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ARTIGO – Greve dos caminhoneiros e petroleiros: questões candentes nos portões da REFAP-RS

Autores:

*Gabriel Focking – IFCH

*Jerônimo Menezes – Coordenação Assufrgs

* Guilherme Rolim –  Coordenador da APG/UFRGS

No último terço do mês de maio de 2018, nosso país experimentou uma paralisação sem precedentes no setor de transporte de mercadorias. No seu início, o movimento foi cooptado pela mídia e não foi assunto relevante para a população. Contudo, tal situação sofreu rápida mudança e a partir do terceiro dia, o cenário se alterou completamente. A forte adesão dos trabalhadores do setor, associado ao apoio das empresas de transporte fez com que rapidamente os primeiros efeitos da greve começassem a ser sentidos.  A repentina crise gerada no abastecimento de combustíveis, gás de cozinha e dos produtos de primeira necessidade, associados ao alarmismo da classe média incentivado pelo sensacionalismo midiático, fez com que a greve dos caminhoneiros se tornasse o centro do debate político nacional.

As circunstâncias criadas pela greve dos caminhoneiros trouxeram para o debate popular mais do que a simples apresentação das pautas “corporativas” dos profissionais do transporte. Embora apoiada nos primeiros dias pelos empresários do setor, a paralisação nos transportes não pode ser caracterizada simplesmente como um lockout. Não podemos negar que, entre as pautas colocadas pelo movimento, existem as que são de desejo direto de transportadoras. Assim, o apoio empresarial se deu com vistas a pressionar o governo pela redução de impostos, que são políticas de interesse dos patrões. Certamente as dúvidas iniciais de setores da esquerda sobre o caráter da paralisação dos caminhoneiros já foram respondidas concretamente pelos acontecimentos recentes, mas ainda assim é importante acentuar que se em algum momento houve a tentativa de lockout do setor de transportes de mercadorias, essa tentativa foi superada pela ação dos caminhoneiros autônomos, deslegitimando a atuação dos autoproclamados representantes da categoria durante a greve. Muitos caminhoneiros autônomos passaram inclusive a lutar de fato contra o que é sentido por todos os trabalhadores, que é o aumento desenfreado dos preços dos combustíveis e do gás de cozinha.

O governo ilegítimo de Temer, principal responsável pela crise, buscou contornar a indignação dos caminhoneiros e desmobilizar a greve oferecendo um acordo que não resolve a questão crucial, justamente o que foi o estopim do movimento e que tornou-se a reivindicação dos caminhoneiros com maior apelo popular: o preço do litro de óleo diesel na bomba!

Entre outras tantas pautas específicas, como a isenção da cobrança de pedágio por eixo suspenso e uma adequada tabela de frete mínimo, a questão do preço do dos combustíveis é uma pauta que dia a dia foi sendo compreendida e defendida por amplos setores do povo. Isso porque qualquer brasileiro, nos últimos dois anos, vem suportando todos os dias o preço  cada vez mais “salgado” da gasolina e do gás de cozinha e mesmo aqueles que não possuem carro sabem que a majoração dos preços dos combustíveis é desfavorável à economia popular, pois gera um efeito cascata sobre todo o consumo de bens e serviços.

Com a crise instalada, governo, mídia, empresários e setores reacionários buscaram defender que para baixar o preço do diesel é preciso “reduzir impostos”, reiterando o quanto possível a proposta original de retirar a cobrança do PIS/COFINS sobre o diesel. A defesa da redução de impostos é algo bastante sedutor à população em geral, pois há uma eterna propaganda contra a carga tributária no Brasil, que é realmente muito alta para quem é mais pobre, mas muitíssimo baixa para os mais ricos. Assim, a proposta do governo satisfez quase integralmente os empresários e parcialmente o anseio dos caminhoneiros pela redução do valor do diesel.

Porque então o acordo não vingou e uma imensa massa de trabalhadores do setor permaneceu em greve?

Como foi dito anteriormente, a greve dos caminhoneiros de 2018 colocou no centro das atenções a questão dos frequentes aumentos do diesel. Ao apelar pelo apoio popular, os caminhoneiros paralisados, em especial os autônomos, buscaram envolver o povo neste debate, pois a alta dos combustíveis é sentida por todo o povo e principalmente o efeito que o alto preço do gás de cozinha tem sobre o orçamento das famílias.

Exatamente neste momento, em que caminhoneiros autônomos e com uma fraca ligação orgânica entre si, mas com a identificação de interesses em comum, buscavam a manutenção da greve, foi que estes trabalhadores experimentaram, aqui e ali, um pequeno, porém importante, crescimento de consciência. Envolvidos que estavam com outros trabalhadores do transporte, como os motoboys e motoristas de aplicativos – estes igualmente “num mato sem cachorro” em termos de representação e organização, bem como entrando em contato com os petroleiros nas portas das refinarias, os caminhoneiros passaram paulatinamente a defender a redução de preços não somente para eles próprios, mas para o povo brasileiro.

Neste ponto, é preciso dizer que, embora tenhamos assistido esse importante passo entre os caminhoneiros, sabemos que nem tudo são flores e que a composição da categoria é heterogênea o suficiente para comportar manifestações reacionárias e apelos à intervenção militar. Sem dúvida, esta característica vem sendo muito bem explorada pelos setores de extrema direita brasileiros, que procuram como ratazanas esgueirar-se nestas brechas e iludir o nosso sofrido povo com a falsa promessa de uma solução fácil para todos os problemas.

Para fazer frente a estes aproveitadores das mazelas do povo, foram muito importantes as iniciativas de petroleiros e petroleiras em frente às refinarias. Aqui na REFAP, em Canoas, estes valorosos lutadores tomaram a iniciativa de contatar os diversos piquetes de caminhoneiros, buscando demonstrar que há uma identidade de interesses entres os diferentes trabalhadores e que a solução para a questão pontual do preço do diesel, mas também do gás de cozinha e da gasolina não consiste na isenção fiscal, mas sim na mudança da política de preços da Petrobrás.

Por seu turno, internamente os petroleiros e petroleiras tiveram que empurrar as máquinas sindicais rumo à greve, visto que não haveria momento mais propício para denunciar não só a política de preços implantada por Pedro Parente, mas também toda a política entreguista dos golpistas, do que uma crise gerada pela carestia do diesel, da gasolina e do gás de cozinha.

Em meio ao vai e vém das tentativas de “negociação” com os caminhoneiros, o golpista Michel Temer chegou a ter sua posição de intermediário do mercado ameaçada. Por mais que tenha se esforçado, o governo golpista não encontrou canal de diálogo com movimento, pois os grevistas rejeitaram a maioria das entidades que diziam representá-los. O governo passou então a buscar legitimar o acordo que havia proposto, inclusive ampliando medidas paliativas e, com o apoio da mídia, tentou deslegitimar o movimento que já vinha demonstrando apoio popular, de diferentes matizes, é claro. Governo, mídia e empresários passam então denunciar a “infiltração de setores intervencionistas” no movimento, que vinham pregando e buscando induzir a greve dos caminhoneiros para a defesa da intervenção militar.


Neste mesmo momento, os petroleiros e petroleiras, organizados em duas federações, a FUP e a FNP definem-se pela greve de 72 horas, reivindicando o fim da atual política de preços da Petrobras, a saída de Pedro Parente, a manutenção do Petrobrás enquanto empresa estatal e pública. Os petroleiros incidiram assim no centro da principal questão daqueles dez, onze dias e o fizeram como classe organizada para a luta, apresentando uma pauta que não era econômica, mas sim em defesa do povo brasileiro.


Dessa forma, o freio midiático colocado sobre a defesa de uma indefinida “intervenção militar” no seio do debate sobre a solução para a crise dos combustíveis, serviu também de mote para difundir nos meios de comunicação que a greve dos caminhoneiros estava sendo permeada por sindicalistas que tinham apenas o objetivo de utilizar as reivindicações econômicas legítimas dos trabalhadores do transporte para fins políticos que não eram do interesse dos grevistas. Portanto, não nos iludamos com o caráter pseudo democrata da grande mídia.

O maior temor não somente do governo, mas do capital, é de que um setor organizado dos trabalhadores – como o dos petroleiros – alcançasse as condições subjetivas para a luta ombro a ombro com os caminhoneiros, motoboys e motoristas de aplicativos. As condições objetivas para essa luta nunca estiveram tão presentes, principalmente no momento em que ambas categorias estivessem em greve e lutando basicamente pela mesma pauta no plano econômico: a carestia no preço dos combustíveis.


Antevendo o salto não somente quantitativo, mas principalmente qualitativo na luta contra os patrões e o governo, as forças repressivas foram acionadas, buscando liquidar com os piquetes de caminhoneiros em todo país, especialmente nas portas das refinarias, ameaçando os piqueteiros de “forte repressão quando chegassem os sindicalistas”. No mesmo movimento, porém no plano jurídico, os golpistas buscaram amparo na ditadura da toga para não só declarar ilegal a greve dos petroleiros, mas também cobrar multa diária de 500 mil reais de cada sindicato, majorada para 2 milhões de reais diante da resistência dos trabalhadores a essa ação repressiva.

Diante dessas circunstâncias, encontramos ao final de cerca de 10 dias um movimento de caminhoneiros exausto de permanecer nas estradas, expulso pelo terror de estado e a intervenção do aparelho repressivo do Estado na frente das refinarias e principais piquetes, bastante abalado pela incapacidade da classe média de permanecer com o tanque de gasolina vazio e bastante dividido quanto aos rumos do movimento. Ao mesmo tempo, verificamos que o tamanho do temor do governo frente a uma greve dos petroleiros foi acompanhada de uma também enorme medida repressiva, seja via judicial, seja via instalação e forte presença do exército nas refinarias.


Em meio a possibilidade de desmobilização dos trabalhadores e de um recuo para avaliação dos movimentos, Pedro Parente – o principal agente da política de preços da Petrobrás e de todo o desmonte que visa a colocar a estatal na lógica privatista – pede demissão, levando à euforia os trabalhadores mais conscientes, em especial os petroleiros. Contudo, em seguida, é anunciado o nome de Ivan Monteiro para sucessão de Parente, dando sinais da permanência da política de preços atual.

A simples remoção de uma peça no tabuleiro, apesar de não se concretizar em uma mudança real na política de preços, já é um avanço significativo e demonstra o potencial dos movimentos de massa de pressionar por mudanças no bloco de poder.

O momento requer a movimentação daqueles que desejam modificar a dura realidade. Os eventos acima descritos mostram que as ações corretas, baseadas na realidade concreta, podem precipitar acontecimentos de grandes proporções. Nesse sentido, devemos unir trabalhadores de diferentes categorias e todo o povo explorado para criar as condições de luta contra o aumento do custo de vida.

Foto em destaque: Leandro Domingos/GES-Especial