Onda “anti-neoliberal”: Espanha revoga reforma trabalhista, Argentina estatiza energia e México deixa de exportar petróleo
Enquanto o Brasil enfrenta o Governo Bolsonaro e a política econômica de Paulo Guedes, amparada em privatizações que acabam com a soberania do país e reformas que retiram direitos dos trabalhadores, outros países realizam movimentos que corrigem erros que hoje são implementados por aqui. Recentes movimentos em diversos países da América Latina e do mundo revogaram medidas neoliberais que prejudicaram milhões de pessoas.
Espanha revoga Reforma Trabalhista que precarizou trabalho e não gerou emprego
A Espanha começa 2022 com nova legislação, que revoga os efeitos nocivos da reforma trabalhista de 2012. A mudança faz parte de negociação que envolveu empresas, sindicatos e partidos que compõem a coalização que dá suporte ao Partido Socialista Espanhol (Psoe).
A reforma trabalhista da Espanha de uma década atrás foi uma das “inspiradoras” da “reforma” feita no Brasil em 2017, sob o governo de Michel Temer. Lá como aqui, o pretexto de baratear as contratações para se criarem mais empregos fracassou. Isso porque, a principal consequência foi a precarização do trabalho e a criação de vagas mal remuneradas, com menos direitos e condições ruins de trabalho. Dez anos depois, a Espanha volta atrás.
O principal objetivo da nova reforma espanhola é acabar com abuso de contratações temporárias, que hoje responde por mais de um quarto das ocupações no país. A ideia é estimular a contratação por prazo indeterminado, que dão mais segurança aos trabalhadores e, portanto, à economia. Além disso, a nova regra extingue a chamada contratação “por obra ou serviço”, equivalente ao “trabalho intermitente” da reforma de Temer.
Argentina revoga privatizações da energia
Em junho passado, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, revogou as privatizações de empresas de energia e centrais térmicas promovidas pelo antecessor, Mauricio Macri (2015-2019).
O ato barrou a entrega ao setor privado de patrimônios públicos estratégicos como Dioxitek (produtora de insumos medicinais e energia nuclear), Transener e as termelétricas Manuel Belgran e San Martín (Timbúes), que a aliança de direita Vamos Mudar tentou implementar. Alguns desses processos se encontram sob investigação da Justiça argentina.
Segundo o jornal argentino Cronista Comercial as Centrais Elétricas Manuel Belgrano e Timbúes geram receitas de mais de 850 milhões de pesos (US$ 2 milhões) por mês. Parte desses recursos deveriam ser destinados à obra de uma termelétrica.
O decreto do governo argentino recuperou ainda a gestão da Integración Energética Argentina (ILEASA e ENARSA) na importação de gás da Bolívia. E apresentou garantias do Tesouro Nacional para a aquisição de gás natural da Bolívia, que Macri havia suspenso para afetar o então presidente Evo Morales.
Estatal mexicana promete 100% de petróleo para mercado interno
A estatal Petróleos Mexicanos (Pemex) anunciou como meta suspender suas exportações de petróleo cru até 2023 e destinar toda a sua produção ao consumo interno, informou seu diretor, Octavio Romero. Ao apresentar um programa para alcançar a autossuficiência energética, Romero explicou que a estratégia contempla uma redução das exportações de petróleo mexicano até 2022 para 435 mil barris por dia.
“Até 2023 e até 2024, praticamente toda a produção da Pemex será processada, será refinada”, disse o gerente, acompanhado do presidente Andrés Manuel López Obrador.
A capacidade de refino da Pemex aumentará com a entrada em operação da refinaria Dos Bocas, a mais importante obra de infraestrutura do governo López Obrador, iniciada em dezembro de 2018. O aumento também se deve à reabilitação das seis refinarias existentes e à incorporação do recém-adquirido Deer Park, com sede em Houston, Texas.
“Praticamente 100% do petróleo mexicano será refinado em nosso país para garantir o abastecimento de combustível”, explicou Romero. Ele indicou que a produção mexicana de petróleo se estabilizará em 2 milhões de barris por dia a partir de 2024, ante os atuais 1,75 milhão.
O governo López Obrador atua no sentido de fortalecer a estatal Pemex, cujas finanças se deterioraram nos últimos anos devido aos elevados e constantes repasses de recursos aos cofres oficiais, em meio à queda na produção de petróleo.
Em matéria de fertilizantes, a partir de 2022 serão investidos US$ 300 milhões para continuar com o processo de reabilitação das fábricas, com o objetivo de aumentar a contribuição de 24% para 49% da demanda nacional.
Derrota da direita no Chile e avanço da esquerda na América Latina
Gabriel Boric foi eleito presidente do Chile em dezembro de 2021. A vitória do ex-líder estudantil vem na esteira do processo de constituinte no país, iniciado nas manifestações de 2019, que aprovou em plebiscito enterrar de vez a constituição promulgada durante a ditadura militar de Augusto Pinochet (1973 – 1990).
Além de promessas importantes sobre os direitos das mulheres, as minorias LGBT+ e a descentralização administrativa, seu programa se concentra em quatro reformas: garantia de acesso universal à saúde, pensões decentes sem o sistema atual administrado por empresas privadas, um sistema educacional público gratuito e de qualidade e a priorização do meio ambiente.
Também são exemplos da onda “anti-neoliberal” na América Latina a derrota popular do golpe na Bolívia e a esmagadora vitória política e eleitoral de Evo Morales e do MAS, elegendo Luis Arce; a vitória em Honduras de Xiomara Castro, após 12 anos do golpe que destituiu o presidente Manuel Zelaya; a derrota na Argentina do neoliberal Mauricio Macri, pelos peronistas Alberto Fernández e Cristina Kirchner e a inesperada e bem-vinda vitória do professor Pedro Castillo no Peru.
Estatizações em alta na Europa e outros países
Esse movimento não é necessariamente recente. Uma pesquisa realizada em 2017 pela entidade holandesa Transnational Institute (TNI) identificou a ocorrência de pelo menos 884 casos de reestatização, entre os anos de 2000 e 2017. No total 835 empresas que haviam sido privatizadas foram remunicipalizadas e outras 49 foram renacionalizadas.
Segundo o mapeamento, a tendência se mostra mais forte na Europa, onde somente Alemanha e França respondem por 500 casos, mas é observada também em outros lugares do globo, como Japão, Argentina, Índia, Canadá e Estados Unidos. Um dos países de maior referência para o sistema capitalista, os EUA figuram na terceira posição do ranking, tendo registrado 67 reestatizações no período monitorado pela TNI.
A TNI aponta que, nesses lugares, a prestação dos serviços públicos sofreu alta no preço e queda na qualidade. Nesse sentido, a presidenta da Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Municipal nas Américas (Contram), Vilani Oliveira, afirma que a perspectiva neoliberal — que dá sustentação às privatizações — contrasta com o interesse público.