ARTIGO: A Pauta, a Conjuntura e a Negociação: O Cenário da Greve TAE, por Rui Muniz

A Pauta, a Conjuntura e a Negociação: O Cenário da Greve TAE 

Tensionado por uma conjuntura internacional belicista, consequência das  movimentações originadas pela geopolítica do poder mundial, o Brasil está submetido à  égide do financismo e controles do Banco de Compensações Internacionais, do Banco  Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Banco Mundial) e Fundo  Monetário Internacional. Como forma de construir políticas, o Governo reativa sua  participação no BRICS, buscando estabelecer uma alternativa de câmbio e valor de  moeda, independente do US Dólar, de forma a estabelecer uma cooperação econômica  capaz de apontar para um desenvolvimento econômico e social conjunto e  independente. Na América Latina, o Brasil não consegue alavancar o Mercosul como  alternativa local ao colonialismo vigente, sucumbindo em nível de economia à força do  conservadorismo instalado em estruturas de Estado classicamente de Direita e Liberais.  

Localmente, a conjuntura no país e do governo Lula, desde a superestrutura na  correlação com o Congresso até a sua própria composição ampla, fazem a  descaracterização do que se instala no Brasil enquanto alternativa de poder para a Classe  Trabalhadora, em que pese ser essa a única alternativa real colocada nas eleições de  2022. Essa descaracterização se coloca, como exemplo, na não existência de política para  o povo camponês, com a não instalação de um processo de Reforma Agrária, nem nas  cidades, tendo por consequência a violência nas cidades e no campo, que bateu recorde,  em acordo com a Comissão Pastoral da Terra em 2023: foram 2.203 conflitos, maior  número já registrado desde o início do monitoramento, em 1985, que demonstra a falta  de políticas de reforma agrária, sendo o Estado e as forças militares os principais  causadores de violência. De outra forma, na base à esquerda do governo, o Arcabouço  Fiscal, do ministro Haddad, causa o caos no Orçamento público, com o próprio Ministro  da Fazenda defendendo a alteração da Constituição, removendo conquistas históricas da  sociedade, inclusive quanto aos percentuais que devem ser destinados à Saúde e à  Educação. E isso se soma a manutenção do pagamento da chamada “Dívida Pública”,  que destrói em torno de 50% de tudo que é arrecadado no país na forma de impostos e  tributações à própria Classe Trabalhadora. E a realidade do Brasil não muda pela  inexistência de um projeto de desenvolvimento ecológico e que reverta a pobreza, pela  má distribuição de renda, o desemprego, onde dois terços de trabalhadoras e  trabalhadores têm relação informal de trabalho, e a fome, saneamento e água, por  exemplo, que são realidade e estão instaladas na vida do povo, em sua maioria. 

Nessa conjuntura, acontece a catástrofe desnatural que assola o Rio Grande do Sul, que  não é de responsabilidade da maioria de quem está sofrendo as consequências, mas dos  donos do dinheiro e empresas e de uma direita desumana, destruidora da vida, que está  aniquilando nosso planeta e o povo. 

A Greve do Setor da Educação – TAE 

Há 7 anos sem Greve, sem recompor a Relação de Trabalho de Servidores Federais, hoje  está colocada a necessidade do nosso Movimento Sindical apresentar as demandas ao  governo que elegemos e resgatar os Movimentos de Luta com essa nova geração de TAEs  Militantes que, destacadamente, juntes com a geração que sucede, tem Disciplina, 

Capacidade de Luta e Rebeldia que lembra as décadas de 80, quando na  redemocratização do Brasil a Classe Trabalhadora construiu o Partido dos Trabalhadores  (que entrou em metamorfose nos anos 90), a Central Única dos Trabalhadores, como  referência organizativa e estrutural para a Classe Trabalhadora; destaca-se, nessa Greve, novamente, parcela importante de Servidores jovens que se motivam pela Pauta Política e Direção de luta, Movimento Socialista e a Democracia Direta, armas de convencimento,  organização e conquistas para a Classe Trabalhadora. 

E a Greve do Setor da Educação acontece nesse cenário, e onde muitas das pautas estão  pendentes desde o primeiro governo de Lula, como a revogação do Decreto 1.590, possibilitando Turnos Contínuos de 30 horas, sequência de construção do Acordo  Coletivo de Servidores Públicos, que estamos discutindo desde 2005, a democratização  das Universidades com o fim do 70-15-15 nas eleições e representações e o fim da Lista  Tríplice e, mais recente, a redução de carga horária das profissões que já tem legislação,  como Assistentes Sociais, Intérpretes e Enfermagem, a redução de Adicionais  Ocupacionais, Saúde de Trabalhadores, entre outras pautas que não envolvem,  diretamente, Orçamento. 

