Ditadura nunca mais! – Motivos para repudiar o Regime Militar
No dia 31 de março de 1964, um golpe militar deu início a um momento sombrio da história brasileira. Militares contrários ao governo de João Goulart (PTB) destituíram o então presidente e assumiram o poder por meio de um golpe. O governo comandado pelas Forças Armadas durou 21 anos e implantou um regime ditatorial. A ditadura restringiu o direito do voto, a participação popular e reprimiu com violência todos os movimentos de oposição. O legado do regime militar é de histórias de repressão, censura às liberdades individuais, conflitos e tortura. Já o “milagre econômico”, que seria o avanço na economia do país durante o regime, não teve duração. A herança que ele deixou foi concentração de renda e aumento da desigualdade social. Mesmo assim, ainda há quem relativize esse momento sombrio do passado do país. Nesta terça-feira (31), o golpe completa 57 anos, e o governo Bolsonaro deve comemorar o regime ditatorial.
Nesta conjuntura é preciso afirmar que há consenso internacional sobre os crimes de lesa humanidade perpetrados pela ditadura militar brasileira. Os relatórios da Comissão Nacional da Verdade (CNV) do Brasil, mostram que entre maio de 2012 e dezembro de 2014, foram ouvidas as vítimas da ditadura, os familiares de pessoas que desapareceram e foram mortas no período, comitês de memória, entidades de direitos, entre outras organizações, a respeito das violações do regime militar aos direitos humanos.
Além da comissão, as torturas do regime militar também estão documentadas em diversas fotos e documentos históricos. No livro póstumo do jornalista Luiz Octavio de Lima, Os Anos de Chumbo, lançado em 2020 pela Editora Planeta, há entrevistas com personagens que sofreram nas mãos dos militares. A atriz Bete Mendes, foi torturada em 1970 e denunciou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do Destacamento de Operações Internas (DOI-CODI), em São Paulo, onde eram encarcerados e torturados os opositores do regime. Frei Betto, também preso e torturado pelos militares, e cabo Anselmo, o famoso agente duplo da ditadura, são outros personagens que confirmam as ações brutais do regime militar
A seguir, elencamos os motivos que comprovam por que a ditadura militar deve ser repudiada por todos os brasileiros:
1. Ato Institucional nº 5 — AI-5
No dia 13 de dezembro de 1968, durante o governo do marechal Artur da Costa e Silva, foi emitido o Ato Institucional nº 5. Considerado o mais radical da ditadura militar no Brasil, deu início a um período que deixou mortos, presos e desaparecidos — muitos até hoje.
O Congresso Nacional e Assembleias Legislativas foram fechados logo após sua instauração. A censura prévia de obras artísticas se fortaleceu e as reuniões políticas não autorizadas foram proibidas. Além disso, houve suspensão do habeas corpus por crimes de motivação política e dos direitos políticos de cidadãos considerados subversivos — ou seja, aqueles que faziam parte da oposição.
Entre dezembro de 1968 e abril de 1969, houve a cassação ou suspensão de direitos de 452 cidadãos em todo o país, incluindo 93 deputados federais em exercício do mandato. Ao menos 1390 pessoas foram presas.
2. Perseguições políticas e a ditadura nas universidades
Um levantamento produzido pelo cientista político Marcus Figueiredo mostra que, entre 1964 e 1973, um total de 4841 pessoas foram punidas “com perda de direitos políticos, cassação de mandato, aposentadoria e demissão”; 513 políticos, entre eles, senadores, deputados e vereadores, tiveram seus mandatos cassados; 35 dirigentes sindicais perderam seus direitos políticos e 3783 funcionários públicos, entre eles 72 professores e 61 pesquisadores científicos, foram aposentados ou demitidos.
Na UFRGS, diversos professores, servidores técnico-administrativos e alunos foram sumariamente demitidos, expulsos ou deslocados de funções. Durante o regime militar, foram instalados sistemas de vigilância e espionagem contra a comunidade acadêmica dentro de universidades. Essa medida resultou em prisões, mortes, desaparecimentos, privação de trabalho, proibição de matrículas e interrupção de pesquisas acadêmicas.
Reprodução/Sul21
Não bastassem as violações de direitos humanos, também começaram a ser impostas as bases de um projeto de sociedade com mudanças econômicas, sociais e na educação – de acordo com os interesses dos financiadores do sistema político vigente.
Em maio de 1964, Flávio Suplicy de Lacerda, que tinha sido reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), foi escolhido como ministro e abriu caminho para a construção de um outro projeto de universidade, com foco em privatização do ensino superior e na lógica capitalista.
