Artigo – Envoltório Ideológico 3: Nossos Referenciais
Por Rui Muniz
A visão que temos da realidade é distorcida, no mínimo confundida, com as movimentações ideológicas adotadas pelos capitalistas, dificultando a consciência e construções críticas sobre os valores e modelos de sociedade e desenvolvimento garantidos pelo Estado capitalista e seus governos. Ao invés de possibilitar processos de crescimento social justo e equilibrado socialmente para recuperar o que já foi destruído em nível social, econômico e demográfico, não enfrenta e combate as diferenças, particularmente quanto à renda e a condições e ambientes de vida.
Não há desenvolvimento humano real nas políticas chamadas de autossustentáveis, pelos capitalistas. O sistema econômico não tolera restrições à industrialização e a consequente exploração humana e a expropriação do meio ambiente, que acontece em nome da necessidade de investimentos privados; a industrialização, irresponsável em seus investimentos, não tolera que não seja acompanhada pelos avanços tecnológicos, indiferente aos impactos sociais e ecológicos, desde que garanta capacidade de competição de mercado para sua produção. Não importa, para os donos do desenvolvimento, se o crescimento da sua produção está associado a endividamentos econômicos, sociais e ambiental, sendo essa a realidade dos chamados povos pobres, “em desenvolvimento”. Nesse caso, a ideologia capitalista atua na consolidação do sonho e do desejo, mesmo que o sacrifício para a realização não aconteça.
E os resultados desse modelo de desenvolvimento, para essas nações, para o povo, também não contribuem no enfrentamento a impactos no meio ambiente, como a erosão do solo, o desflorestamento, a poluição do ar e da água, consequência da ocupação depredadora da terra e da urbanização destruidora da vida humana. Vivemos o desequilíbrio ecológico: são pragas, resultado de venenos e insumos, a poluição cada vez mais perigosa.
E o modelo de desenvolvimento, sustentado pelas necessidades das finanças, desconhecem os impactos degradantes em vastas regiões nos campos, alterando culturas e modos de produção e vida, promovendo concentrações de habitação desequilibrada em saneamento… e as empresas desconhecem regulamentos de proteção de meio ambiente; impõem o desrespeito aos limites da biosfera; e aumenta a temperatura da Terra, e acontecem mudanças climáticas catastróficas.
Há mais de 50 anos, em outubro de 1970, as Nações Unidas emitiu o “Documento Estratégico”, em uma iniciativa de controlar o modelo capitalista de desenvolvimento, mas desconsiderou os valores que o sistema não abre mão e o fato de que somente a partir da ruptura com a ideologia burguesa conseguiríamos romper com as ideias que sustentam o poder econômico da classe dominante e seu modelo de desenvolvimento.
Abre-se, de forma objetiva, a necessidade do debate sobre a realidade e a ideia que temos sobre ela, que somente pode acontecer se nos referenciarmos por entendimentos dos valores exaltados pelo sistema e seu modelo de desenvolvimento, partindo da compreensão filosófica da materialidade da realidade, das dinâmicas dos sistemas econômico e financeiro de reprodução do capital, e das alternativas enquanto modelo de relações sociais e de desenvolvimento.
A questão central é que nós temos referencial, o referencial do Marxismo, enquanto concepção e método, que ao mesmo tempo compreende a formulação do modelo desenvolvimento imposto pelos capitalistas e contribui para a análise do sistema, também nega e aponta direção de como enfrentar isso. Nesse sentido, então, obviamente somos capazes de construir uma explicação científica que pode se transformar realmente em políticas que movimentarão as pessoas e a classe trabalhadora no que diz respeito à compreensão dessa disputa entre como entendemos a realidade, como ela se manifesta e como que nós podemos atuar em cima dela e enfrentar esse modelo desenvolvimento, a partir do mundo do trabalho, onde a classe pode desalienar ao mesmo tempo que produzindo e produzindo-se.
Mas, para isso, nós precisamos ter uma visão teórica para chegar à prática, que nos conduza a uma interpretação mais radical sobre o modo capitalista de produção; então, precisamos ter condições preliminares, partindo da teoria marxista, teoria crítica radical da sociedade, para podermos ter entendimento sobre a compreensão do pensamento humano e, com isso, desvendar e atribuir uma verdade objetiva sobre uma questão da vida, inclusive tendo essa compreensão teórica subsidiando a leitura prática. Essa prática é a lógica que nos leva a demonstrar a verdade, que não é a realidade que nos é apresentada, mas à compreensão das ideias que o sistema quer que tenhamos como verdades.
O que é importante termos por base, por princípio, é que esse modelo desenvolvimento e essa exploração, é um modelo que não existia, já tivemos na humanidade relações que eram relações comunitárias onde o fruto do trabalho, dos membros das comunidades, eram repartidos conforme as necessidades de cada um; não tinha relação de exploração, não existia exploração para poder sobreviver. A exploração não é algo eterno, nem tem uma origem histórica determinada; o que nós entendemos e precisamos ter por referência para lutar é que isso precisa deixar de existir, que isso desapareça, que essa propriedade privada e que a exploração deixe em desistir e que se imponha, isso sim, as necessidades do Povo, as necessidades sociais como determinantes das necessidades de produção e não o contrário: as necessidades de produção serem mais importantes que as necessidades do povo.
Mas não podemos ficar absorvidos pelas teorias, porque não serão capazes de mudar a forma como as pessoas têm o seu entendimento; nós precisamos de mais experiências políticas práticas, a classe trabalhadora é sensível, ela muda, movimenta-se com essa coisa da vivência prática, com o exercício da política, da política efetiva, da política que movimenta e opera, da política que transforma o campo, que transforma as relações na cidade, porque tem uma distância muito grande em tudo isso, entre aquilo que a gente pode conceber sob o ponto de vista de teoria e aquilo que se pode aprender na ação, na apropriação da realidade. O que a gente tem que pensar sempre é que esse enfrentamento contra esse modelo desenvolvimento, contra esse modelo de exploração, ele vai ser tremendamente enriquecido pela ação, a partir de um conceito estratégico que é a democracia.
Leia os demais artigos relacionados:
Artigo – Envoltório Ideológico 1: o Reconhecimento
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