Consciência negra – levante antirracista, nas ruas e nas urnas

No ano marcado pela indignação da população contra a violência policial e o genocídio do povo negro, cresceu a representatividade de negras e negros nos cargos eletivos no pleito municipal realizado no último dia 15. O resultado é mais um passo na longa trajetória de luta e resistência do povo negro! As coordenadoras negras da ASSUFRGS, Laís, Tamyres, e Maria Luiza, comentam o levante antirracista nas ruas e nas urnas.

O 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra é data histórica que marca a reflexão sobre a História dos Negros e Negras no Brasil e a inserção dos mesmos na sociedade. A data remete à morte de Zumbi dos Palmares em 1695. Zumbi é símbolo de resistência e luta contra a escravidão, implementada em solo brasileiro em 1549, a serviço das potências europeias que vinham em processo de desenvolvimento do capitalismo no mundo.

A escravidão nas Américas, colonizadas pelos europeus, foi um modo necessário para o desenvolvimento do capitalismo mundialmente, há 500 anos. Com as revoluções industriais, e o desenvolvimento e a introdução da maquinaria no trabalho, a sociedade capitalista aboliu a escravatura direta, passando para a escravatura indireta: a do Capital. Do trabalho escravo, agora escravos do trabalho assalariado enquanto classe trabalhadora. Recentemente, o neoliberalismo aprofunda as desigualdades com as terceirizações e retiradas de direitos da classe trabalhadora, medidas que atingem mais o povo negro. A evolução tecnológica dos últimos anos piora o quadro, com a profusão dos aplicativos que precarizam e exploram os trabalhadores, no fenômeno da uberização.

Ainda sobre o mundo do trabalho, a diferença salarial entre negros e brancos, de um modo geral, é altíssima. Em 2019, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou pesquisa que apontou que brancos ganham 68% a mais do que os negros. E estudo de 2020 realizado na PUCRS, mostra que Um trabalhador negro ganha cerca de 17% a menos do que um branco, mesmo que ambos tenham origens sociais semelhantes.

Mobilização antirracista e antifascista no centro de Porto Alegre (07 de junho de 2020)

Levante Antirracista – nas ruas e nos votos

2020 foi o ano do levante antirracista no mundo. Do movimento nos Estados Unidos “black lives matter”, após o assassinato de George Floyd por um policial branco, e o aumento da violência policial contra os negros na era Trump, ao movimento antirracista e antifascista que tomou as ruas do Brasil, mesmo durante a pandemia. Não podemos esquecer, a polícia brasileira é a mais letal do mundo. Entre 2015 e 2019, 25 mil brasileiros foram assassinados pela polícia. Chama atenção o aprofundamento da violência policial e o genocídio da juventude negra, segundo levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU Brasil), a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. E o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou, no último Atlas da Violência, publicado em agosto deste ano, que, entre 2008 e 2018, as taxas de homicídio apresentaram um aumento de 11,5% para os negros, enquanto para os não negros houve uma diminuição de 12,9%. Em todos os dados do estudo verifica-se como a condição racial potencializa vulnerabilidades e riscos.

Diante do aumento da violência policial contra a população negra das periferias brasileiras, diversas cidades do país registraram manifestações antirracistas ao longo deste ano.

A luta das ruas se refletiu nas eleições municipais de 2020. O número de candidatos negras e negros eleitos foi o maior da história do país. Maioria da população e com recorde de candidaturas em 2020, os negros aumentaram sua participação no comando das prefeituras e no número de cadeiras nas câmaras de vereadores, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Dos mais de 5,4 mil prefeitos eleitos, aproximadamente 1,7 mil candidatos se declararam pretos ou pardos, o que corresponde a 32% do total. O número é superior a 2016, quando 29% dos candidatos eleitos eram negros segundo a classificação do IBGE.

Se os negros conseguiram um avanço de representatividade nas eleições deste ano, a proporção é ainda distante dos 56% que esse grupo representa na população brasileira e que evidencia que eles seguem sub-representados na política.

Em 2020, pela primeira vez, os candidatos negros passaram a ser o maior grupo de postulantes a cargos eletivos no país desde que o TSE passou a coletar informações de raça, em 2014. Ao todo, 276 mil candidatos pretos ou pardos se registraram para concorrer no pleito, o equivalente a 49,9%.