Na Mesa de Negociação de TAE na Greve da Educação, quanto à Relação de Trabalho,  Carreira, Salário e benefícios, há questões centrais para ativos e aposentados: 

– Piso de 3 Salários Mínimos 

– Step de 5% 

– Organização dos cargos: Atribuições, Racionalização dos cargos vagos/a vagar,  – Níveis de Classificação e correlação salarial 

– Verticalização da Matriz Salarial 

– Progressões por Mérito 

– Progressões por Capacitação 

– Incentivo à qualificação 

– Reconhecimento de Saberes e Competências (RSC)  

– Benefícios 

E, na pauta, há a necessária recomposição das perdas inflacionárias relativas ao período  de 2016 a 2023, com o índice calculado de perdas pelo IPCA/IBGE no valor de 34,32%. 

Há a consciência das dificuldades ideológicas que vivemos no Brasil e as opções que a  Classe Trabalhadora foi levada a fazer na última eleição presidencial, que resultam nas  disputas internas que enfrentamos no debate e negociações da Greve com o governo, de Frente Ampla, de composição liberal, conservadora e fisiológica, que se submete às  políticas da Direita e dos capitalistas, que quer nos impor os limites impostos pelo  Arcabouço Fiscal. Mas é nesse cenário que não podemos retroceder a Luta da Categoria  e da Classe Trabalhadora: precisamos reafirmar que somos capazes de estabelecer

disputa que nos permita construir possibilidades de avanço, não abrindo mão de nossos  métodos, ratificando a Visão Marxista e de Luta de Classe, que nos referenciam e nos  alinham no ambiente de Servidores Públicos Federais. 

Precisamos afastar toda e qualquer compreensão que nos torne reféns e nos submeta e  conduza o Movimento de TAEs, a FASUBRA e o Movimento Sindical à rejeição da Pauta,  rebaixar a negociação, desconsiderar concepção e princípios e, muito menos, permitir  que a redução da Pauta na negociação seja definida sem a tão necessária Democracia  Direta na condução da Greve. 

Rebaixamento da Negociação, Avaliação de limite ou Intensão Determinada? 

Nossa Pauta Corporativa, quanto à Relação de Trabalho, Carreira e Salário, são  representados pelas 30 horas, Piso e Step da Carreira, referenciais de concepção, com  repercussão para toda a Base, são determinantes para a existência da nossa Greve mas também das funções das nossas Instituições, seja pelo fim das intervenções,  recuperação do orçamento, realização de concursos públicos para as IFEs, permanência  e inclusão de nossos Estudantes, mas também porque projetamos uma sociedade  humana e ecológica e democratização das Instituições. Essas são nossas marcas de  concepção original e histórica, que não podem ser retiradas, em qualquer momento das  Mesas de Negociação. 

Com relação à Pauta com repercussão financeira, a partir da síntese do material  construído pelo SINDIFES, temos as seguintes considerações: “o Ministro da Fazenda,  Fernando Haddad, vem mandando recados sobre os limites para reajustar e reestruturar  as carreiras dos servidores federais da educação. Sabemos que os tais limites estão  expressos no Arcabouço Fiscal, criado também por Fernando Haddad e Lula. 

Qual é o quadro financeiro do governo: 

– a despesa de Pessoal da União no ano de 2023 chegou a R$371,19 bilhões; – o crescimento da despesa está limitada a 2,5%, acrescida da inflação anual; 

– a inflação projetada para 2024, 2025 e 2026 é de 3,73%, 3,6% e 3,5%, respectivamente,  segundo último boletim Focus do Banco Central. 

Assim sendo, o crescimento das despesas de pessoal está limitado a 6,23% em 2024,  6,1% em 2025 e 6,0% em 2026. Portanto, em valores nominais, sabemos que a despesa  de pessoal poderá crescer um total de R$ 72,28 bilhões até 2026. 