Em 29 de agosto de 68, militares invadiram a UnB. Nesse dia, foi preso Honestino Guimarães. Foto: Divulgação
Acabar com espaços de debates, de busca pelo conhecimento e de mobilizações sociais – algo que não agrada um regime totalitário – eram os objetivos da ditadura. O autoritarismo, infelizmente, ainda hoje disputa espaço em nossa sociedade e se apresenta, erroneamente, como solução para a educação brasileira, motivo pelo qual comunidades acadêmicas e entidades representativas têm fortalecido a luta e os esclarecimentos em defesa da educação pública de qualidade.
Além disso, os governantes nomeavam reitores a seu bel-prazer. As assessorias dos órgãos de repressão atuavam nas instituições de ensino fiscalizando e denunciando estudantes, professores e técnicos-administrativos. Esse cenário, junto com atos institucionais e decretos dos ditadores, foram fundamentais para a repressão nas universidades, que se tornaram um dos principais pontos de resistência e defesa da democracia.
3. Assassinato do estudante Edson Luis
Edson Luis foi um estudante secundarista assassinado por policiais militares alguns meses após completar 18 anos. No dia 28 de março de 1968, o batalhão invadiu o restaurante Calabouço, no centro do Rio de Janeiro, durante uma manifestação estudantil. O comandante da tropa, aspirante Aloísio Raposo, alvejou o estudante paraense com uma pistola .45, à queima-roupa. O garoto havia acabado de chegar na cidade para completar seus estudos.
Um dos horrores da época foi o assassinato do secundarista Edson Luis pelos militares (Foto: Reprodução)
Após o acontecimento, os estudantes levaram o corpo de Edson Luís até a Assembleia Legislativa e improvisaram um velório. A missa em sua homenagem foi assistida por milhares de pessoas e provocou comoção em toda a cidade.
O general Osvaldo Niemeyer, comandante da PM, justificou o ato: “A polícia atirou porque o poder de fogo dos estudantes era superior”. O episódio não só causou o fechamento do restaurante, mas também deflagrou um ciclo de intensas manifestações populares em 1968 no Brasil.
4. Sexta-feira sangrenta
O dia 21 de junho de 1968 ficou conhecido como sexta-feira sangrenta após intensa repressão policial em uma passeata no centro do Rio de Janeiro. A população ocupou as ruas com o objetivo de protestar contra a prisão do líder estudantil Jean Marc von der Weid. Entretanto, o evento resultou em 28 mortes, centenas de feridos e mais de mil presos.
Em agosto do mesmo ano, o presidente Costa e Silva proibiu qualquer manifestação pública no país. O Congresso também rejeitou o projeto que concedia anistia aos estudantes e operários presos nas manifestações dos meses anteriores.
5. Prisões políticas
Na ditadura militar era comum a repressão de ideias contra o regime. O sufocamento de iniciativas opositoras e o esmagamento dos grupos clandestinos por meio da violência ganharam grande destaque. Segundo o livro Os Anos de Chumbo, “a propósito de se combater o ‘terrorismo’ em curso, foram atropelados preceitos legais e quaisquer mecanismos de garantia aos direitos humanos fundamentais”.
A ditadura militar suspendeu os direitos básico do ser humano (Foto: Reprodução)
A repressão mobilizou todos os recursos — militares, políticos, de informação — no combate a um “inimigo invisível”. Em 1969, criou-se o Sistema de Segurança Interna no País, composto por DOPS e DOI-CODI, órgãos subordinados ao Exército cujo objetivo era capturar pessoas subersivas, que poderiam se passar cidadãos comuns e “inocentes”, segundo o governo. “Em princípio, ‘todos eram suspeitos’”, afirma Luiz Octavio de Lima em um trecho do livro.
O cidadão poderia ser classificado como perigoso apenas por estar parado em um lugar público ou ir a atividades como palestras, oficinas e conferir atrações culturais. Segundo Lima, o modus operandi contra acusados de integrar a luta armada era a captura do cidadão por uma equipe policial, seguida de interrogatório à base de torturas. Em alguns casos, quando havia a morte do prisioneiro, o último passo era a ocultação de seu cadáver.
6. Tortura e violência sexual
No Brasil, a tortura era comum em casos de prisões. Ela consistia em dor física, humilhação e tentativa de ruptura da sanidade mental dos presos. Quem decidia a forma de violência eram os comandos das equipes de interrogatório. Uma prática comum era deixar o prisioneiro nu durante as sessões para ferir sua dignidade humana.
As equipes que interrogavam mulheres eram masculinas, o que multiplicava o potencial de humilhação, por causa da exposição do corpo e da ameaça – por vezes concretizada – de ataques sexuais. Essa e outras práticas desenvolvidas antes pelo nazismo foram aprendidas em cursos ministrados para militares e policiais. Na página “As Mina da História” é possível conhecer alguns casos em que mulheres foram torturadas sexualmente durante o regime, clique aqui para saber mais sobre elas.