O aumento do número de pretos e pardos nas prefeituras parece se repetir nas câmaras de vereadores. Com base em informações disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral, levantamento revelou que vereadores negros ocuparão 44% das cadeiras nas câmaras municipais das capitais brasileiras a partir do próximo ano. Dos vereadores eleitos para todos os municípios em 2016, 42% eram pretos ou pardos.

A eleição de quilombolas também avançou. De acordo com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), mais de 50 quilombolas foram eleitos vereadores em municípios localizados em estados como Goiás e Maranhão.

No mês da Consciência Negra, Porto Alegre elege sua primeira bancada negra

Bancada Negra em Porto Alegre

Ainda majoritariamente branco, masculino e à direita, o legislativo municipal da capital gaúcha começa a ficar mais diverso. Para o mandato que começa a partir de janeiro de 2021 serão cinco vereadores negros e jovens, sendo quatro mulheres negras. São elas: Karen Santos (PSOL) – candidata mais votada da capital, entre homens e mulheres; Laura Sito (PT); Bruna Rodrigues (PCdoB); e Daiana Santos (PCdoB). Além delas, foi eleito o jovem negro Matheus Gomes (PSOL).

Para a coordenadora da ASSUFRGS, Laís Magbel Camisolão, a eleição da bancada negra para a câmara de vereadores de Porto Alegre é motivo de orgulho e alegria pela mobilização, força, resistência e luta da comunidade negra da cidade e do país. “Historicamente o movimento negro tem sido um educador incansável para a construção de uma sociedade antirracista. Saúdo a eleição desses companheiros que se fortalecem e se somam em defesa dos direitos, da vida da população negra, periférica, feminina e trans. Articulando bandeiras de luta dos segmentos que mais têm sofrido em nossa sociedade, cada candidatura negra comprometida com a pauta antirracista, e os vereadores eleitos que compõem essa bancada, representam o zumbi vivo em meu peito e tenho certeza que no peito de cada um que compreende a potência da consciência negra.”

Tamyres Filgueira, Coordenadora da ASSUFRGS e Coordenadora do NEAB UFRGS, afirma que “a população negra no Brasil tem sido alvo constante das políticas necropoliticas dos governos, Bolsonaro, Leite, Marchezan e Melo, que defendem o mesmo projeto político e econômico que retira direitos dos trabalhadores e povo pobre e sucateia os serviços públicos, sendo a população negra a mais atingidas por essas políticas. Os resultados das eleições municipais foram um importante passo para mudar a correlação de força entre a direita tradicional, a extrema direita e a esquerda. Foram eleitas candidaturas que representam o combate ao projeto da extrema direita e fizeram história ao eleger aqui em PoA, pela primeira vez, uma bancada negra na câmara de Vereadores.”

Segundo Maria Luiza da Silva Ramos, Coordenadora da ASSUFRGS, o resultado nas urnas foi devido à história de lutas do povo negro, “onde muitas vezes ceifaram vidas negras de crianças, jovens e idosos. Esta eleição é só o começo de um levante negro, e sua importância que vem das lutas de grupos, de comunidades, que estão sempre se organizando e se aprimorando para novas lutas. Este foi um passo importante na nossa marcha de reconhecimento do valor e poder do povo negro”, concluiu.

Infelizmente, na véspera do Dia da Consciência Negra um crime bárbaro demonstra que temos muito ainda o que lutar: o ato de racismo que resultou no espancamento e morte de João Alberto Silveira de Freitas no estacionamento do supermercado Carreffour do Passo D’Areia, em Porto Alegre. A ASSUFRGS repudia este crime que, longe de ser uma exceção, é fruto das estruturas de opressão racistas vigentes no Brasil e no mundo. Nos unimos ao chamado para o protesto marcado hoje, às 18h, em frente ao local do crime.

Neste dia da Consciência Negra, a ASSUFRGS parabeniza o povo negro pela luta e resistência, e convoca toda a sociedade a aderir ao movimento antirracista!

Com informações da: Agência Senado, G1, Sintrajud, UOL e Brasil de Fato RS