“Temos que reinventar um novo modo de vida”, afirma o sociólogo Ricardo Antunes

A segunda transmissão ao vivo da série de vídeos Assufrgs Na Tua Casa teve como tema “Coronavírus: A Precarização do Trabalho em Tempos da Pandemia“. A coordenadora da Assufrgs, Bernadete Menezes, conversou com o sociólogo, professor da Unicamp, Ricardo Antunes.

Segundo o professor a crise da pandemia é uma consequência de um sistema destrutivo. “A pandemia em si não é a causadora dessa tragédia, não é algo imprevisível, que veio no melhor dos mundos. Ao contrário. Desde 1973 estamos em um mundo profundamente destrutivo sobre a hegemonia neoliberal, com o domínio do capital financeiro e processos de mutação tecnológicas que deveriam ser positivos para a humanidade. Porém a tecnologia é comandada pelas grandes corporações visando o aumento dos controles da riqueza gerada no mundo. Nós temos que reinventar um novo modo de vida. O sistema de metabolismo do capital é antissocial e letal. Estamos em dos momentos imprevisíveis da história. Se você olhar os grande telejornais brasileiros, todos que saquearam o país nos últimos 30 anos estão pedindo que o estado ajude mais, pois estão pensando em suas empresas. Como vai funcionar se o sistema entrar em colapso? Não venham me dizer, como Margaret Thatcher , que o capitalismo é eterno. Não houve nenhum modo de produção na história da humanidade que se eternizou, o capitalismo não é eterno. A história humana pode desaparecer, chegamos em um nível de letalidade imenso. Você é a favor da vida ou do lucro? Este é imperativo categórico do nosso tempo. O modo de produção que vivemos só acumula ao destruir a força de trabalho e a natureza, impedindo a igualde substantiva entre homens e mulheres, entre brancos e negros, que discrimina estrangeiros e LGBTs. Estamos vivendo o pior dos mundos. O Coronavírus é uma consequência de um sistema que é destrutivo, pois não visa a humanidade, visa o lucro.”

Berna Menezes, pontuou a escalada de retirada de direitos dos trabalhadores ao longo dos últimos e anos e como ao final da pandemia o ataque deve seguir com mais força ainda. Ricardo Antunes resgatou que este levante neoliberal foi uma reação às mobilizações sociais após outra crise do capital, em 2008. “Se o mundo do trabalho que nós temos antes da pandemia era uma tragédia, o que vai ser depois? Após 2008 o mundo teve muitas manifestações, por um conjunto de motivos, as rebeliões não se converteram em uma era de revoluções, ao contrário, houve resposta muito dura, houve uma era de contrarrevolução, com eleições de Trump e demais governos de extrema direita. Incluindo Bolsonaro, um protofascista que iludiu uma parte enorme da população mais pobre do país. Estamos vendo a devastação dos direitos do trabalho. Ainda com o Temer tivemos a liberação da terceirização desenfreada, a contrarreforma trabalhista, um golpe quase final da CLT. O governo Temer foi devastador. Lembra da PEC do Fim do Mundo? Temer deve ser responsabilizado por essa tragédia, que agora a pandemia nos faz enxergar, com o caos no SUS. (…) A alternativa do capital já está posta, com medidas para flexibilizar mais ainda as condições de trabalho. Que mundo do trabalho vai surgir depois da pandemia? A escravidão digital e da informalidade? “

Berna Menezes também perguntou ao sociólogo sobre a importância do trabalho dos servidores públicos. Segundo ele “é um momento muito importante para ajudar a humanidade a pensar. Quem está salvando vidas no país? É o SUS! Se não fosse o SUS, que foi destroçado todos esses anos, especialmente, mas não só, pelos governos Temer e Bolsonaro. Temos que resgatar os sentido público e social da medicina, da saúde, da educação e da previdência. Se não buscarmos uma alternativa, um outro modo de vida pro mundo, vamos conhecer um andar abaixo do inferno. O isolamento é a condição para salvar vida. Médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem estão dando uma aula de humanidade ao se arriscarem saindo para trabalhar todos os dias. Afinal, quanto ganha um enfermeiro hoje no setor público? Enquanto o capital financeiro pratica o vilipendio por segundo? Nem os países capitalistas avançados, com raras exceções, conseguiram conter a doença sem um número gritante de mortos, pois destruíram os seus sistema de saúde. A humanidade terá que se perguntar: é isso que nós queremos?”

Para a Coordenadora da Assufrgs, “Essa revolução no mundo do trabalho pegou a esquerda de calça curta, a uberização veio por fora, ganhando a cabeça do trabalhador, de que ele seria um empreendedor. Milhares de trabalhadores endividados que compraram carro e moto, para serem entregadores de app. Essa revolução que deveria ser para o inverso, para trabalhar menos. Esse mundo pós pandemia virá com ainda mais força. A desregulamentação das leis trabalhistas, o vale tudo no mundo do trabalho, o privilegio da servidão.” Ricardo Antunes acrescentou que “estamos criando uma massa de escravos digitais, que trabalham 12 horas por dia, numa intensidade brutal e não é verdade que são livres. Esse trabalhador não dá o preço da corrida, não diz como vai ganhar, não pode recusar as corridas sem justificativa. É um forma de escravidão. Uma massa inteira de desempregados precisando aceitar qualquer trabalho. Aqueles que diziam que íamos entrar no admirável mundo da felicidade, esqueceram que a felicidade verdadeira é só para 3% da população mundial. Para ficar no Brasil, apenas 5 ou 6 empresários mais ricos do Brasil ganham o que produzem 100 milhões de brasileiras todos os dias. Há alguma coisa de podre nisso tudo”

Como saída para esse quadro negativo, Berna Menezes alerta que a pandemia deve servir para um abertura de consciência dos trabalhadores. “Não é mais possível aceitar trabalhos sem direitos, na informalidade. É necessário taxar lucro das grandes fortunas, do mercado financeiros e dos bancos. Assim teremos dinheiro para pagar uma valor digno para a população, não míseros R$600. Vai ter dinheiro para o SUS, para a educação pública, para a previdência social.”, finalizou Ricardo Antunes.

Confira a conversa na íntegra: