Artigo – Envoltório Ideológico 1: o Reconhecimento
Por Rui Muniz
No livro “A mãe”, Gorki, os revolucionários exigiam acompanhar o caixão do companheiro torturado e morto; no mesmo momento se pronunciavam os que queriam uma concessão, os que admitiam funerais silenciosos, covardemente, traindo a classe trabalhadora.
A continuação do passado não poderá mais formar o futuro, principalmente para os povos sacrificados pelo sistema desumano que vivemos. Os Estados e seus donos do poder estão ocupados com seus problemas, não se importando se as crianças em pobreza, por exemplo, são em maior número que suas populações; e o futuro, para esses, torna-se elemento de projeções de negócios e investimentos.
A violência contra os povos “colonizados” pelos países ricos, é um horror: crianças mortas, homens e mulheres sacrificados pela falta de dinheiro para suas necessidades, idosos sem a dignidade da morte saudável. É o desmonte da natureza em equilíbrio, solo, subsolo e seus frutos de vida.
E são as armas e a fome que nos forçam a resignação, são lares destruídos e a seca e a chuva, e na lama nos afogamos nos descartes do sistema. É o desastre humano, as barragens que destroem a vida, a mudança dos cursos dos rios, a terra degradada e a mata devastada, tudo pelo lucro, tudo para o sistema.
E as causas, na formalidade da ordem, forjam nacionalismos demagógicos, que manipulam manifestações acomodadas em esperanças de eleições, e esse é o limite.
E as militâncias, deslocadas em paixões e reducionismos de estratégias e políticas, ignoram as compreensões marxistas e revolucionárias e se tornam braços do próprio sistema em sua superestrutura; e se acomodam nas diferenças, nas dificuldades elaborativas, nas impossibilidades organizativas e na falta do dinheiro, necessário no sistema.
E os dogmatismos do povo, de forma compreensível, são alternativas consumidas na crença de extensão da vida, em morte, na justiça universal da vida, responsabilizando o existencial etéreo, na própria incapacidade humana da mudança, aceitando que o futuro melhor só é possível na divindade subjetiva.
E é negada a natureza da indignação, pelo humano e pelo aceitável existencial, na sua miséria, fome, doença… E isso é apropriado como violência… não, isso não é a violência que se contrapõe à violência do Estado, é a violência crua, é a violência a própria vida conduzida pelo desespero ao enfrentamento.
E o mundo do capital não se incomoda com isso, porque são apenas catástrofes naturais, humanas, localizadas, e não afetam a humanidade admitida, nem a vida humana e ecológica como concebem.
E a palavra usada, pelas contradições do sistema e governos, é “desenvolvimento”. Esse termo é “cômodo” por ser “apropriado”, “sério”, “otimista” e “aceitável”, com a intenção de “crescimento” e “florescimento” de culturas e nações, ignorando os processos da natureza, tornando insuportável a vida.
E tudo isso sustentado pelo romantismo e racionalismo oriundo das concepções do equilíbrio dos liberais que, na visão desses abutres da vida, se sustenta nas forças libertadoras dos interesses coletivos, movidas pelos objetivos individuais, capazes de causar e acelerar esse desenvolvimento, pelo progresso próprio, individual, que destrói as estruturas coletivas e de equilíbrio e de segurança social.
E o termo mais apropriado para compreensão, por nós, é que essa concepção de vida, do sistema, é ideológica. Mas isso muitos de nós não estão dispostos a admitir, tampouco com vontade ou capazes de criar estratégias e lugares para contrapor a essas premissas ideológicas que nos impedem de romper e estabelecer uma nova ordem: a ideologia da vida e da humanidade em seus valores coletivos.
E os colonizadores, em sua concepção selvagem, não precisam de equilíbrio em seu projeto ideológico de desenvolvimento, admitindo a destruição dos povos e da ecologia, da forma violenta que atuam desde o sistema da economia mundial ao solo pátrio dos povos explorados; não se importam, não há contradições entre riqueza e pobreza, distantes que estão da necessidade coletiva, orgânica da natureza ecológica.
