Rui Muniz: “se minha aposentadoria compulsória não é perseguição política, eu não sei o que é”
Como uma medida de perseguição política, o reitor-interventor da UFRGS Carlos Bulhões, move processo de “aposentadoria compulsória por invalidez” contra o servidor Rui Muniz, liderança histórica da ASSUFRGS e da Fasubra.
Rui é ex-coordenador do sindicato por vários mandatos, é representante eleito pelos técnicos-administrativos no Conselho Universitário (CONSUN), atua em Comissões de Saúde e Segurança do Trabalho (COSAT), e recentemente compõe o Comitê Covid da UFRGS, no qual atua na elaboração de políticas e protocolos de enfrentamento à pandemia, sempre em defesa da vida dos trabalhadores e trabalhadoras e da comunidade universitária.
Em entrevista ao site da ASSUFRGS, Rui Muniz fala sobre sua percepção acerca da aposentadoria imposta pela reitoria que hoje é ocupada pelo interventor bolsonarista, Carlos Bulhões:
ASSUFRGS Sindicato -> Quando e como chegou ao teu conhecimento o Laudo da Junta Médica da UFRGS, que aponta a tua suposta “incapacidade permanente” para atividades laborais?
Rui Muniz -> eu estava em licença saúde, tinha acabado de passar por uma cirurgia de apendicite e fui à junta médica por conta disso. O encontro foi virtual pelo MCONF no dia 07 de maio, inclusive com a presença de médicos. Coloquei que precisaria permanecer em atividade não presencial, inclusive por questões da pandemia e eles não me falaram nada. Eu fiquei sabendo do laudo de “incapacidade permanente” não por eles, mas através de uma colega de minha unidade. Eu tomei um choque com a informação. Minha ida à junta médica foi na sexta, dia 07 de maio, na segunda dia 10 soube do laudo e na terça dia 11, já encaminhei um processo SEI contestando o resultado, onde apresentei atestados médicos comprovando que eu estaria em plena capacidade laboral. Também pontuei as diversas atividades que sigo desempenhando, mesmo neste período de licença saúde, com o aceite e conhecimento da própria administração central.
AS: Logo após este laudo, a reitoria abriu processo para encaminhar a tua aposentadoria. Ao teu ver, por que a Reitoria não lhe informou do laudo e processo? Considera que houve falta de transparência e também perseguição por tu seres um nome conhecido e relevante da militância sindical?
RM -> A agilidade da PROGESP em encaminhar a minha aposentadoria é muito grande. A informação que tenho é que logo após a reunião na junta médica, no mesmo dia, praticamente logo após o término da reunião, eles colocaram no sistema federal a minha “invalidez”, e não conversaram nada comigo. Aliás, o que acontece até hoje. Ninguém veio conversar comigo para explicar a decisão. Eu não tenho a menor dúvida, não é só falta de transparência. Isto é reflexo de uma cultura autoritária, que estamos vivendo, onde aqueles que estão no poder acham que podem tudo. É uma clara perseguição política em função de tudo o que a gente tá fazendo e já fez, fui fundador deste sindicato (ASSUFRGS), e a gente não deixa de fazer até hoje.
AS: Você disse que apesar dos inúmeros contatos com a administração, até hoje ninguém conversou contigo sobre a decisão tomada. A administração da UFRGS responde teus contatos e te dá espaço de defesa?
RM -> Desde o dia 11 de maio, quando abri processo no SEI, eu entrei muitas vezes em contato com a administração sem obter retorno. Tentei falar com o assessor do reitor, com o chefe de gabinete, com outros integrantes da administração para que me recebessem, para que alguém me dissesse alguma coisa. Eu pedi reconsideração apresentando laudos médicos, inclusive do profissional que me atendeu na cirurgia. Meus laudos não apontam invalidez permanente, apenas uma necessidade temporária de atestado médico.
Além disso, eu estou argumentando que mesmo com minha situação temporária de saúde, devido à cirurgia de emergência, eu sigo desempenhando um conjunto de atividades com conhecimento da reitoria. Por exemplo, cursos de extensão na universidade, totalizando mais de 150 horas sobre saúde e segurança no trabalho no conjunto da pandemia. Este são cursos através da Pró-reitoria de Extensão, homologados e com certificados. Sou membro eleito do CONSUN, ativo. Inclusive, fui reeleito no início do ano para a Comissão de Interação, Universidade e Sociedade do conselho. Aliás, hoje mesmo assinei um convênio, no âmbito desta comissão. É de conhecimento da administração isso. Além disso estou atuando no comitê covid-19 e em outra comissão também indicada em portaria do gabinete do Reitor, que é a comissão da IN65. Eu não parei de exercer essas atividades, mesmo em licença saúde.