Ao considerar a repercussão de nossa Pauta Corporativa, há hoje no PCCTAE perto de 225 mil Servidores (ativos, aposentados e pensionistas), 18,5% do total de Servidores  Federais, com uma despesa total, incluindo gastos não vinculados ao Vencimento Básico,  de R$ 1,75 bilhão no mês de fevereiro de 2024. Considerando que a despesa total para  o mês de fevereiro de 2024 foi de R$ 28,3 bilhões, mesmo sendo 18,5% dos servidores,  o PCCTAE custa 6,2 % das despesas de pessoal. Assim, é justo lutar para que mais de 12%  do crescimento projetado das despesas de pessoal pelo governo sejam investidos no  PCCTAE, que resultaria de 6,2% (o que é investido hoje) para 18,5% (o que se deveria 

investir, caso houvesse plena igualdade entre as Categorias). Portanto, a reestruturação  custará algo em torno de 9 bilhões até 2026.” 

Mas há um movimento paradoxal diferente, que se estabelece em 2 meses de Greve,  porque ao mesmo tempo que cresce com o tempo e reivindica e ratifica o que é central  para nosso movimento – negociação disciplinada da Pauta, Direção de luta e  Democracia, há também a burocratização da agenda e a não discussão da conjuntura,  da pauta, da política e da negociação na Direção da Greve. Essa dicotomia, imposta pela correlação de forças da Greve Nacional, se reflete em questões de concepção deixadas  de lado, como: 

– possibilidade de abrirmos mão da recomposição das perdas inflacionárias de 2016 a  2023, no valor de 34,32%, por 0 %, em 2024, 9% em janeiro/2025 e 3,5% em maio/2026 

– abandonar os 3 Salários Mínimos como Piso da Carreira e a mudança do Step de 3,9  para 5%; 

– O percentual de correlação de 40% para as classes A e B, assim como de 60% para as  classes C e D, em relação ao Piso da classe E, é foco de fortes divergências e discussões  na Categoria, porque desestruturou a concepção de Carreira quando retirou o Padrão  A1 como referência, fragilizando ainda mais os Cargos e a Relação de Trabalho dos  ocupantes dos Níveis A, B, C e D e a isonomia de tratamento entre os níveis; essa  mudança insere diferença de valor entre Servidores. Mas há de se compreender que o  desmonte da Carreira está também colocado pelas sucessivas reformas da Previdência  de Servidores ao longo das administrações da Frente Popular; portanto, Previdência  deveria ser eixo de nossa Greve, também; 

– a proposta que está se apresentando com grande risco é que o RSC seja admitido apenas para Servidores da Ativa e que seja considerada como IQ, o que novamente  penaliza em grande parte as possibilidades para reconhecimento de Saberes para  Servidores com Cargos nos níveis A, B, C e D. 

Abrir mão dessas questões centrais, na negociação, retira de pauta questões originais  como piso, step, isonomia de tratamento e reposição de perdas de todos os níveis em  nome de negociação, o que nos fragiliza, enquanto Trabalhadores e Servidores das IFEs. 

E há questões institucionais que não podemos abrir mão, que precisam ser mantidas na  negociação sem flexibilizações, como as relativas à não Destituição de Reitores  Interventores e garantia de Democracia nas Universidade, como admissão da Paridade  na eleição da Administração das Universidades, como na UFRGS, que ficaram ainda mais  fragilizadas com o Ofício do MEC, emitido em janeiro, que ratifica a não autonomia e  democracia nas Universidades. 

Chama a atenção, ainda, a tentativa escancarada de intervenções de Forças Políticas de  violar a soberania dos Sindicatos de Base da FASUBRA, ou de silenciar, ignorar propostas  da Base, em qualquer tempo, no entendimento que instâncias, CNG ou DN, são maiores  que as posições das bases, negando-se a considerar propostas e análises construídas nas  realidades locais do Movimento; além disso, há posições que desconhecem pautas e que  não querem discutir conjuntura, estratégia e política de negociação dentro do CNG.

Impressões a partir de diálogos 

A partir do acompanhamento das negociações de forma mais próxima, ficaram  destacadas algumas posições do Movimento e das posturas do Governo e Congresso,  que em síntese nos permite fazer as seguintes caracterizações. 

Com relação ao Movimento 

– verificou-se no debate nacional da Greve, no CNG, não existia Política de Negociação  aos 50 dias de Greve, que fosse capaz de desenvolver análise de cenários, correlação de  forças, disponibilidade orçamentária e estudos de impactos financeiros; nesse sentido,  no CNG, conseguimos criar proposta para tanto, mas que deve ter sido dissolvido  naturalmente, após nossa saída; 

– a dificuldade de discernir Carreira (pauta entendida como central majoritariamente) de  Relação de Trabalho, em uma visão de atendimento das necessidades humanas,  capacidades e limites individuais e de lazer, que seja mais ampla e atenda, enquanto  Servidores, a diferentes abordagens como Gestão do Trabalho, Organização do Trabalho,  Carreira, Saúde e Segurança, Condições Ambientais e de Conforto, Salário, Benefícios,  entre outros, faz com que tenhamos dificuldades de intervir de forma estratégica na  negociação; 