E a ciência, a técnica e a economia são elementos e substância da dinâmica imposta pela ideologia assassina, que resulta, para a maioria dos povos, em pessoas sob julgo, numa adaptação penosa à miséria da intervenção dos dominantes, destruidores da autodeterminação e cultura nativa dos povos.
Como bem coloca Florestan Fernandes, em Classe e Nação, uma característica geral da política e de exercício de poder das elites em nossos países latino-americanos, colônias do imperialismo, para garantir seu modelo de vida e desenvolvimento, diz respeito à dominação e hegemonia: “É claro que a burguesia se transforma em classe dominante. Por sua força social, econômica, política e cultural, e fortalecendo-se com a aliança da burguesia estrangeira, ela se torna a classe dominante. Polariza, inclusive, setores da classe média, intelectuais, altas hierarquias militares e religiosas. Em geral, coloca-se com o um elo importante, ou principal, no bloco de poder. Tanto assim que o governo é exercido por funcionários, técnicos, políticos profissionais, civis, militares, assessores, estrangeiros oriundos dos diferentes grupos e classes que compõem o bloco de poder. E sempre de acordo com a economia capitalista, conforme as condições e combinações da época e ocasião: economia primária exportadora, ou enclave; industrialização substitutiva de importações; associação de capitas, ou joint venturas. No âmbito de bloco de poder, a burguesia pode continuar como uma classe dominante sem ser necessariamente a governante. Mas não é dirigente. Uma característica principal da revolução burguesa na América Latina é a dominação sem hegemonia. Em geral, a burguesia alcança a dominação pela força da violência e não pela eficácia da persuasão. Raramente consegue falar à nação, ao povo como uma coletividade de cidadãos. São poucos os setores da sociedade, além dos próprios componentes do bloco de poder, solidários com sua proposta ou projeto de classe. Por isso o poder estatal, sob a sua influência, não é capaz de exercer uma tarefa pedagógica mais ampla, convincente, aceitável por trabalhadores da cidade e campo. O Estado não aparece à sociedade civil como espelho da sociedade civil. Não esconde nem limita de modo efetivo o compromisso de classe que o constitui. Daí a escassa ressonância da proposta burguesa no âmbito do povo, compreendendo operários, mineiros, camponeses, empregados e outras categorias sociais. Povo que é, ao mesmo tempo, indígena, mestiço, negro, mulato, branco. São várias as singularidades da sociedade civil que não encontram qualquer reflexo no Estado. A burguesia dominante exercesse o seu mando através de um poder estatal que pouco espelha os setores mais amplos da sociedade civil. É dominante, mas não dirigente, hegemônico. Limita-se a dominação pela força da violência. Como não absorve ou interpreta os movimentos da sociedade, não chega à eficácia da persuasão, educação. Não compreende a sociedade civil a não ser como espaço do mercado.”
A intenção, na sequência de reflexões curtas que serão apresentadas nas próximas publicações, é contribuir na compreensão e construção de políticas para enfrentar o que vivemos de submissões ideológicas e apontar para as opções que precisaremos adotar para termos um futuro para a humanidade, um verdadeiro mundo necessário e possível para a vida. Portanto, a proposta é provocar e incomodar a condição de acomodação, para estabelecermos a crítica necessária para a construção do mundo novo, para a continuidade da vida e da humanidade. Não há possibilidade de prosseguir absorvendo o processo civilizatório dos poderosos e os padrões ideológicos que nos limitam: é tarefa nossa fazer algo a respeito.
Pelo Fim do Genocídio, pela Desocupação dos Territórios Ocupados e em Defesa do Estado Palestino. São 75 anos de terrorismo de Estado de Israel contra os Palestinos, assassinatos e cárcere a céu aberto.
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*Este é o primeiro de uma série de quatro artigos que serão publicados semanalmente nas terças-feiras.
**Este é um conteúdo opinativo e não necessariamente representa o pensamento da ASSUFRGS Sindicato