A tortura era recorrente na época. Os militares e policiais chegaram a fazer cursos que ensinavam como torturar alguém a ponto da pessoa perder a sanidade mental (Foto: Reprodução)
Uma das personalidades que estava à frente dos casos de tortura era o oficial do exército Brilhante Ustra. Considerado “herói nacional” pelo presidente Jair Bolsonaro, Ustra foi responsável por cerca de 2 mil prisões políticas e mais de 500 casos de tortura no DOI-CODI.
Em Os Anos de Chumbo, é possível conferir o relato de Maria Amélia de Almeida Teles, militante do PCB que foi torturada por Ustra mais de uma vez diante do marido, da irmã e dos dois filhos, de 4 e 5 anos de idade.
Engana-se que somente durante o AI-5 a situação foi grave. Logo após a instauração do golpe militar no dia 1º de abril de 1964, foi registrada uma série de ocorrências. Entre elas, a prisão de mais de cinco mil pessoas, além de vários casos de civis que sofreram brutalidades e torturas por parte dos militares. Isso tudo só ao longo de abril, o primeiro de 240 meses de duração da ditadura.
7. Assassinato do jornalista Vladimir Herzog
Vladimir Herzog era um jornalista que ocupava o cargo de diretor da TV Cultura quando foi capturado pela Operação Jacarta, conduzida pelo DOI-CODI. Logo que entrou no quartel do exército foi encapuzado, amarrado a uma cadeira, sufocado com amoníaco e submetido a espancamento e choques elétricos, seguindo a rotina aplicada a centenas de outros presos políticos.
No dia seguinte, uma nota informava sua morte naquelas instalações. “Por volta das 15h, deixado, sozinho, em uma sala, redigiu declaração dando conta de sua militância no Partido Comunista; às 16h, ao ser procurado na sala onde ficara, foi encontrado morto, enforcado em uma tira de pano”.
Segundo o autor do livro, a nota afirmava que, solicitada a perícia, foi constatada a ocorrência de suicídio e que “o cadáver de Vladimir Herzog foi encontrado, junto à janela, em suspensão incompleta e sustido pelo pescoço, através de uma cinta de tecido verde” e que “o traje que vestia o cadáver compunha-se de um macacão verde de tecido igual ao da referida cinta”.
Em julho de 2018, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) condenou o Estado brasileiro pela falta de investigação, julgamento e punição aos responsáveis pela tortura e assassinato do jornalista Vladimir Herzog, ocorrido em 1975.
8. A luta dos trabalhadores pela redemocratização do país
O movimento sindical tem um papel fundamental na retomada da democracia no Brasil. Os trabalhadores organizados, a partir do final dos anos 70 e ao longo dos anos 80 foram a vanguarda na luta pelo fim do regime militar, pela redemocratização, por eleições diretas para a presidência e a convocação da Assembleia Nacional Constituinte – que resultou na existência da Constituição.
A ASSUFRGS, na época ABSUFRGS, esteve presente nas lutas que marcaram a mobilização pela redemocratização do país. Em 1984 a UFRGS realizou uma paralisação de 84 dias. A Greve ocorreu em meio à ditadura militar e um cenário de lutas no país contra as perdas com a inflação, por mudanças na política econômica do governo e por democracia.
Manifestações pelas eleições diretas para a presidência da República. Abril de 1984. Fonte: Arquivo da Agência Brasil.
REFERÊNCIAS
Ditadura militar e democracia no Brasil: história, imagem e testemunho / organização Maria Paula Araujo, Izabel Pimentel da Silva, Desirree dos Santos. – 1. ed. – Rio de Janeiro : Ponteio, 2013.
Politize – Ditadura Militar no Brasil
ANDES/UFRGS: Ditadura nunca mais: a luta para que não se repita
Descomplica – Ditadura Militar no Brasil: resumo para o Enem
Toda Matéria – Ditadura Militar no Brasil
Educação Uol – Breve história do regime militar
Educação Uol – 50 anos de golpe de 1964
Esquina Musical – 50 anos do golpe e da ditadura militar: 16 músicas marcantes do período
Senado – Há 50 anos, país passava a ter só 2 partidos
Jusbrasil – Em valores de hoje, dívida externa deixada pela ditadura militar atingiria U$S 1,2 tri, quatro vezes a atual
Superinteressante – O milagre econômico foi tão bom assim?
R7 – Inflação e dívida pública explodiram no Brasil ao final da ditadura militar
Memórias da ditadura – Grupos da luta armada
O Globo – Os números da economia no regime militar
O Globo – Ditaduras na América Latina
O Globo – O Brasil é o 10º país mais desigual do mundo