos regramentos do Estado Burguês. A ameaça, para esses, é a quebra estrutural do Estado e a falência de projetos liberais e financistas, portanto com grande impacto para o sistema de relações econômicas e de produção.
Pela classe trabalhadora, sobressai indignação social, desemprego… E a certeza de que o golpe não terminou e que é necessário retirar Temer do Poder. As movimentações, consequência da articulação de movimentos organizados ou não, fez com que desde o impedimento da Presidenta Dilma por um golpe estrutural de Estado a classe trabalhadora vá ao enfrentamento com os poderes de Estado, que sustentam Temer, e para as ruas dizendo: Não às Contrarreformas e Fora Temer.
Os anos de 2016 e 2017 promoveram no Brasil a ascensão de classe pela ação direta dos trabalhadores em movimentações jurídicas, em interpelações políticas junto aos parlamentares e, principalmente, nas ações concretas de confronto com as políticas de governo que se protegeram nas forças polícias para a defesa dos governos golpistas que se instalaram na união, Estados e Municípios. Foram greves e movimentações que, no acúmulo de suas ações, (particularmente dezembro e novembro de 2016 e ocupa Brasília em 2017) empilha forças e cresce em disposição para a luta.
Nos cem anos após a primeira greve geral no Brasil, trabalhadoras e trabalhadores brasileiros deram exemplo de força e resistência ao paralisar, dia 28 de abril, os principais centros urbanos e setores produtivos do país em protesto contra as reformas trabalhista e da Previdência.
Nesse cenário, onde Temer se mantém e as contrarreformas avançam, pode projetar-se que às condições de acirramento do conflito de classes exacerbará em seus confrontos, seja pela consolidação do golpe com a manutenção do poder, como pelas ampliações na regressão de direitos e continuidade na entrega do Estado às empresas privadas. Dado que a quebra estrutural do Estado sofreria riscos, nessa conjuntura, há a perspectiva dogmática e legal de que a repressão aumente de forma controlada por um maior autoritarismo de Estado, que poderá sim estar sustentado por uma intervenção militar direta.
Cenário 2: Diretas Já, Temer cai e o acordo no Congresso é derrotado
Para estabelecer similaridades, embora em condições muito distantes, de ditadura à democracia burguesa, e agora de um governo conciliador a um governo antipovo, considerando também que os trabalhadores foram derrotados naquele momento histórico, vamos estabelecer por referência o Movimento das Diretas Já, de 1984.
Para melhor entendimento e breve nivelamento, o Movimento das Diretas Já foi um movimento Político Democrático, que teve uma das maiores participações populares da história do Brasil. Seu início aconteceu no ano de 1983, no governo de João Batista Figueiredo, que se apoiava na emenda do deputado Dante de Oliveira, que propunha eleições diretas para o cargo de Presidente da República em nosso país, visto a falência do governo frente as demandas sociais e políticas da classe trabalhadora.
A luta por Eleições Diretas em 1984 foi o limite onde os trabalhadores queriam romper com a ditadura que durava 20 anos no Brasil, que estava sob o Regime Militar desde 1964. Os golpistas já não tinham condições de perdurar por muito tempo pela crise política impulsionada nas lutas dos trabalhadores, por crise econômica, dívida externa em um valor exorbitante, desemprego… Naquela conjuntura de Estado de Exceção, a próxima eleição para a presidência iria acontecer em 1984, e seria realizada de modo indireto, através do Colégio Eleitoral. E para que a eleição pudesse ocorrer de forma direta, na qual o voto popular valesse, seria necessária a aprovação de emenda constitucional.
O ambiente político e as movimentações eram intensas: foram realizadas inúmeras manifestações durante esse período, a cor amarela era a o símbolo dessa campanha. Os comícios que ocorriam eram marcados pela presença de pessoas que haviam sido perseguidas pela ditadura militar, membros da classe artística, intelectuais e representantes de outros movimentos lutavam pela aprovação do projeto de lei. As lideranças estudantis como a UNE e sindicatos também reforçaram o movimento. Em janeiro de 1984, aproximadamente 300.000 pessoas se reuniram na Praça da Sé, em São Paulo. No dia 10 de abril, um milhão de cidadãos tomou conta do Rio de Janeiro e uma semana depois, cerca de 1,7 milhões de pessoas se mobilizaram novamente na Praça da Sé.