– conforme reunião no CNG, Coordenador Jurídico da FASUBRA, em reunião do Grupo  de discussão sobre Conjuntura e Política de Negociação que propusemos, interviu  dizendo que a CNSC só se manifestaria sobre cenários se chamada e só mostraria  informações apresentadas pelo governo se solicitada pela FASUBRA, já que teria  assumido o compromisso de não abrir essas informações. Depreende-se que deve estar  relacionadas a questões orçamentárias, repercussão da opção de políticas financeiras e  fiscais do Governo; 

– o que chamou muito a atenção foi o desconhecimento e a consequente falta de debate  sobre o Projeto Universidade Cidadã para os Trabalhadores, referencial para a  Federação, o que dificulta em muito a intervenção e a compreensão do papel e das  funções dos TAEs nas IFEs. 

Com relação ao Governo 

Nas reuniões que participamos e contatos feitos, foi percebido que: 

– o Ministro Fernando Hadad, Ministro da Fazenda, está pautado, enquanto  administrador, no limite fiscal permitido pelo Arcabouço que criou, e com os  compromissos com instituições financeiras e empresas de capital e fabril,  aparentemente dissociado das políticas públicas que o Governo deveria “investir”; 

– a Ministra Esther Dweck, Ministra do Gestão e Inovação em Serviços Públicos, liberal  na visão de Estado e com concepção de serviço público como prestador de serviços a  serem gerenciados por produção e custo, limita-se a “boa” administração, claramente  sem compromissos políticos populares e sociais que o governo assumiu com o povo na  sua eleição; 

– a SESU aparenta estar inibida politicamente, presa a pareceres de CONJUR e CGU,  limitada pelo engessamento da gestão na burocracia do poder central, seja pela  composição do governo e seus conflitos internos, como parte do Governo que está na  defensiva e com receio de ser cobrado pela direita. Pela conversa na SESU, dia 08 de 

maio, a proposta de reajuste será praticamente a mesma parcelada e bem abaixo,  acrescida de questões relativas à carreira, mas a proposta será rebaixada. Assim,  pequena parte estratégica da Pauta será atendida, mesmo com relação à carreira e,  menos ainda sobre questões de Relação de Trabalho (Gestão, Organização do Trabalho,  SST, 30 horas…) e Institucionais (Democracia, fim do 70-15-15, fim da Lista Tríplice,  Concursos exclusivos para as IFE…); 

O que na conjuntura está apontado é que a SESU é o melhor canal de interlocução, por  ser uma das únicas instâncias do Governo capaz de dialogar na política para as IFEs,  diferente da Fazenda e MGI; 

Com relação aos Parlamentares 

Os Parlamentares, base do Governo, secundarizam a Greve em detrimento às disputas  alinhadas à sustentação do governo para a melhor atuação, em uma correlação de forças muito desfavorável no Legislativo. 

De forma mais ampla, tanto o Movimento quanto o Governo demonstraram uma  aparente inexistência de visão e de construções sobre como deve ser estabelecida a  Relação de Trabalho no Serviço Público e, particularmente, nas IFEs. 

Propostas para a Greve 

– o canal de Negociação da FASUBRA deve ter como referencial a SESU, politicamente  mais alinhada às pautas das IFEs e também aos compromissos sociais e populares do  Governo; 

– indicar ao CNG a posição de manutenção integral da Pauta, originalmente construída,  sendo seu conteúdo colocado para negociação simultaneamente, ponderando pautas  Institucionais, de Relação de Trabalho e de Carreira, ao mesmo tempo, de forma  estratégica quanto a resolutividade da Pauta e efetividade da Greve. 

Na defesa da FASUBRA Democrática, representante dos TAE, com avaliação permanente da conjuntura e construções de cenários para estabelecer uma política  objetiva de negociação na Greve, sem rebaixar nossa Pauta de Defesa das IFE Democráticas e Autônomas, Relação de Trabalho, Carreira e Salário justos. 

Porto Alegre, 16 de maio 

Rui Muniz / Delegado pela ASSUFRGS Sindicato no CNG no período de 29 de abril a 10  de maio de 2024.

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*As opiniões emitidas nos artigos publicados no site da ASSUFRGS expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento do conjunto da base do sindicato, do Comando Local de Greve e de demais delegados eleitos ao CNG”