No meu entendimento é estranho, a administração tem conhecimento, autoriza, te indica, te admite como capaz de assinar convênios, de assumir responsabilidades, promover cursos e atividades, como o relatório sobre reagentes tóxicos inflamáveis em 37 laboratórios. Eu sou o responsável técnico por isto. Não é possível que com tudo isso, com atestados médicos, com um conjunto de atividades que eu estou desenvolvendo, que eles digam que este cidadão é invalido. “Inválido” significa sem valor. É uma palavra ultrajante… mas no laudo consta “invalidez permanente”.
Pedimos reconsideração na junta médica, que ocorreu no dia 04 de junho e foi uma coisa horrível, novamente eles não fizeram nenhum tipo exame médico ou questionamento, não me indicaram nada, nem pediram exame, depois eu recebo pelo SEI que tinha sido mantida a minha aposentadoria por invalidez. É uma coisa surreal. Eu afirmo que é perseguição política porque apenas ontem (09 de junho) eu e a ASSUFRGS fomos chamados para reunir com a vice-reitoria, que segundo ela, dito por ela, “não sabia de nada”. Não tinha inclusive conhecimento do processo que abri lá atrás no SEI, dirigido ao gabinete do Reitor. Ela disse que ficou muito surpresa. Foi a única vez que alguém da administração mostrou interesse de saber o que está acontecendo.
AS: Em tantos anos de trabalho na Universidade, e na militância em defesa dos trabalhadores da UFRGS, tu lembras de alguma situação semelhante, de falta de transparência e negação de defesa em um processo de aposentadoria como agora tu vens enfrentando?
RM-> Depois deste pedido de consideração que foi negado eu tenho uma única outra alternativa, que é fazer um recurso. A PROGESP me mandou no dia 04 de junho um e-mail dizendo que tenho 30 dias para abrir o recurso. Mas curiosamente eu tento desde então entrar no sistema indicado, onde me é informado que o recurso não está disponível. Novamente silêncio por parte da reitoria, e já é dia 10 de junho. Só para ter noção da coisa…. Olha, a má vontade é clara, o que já rompe com os princípios da administração pública. Não atende a legislação, além da má gestão. Desde o primeiro dia eles foram muito ágeis para encaminhar a minha aposentadoria diretamente no sistema federal, nunca dialogaram comigo, até ontem quando a vice-reitora me chamou dizendo não saber de nada. Nunca me chamaram, mesmo eu tendo feito ligações, mandado mensagem por whatsapp, aberto processo SEI, ninguém veio falar comigo.
Perseguição na UFRGS já aconteceu muitas vezes, eu como integrante da coordenação em vários mandados sei que isso é comum. Inclusive, atuais coordenadores da ASSUFRGS, já sofreram ou sofrem ainda perseguições. Mas deste tamanho, assim olha, eu não lembro. De abrir um processo desta forma, desconsiderando os elementos subjetivos do processo, desconsiderando os princípios administrativos, desconsiderando a legislação. Eles que deveriam ter me procurado para saber se eu queria me aposentar, pra início de conversa, eles não quiseram conversar. Ninguém me procurou, se isso não é perseguição política, eu não sei o que que é, nessa vida de 32 anos de universidade.
AS -> Alguns movimentos da Universidade estão classificando a tua aposentadoria, imposta pela reitoria do interventor Carlos Bulhões, como “um novo tipo de expurgo”… Na tua opinião essa situação é consequência da intervenção do atual governo federal, ao impor Bulhões à reitoria?
RM -> Eu não estava na UFRGS na época que aconteceram os expurgos. mas comecei a fazer militância no fim da década de 70, ainda lá no interior. Minha geração viveu o golpe e intensamente vivemos e militamos na redemocratização de 78/79. Em 1984 fizemos a luta pela diretas e em 1988 construímos a constituição. Os expurgos são deste período duro do país. Dizer que estamos vivendo de alguma forma isso atualmente, não tenho dúvida, não é um exagero. O que o governo está fazendo, com essa negação na política, 120 milhões de pessoas com insegurança alimentar, mais de 40 milhões de pessoas sem relações de trabalho formalizadas. um governo que faz com que milhares de mortes estejam acontecendo, não só pela doença da covid-19. Dizer que hoje é um expurgo, não acho um exagero. Veja, não quero me colocar como aqueles que foram muito mais penalizados pelo regime militar. Mas quero dizer que a conjuntura hoje coloca um ambiente muito próximo do ambiente dos expurgos, onde as liberdades estão sendo tolhidas e as movimentações são determinadas por um poder que não tem compromisso com o povo, as condições do expurgo são muito próximas. Esse autoritarismo, não democracia, não diálogo.
A UFRGS vive hoje com uma administração que é tão ilegítima, como o Gerhard, lá em 88, o último da lista tríplice a ser escolhido reitor à época. Tivemos 32 anos depois a mesma coisa acontecendo, circunstancialmente com os mesmos no poder. Esta administração, no primeiro dia, fez mudanças na estrutura da UFRGS que não poderiam ter sido realizadas. O CONSUN, como instancia máxima da universidade, entendeu em ampla maioria que a administração tinha que retomar a posição original. Até hoje essa administração não cumpriu a decisão. Isso para mim dá o tom do momento que nós estamos vivendo na UFRGS. Vivendo uma realidade completamente contrária aos princípios que nos resgatamos lá em 1988.