No entanto, em 25 de abril de 1984 o Congresso Nacional se reuniu para votar a emenda que Dante de Oliveira havia proposto. Mesmo após os movimentos e pressão da população, muitos deputados comprometidos em um acordão de superestrutura, tutelado pelas elites e militares, não votaram a favor e por uma diferença de apenas 22 votos e algumas abstenções o Brasil continuou com o sistema indireto para as eleições de 1985. Para dar a impressão de que seria uma disputa democrática, o governo da época permitiu que civis concorressem ao pleito e Paulo Maluf (PDS) e Tancredo Neves (PMDB) foram os indicados e Tancredo venceu a disputa. Mas antes de assumir o cargo de presidente, ele faleceu devido a uma doença e quem assumiu o cargo foi o vice, José Sarney, que tornou-se o primeiro presidente civil depois do regime da Ditadura Militar.
Na conjuntura atual, de construções que acumulam na greve geral do dia 28 apontam à radicalização, e a classe trabalhadora apresentou de forma contundente sua posição de classe e começa a acreditar na possibilidade de reverter as reformas e na queda de Temer pela convergência entre mobilizações por democracia e aquelas relacionadas a outros direitos, como trabalho, saúde, educação, habitação, entre outras.
O cenário de Eleições Diretas e a convocação de novas eleições gerais é prerrogativa para que o povo possa decidir quem serão seus representantes, no entanto fica na dependência da desconstrução de um possível acordo no Congresso, com Temer fora do poder. Nesse cenário, é pouco provável de evoluir politicamente nos ambientes do Parlamento de Estado que, sobre a justificativa da legalidade, iria justificar a necessidade de acordo parlamentar e político que teriam como função verdadeira camuflar o acordo de direita, que é um campo de disputa com pouca capacidade de intervenção dos Movimentos Sociais.
Cenário 3: Temer sai com movimento das ruas e com anuência do Congresso Nacional, as elites conciliam e congresso ratifica as eleições Indiretas
Esse cenário pode bem ser alinhado ao impedimento de Fernando Collor de Melo empossado em 1990, quando estabeleceu medidas econômicas antipovo para tentar combater um dos principais problemas da economia do país: a inflação, que na época chegava a 1700% ao ano. A principal dessas medidas foi o confisco das poupanças por um período de 18 meses, o que deixou a população completamente insatisfeita, medida essa estabelecida pelo meio autoritário de medida provisória, que não deu certo. Em 1992, rodeado por denúncias de corrupção, instala-se uma CPI no Congresso e mais tarde o processo de impedimento na Câmara de Deputados.
Em agosto de 1992 a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Secundaristas (UBES), apoiado por diversos setores da sociedade, vão às ruas em um movimento que tinha o objetivo claro: remover o presidente do poder, com passeatas que inicialmente reuniram 10 mil pessoas, depois 30 mil, até chegar à marca de 400 mil pessoas em uma passeata em São Paulo, no dia 25 de agosto. Como pano de fundo, a corrupção, a fraca sustentação política do governo, além da profunda crise econômica do país, que havia apenas piorado com as medidas controversas adotadas pelo próprio governo de Collor, que causaram insatisfação popular e uma forte oposição ao presidente no Congresso.
Collor caiu, mas por força de quem?
As elites, insatisfeitas com a política de Collor, que abria o mercado brasileiro para empresas multinacionais, segregou uma parte das elites nacionais com a outra mão, o que lhe custou uma oposição por dentro dos marcos da Institucionalidade do Estado, onde foi forjado o grande acordo que veio a forçar a saída de Collor por renúncia, em um acordo que se sustentou nos movimentos de rua e garantiu às elites a passagem segura do poder nas mão de Itamar Franco, líder do acordo de salvação nacional, para os capitalistas.
Nesse cenário, onde Temer sai com movimento das ruas e com anuência do Congresso Nacional, as elites conciliam e congresso ratifica as eleições Indiretas, pode ser o melhor ambiente para as elites, mas para a classe trabalhadora é a manutenção de um projeto excludente e antipopular de alternativa para o Estado.
Dos cenários que vimos, portanto, não há cenário favorável para os trabalhadores por dentro do Estado Burguês, em suas acomodações de poder. A Alternativa dos trabalhadores é no ambiente democrático e popular, onde os Movimentos Sociais têm sua hegemonia construída na autonomia e construção democrática de classe.
Nossa Alternativa: “Enquanto o povo não acordar, a crise só vai piorar, seja lá o governo que assumir. Porque, se não enfrentar o problema, não haverá mudança. E os governantes só vão fazer isso se houver uma grande mobilização social consciente. Não é com massa de manobra não. É preciso juntar todo mundo e enxergar o país.” Maria Lucia Fattorelli, Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida
Não às Contrarreformas, Fora Temer, Diretas Já!!!
Os Cenários da Conjuntura de Golpe no Brasil e a Alternativa dos Trabalhadores: Parte 2