AS -> Já que a administração toma esta atitude intransigente e autoritária, como tu está articulando a tua defesa, em que âmbitos e com quais apoios?
RM -> A gente não queria que nada disso tivesse acontecido. A gente queria que no dia 10 de maio, com a abertura do processo, tivesse sido aberto um diálogo com a administração central, para que ela viesse conversar conosco. Ressalto, ninguém da administração central nos procurou. O que a gente está fazendo agora é o mínimo que temos que fazer para nos defender. O sindicato tá junto, inclusive criou um GT para desenvolver isso comigo. Caminhamos em três vias, uma via jurídica para sustentar a questão do recurso, particularmente temos grande aliados como Tarso Genro, como Pedro Ruas e grandes outros nomes da nossa categoria também. Outra linha é a administrativa, onde encaminhamos todos os processo administrativos possíveis.
Tem ainda a linha politica. Botamos na rua esta denúncia na terça-feira (08 de junho) pois ficamos sabendo da não aceitação da nossa reconsideração. Agora, se for negado meu último recurso que será avaliado por uma junta médica indicada pelo governo federal, eles vão me demitir por invalidez. Conto com a Deputada Federal Fernanda Melchionna, que já entrou com requerimento na Câmara Federal. Na próxima semana nos vamos participar da comissão de educação da ALERS e na municipal da mesma forma. Contamos com o apoio das entidades e das pessoas. O carinho é muito legal, de toda comunidade universitária. As forças políticas estão apoiando, a FASUBRA e sindicatos nacionais e de outros estados. Este apoio nos sustenta, nos dá vigor, mas claro que dependeremos de uma correlação que hoje tem sido desfavorável, se dá ao direito de não dialogar. Nossa base, os servidores TAEs que têm feito carinhosas e solidárias manifestações. Impressionante a adesão dos docentes de toda ordem, os movimentos estudantis é muito legal. DCE, APG, diretórios…. estou tendo muito apoio. Isso é uma coisa que talvez seja reflexo de uma identidade que construímos ao longo de mais de 30 anos nesta universidade , coma honestidade com que a gente trabalhou. O que se nota é que há um respeito e uma consideração política e muitos amigos de toda a ordem de todos os setores. Agradeço também a solidariedade que vem do IFRS, o próprio Reitor conversou comigo, pois fiz parte do Conselho como representante da ASSUFRGS. Vem apoio da Unipampa e várias universidades.
AS -> Para fechar, uma mensagem final Rui, esta situação de clara perseguição a um importante nome da luta sindical… que alerta fica para a comunidade universitária e para a discussão em torno da democracia na UFRGS?
RM -> Eu não estou fazendo isso por mim, eu já podia me aposentar. O requisito para eu fazer isso era o apoio político e isso está vindo muito forte, muito intenso. Eu podia ir simplesmente pra casa, comer laranja debaixo do pé. Mas a gente não fez isso por entender que a classe trabalhadora como um todo tem que ser aquela que dá conta da direção deste país. Isso significa dizer que é necessário garantir a democracia que nós perdemos, precisamos resistir. Mais do que uma defesa burocrática, é uma defesa de vida. Tenho certeza que todos estes que estão se manifestando têm um entendimento muito claro que não é o Rui. é a democracia que nós estamos defendendo. Defendendo um estado que não seja só de direito, mas que seja um estado democrático. Um país onde mulheres e homens tenham seus direitos preservados. Só tem um jeito de fazer isso: a união da classe trabalhadora, a união de todes e todo o resgate de uma vida democrática.
Nós, enquanto classe trabalhadora, somos capazes de dar a direção, mas para isso precisamos estar juntos, unidos em torno da ASSUFRGS, em torno das nossas entidades comunitárias, dos movimentos populares e estudantis, para que se consiga resgatar um Estado que seja determinado pelo interesse do povo; que não seja pra mandar trilhões de reais para os bancos; que não seja para garantir interesses de uma elite, de um burguesia nojenta que não se importa com 120 milhões de pessoas em situação de fome. O recado é esse, temos que lutar por democracia na prática. Este país é nosso, nós a classe trabalhadora , não é dessa pequena minoria que detêm ao seu lado os militares e as forças policiais. não é deles!
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Diversos movimentos da comunidade da UFRGS e entidades da universidade já se manifestaram sobre a aposentadoria política do colega Rui Muniz, abaixo compilamos alguns dos posicionamentos até agora:
ANDES Seção Sindical UFRGS – Nota de solidariedade ao TAE Rui Muniz
TAEs da FABICO – Nota de apoio ao trabalhador Rui Muniz
CONSSAT – Carta Aberta à Comunidade da UFRGS
Coletivo Memória e Luta – Memorial dos 50 anos dos expurgos da UFRGS