Artigo – A educação pública municipal de Porto Alegre na atualidade
Por Liliane Ferrari Giordani e César Rolim
“Só existirá Democracia no Brasil no dia em que se montar no País a máquina que prepara a Democracia. Essa máquina é da Escola Pública” (Anísio Teixeira).
“A Escola Pública deve ser uma Escola Cidadã, uma escola de comunidade, de companheirismo. É uma escola de produção comum do saber e da liberdade. É uma escola que vive a experiência tensa da democracia” (Paulo Freire – Pedagogia da autonomia).
A cidade de Porto Alegre, que já foi uma referência internacional da educação pública, da democracia, da cidadania, do protagonismo e da participação popular, hoje é uma cidade entristecida, com seus serviços públicos precarizados e mal cuidada. Vivemos a devastação deixada pela crise socioambiental que segue com suas marcas em cada vida afetada, nos mais diversos bairros da capital gaúcha. Nossas escolas públicas municipais, representadas na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RME/POA), muitas ainda, não recuperadas em sua plenitude, sentem o resultado do descaso, desvalorização e da precarização dos salários e condições de trabalho dos(as) trabalhadores(as). Os índices do IDEB são uma consequência direta do baixo investimento, das aquisições de materiais sem demanda real das escolas, das estruturas físicas abandonadas, da ausência de formação continuada de educadoras(es) e das perdas salariais acumuladas em cerca de 30% de todo o serviço público municipal.
O atual prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, aplicou na RME/POA em 2023, somente 16,29% do orçamento, o que, nem de longe, atende o percentual previsto em lei, pois a Constituição Federal determina a aplicação de, no mínimo, 25% de receita resultante de impostos em manutenção e desenvolvimento do ensino. Em 2024, temos mais de 10 mil crianças sem vaga na Educação Infantil, situação que fere os direitos das crianças e das mulheres que necessitam trabalhar e não têm um espaço adequado para seus filhos e filhas. Em relação à Educação de Jovens e Adultos (EJA) ocorre um gradativo desmonte a partir da ausência de divulgação e chamada pública por matrículas, tarefa da prefeitura municipal, pois sabemos que existe uma demanda de milhares de pessoas que não concluíram o Ensino Fundamental nas dezenas de comunidades onde existem escolas que oferecem essa modalidade de ensino.
Melo desrespeita a Constituição, gerenciando mal os recursos, exemplo disso são as denúncias de corrupção na sua gestão, com, inclusive, a detenção da ex-secretária da Educação do seu governo. No entanto, insiste em afirmar nos debates públicos que: “o povo não quer saber de ideologia, quer saber de quem tapa o buraco”. Não, senhor prefeito! Ser um bom gestor de uma cidade requer, além das ações de zeladoria, uma visão de mundo, uma forma de enxergar e conduzir uma cidade e não existe nada mais ideológico do que isso. Aliás, algumas das características ideológicas do atual prefeito, bem como de seu antecessor Marchezan Júnior, é o neoliberalismo (a partir das parceirizações, terceirizações, privatizações) que promove o desmonte da máquina pública, o negacionismo climático e a transferência de responsabilidades onde as tão festejadas “parcerias”, nada mais são do que delegar ao poder econômico, responsabilidades que cabem a quem foi eleito para governar.
Precisamos debater e apresentar para a sociedade, o risco que corremos quando se tem a ausência de comprometimento do Estado com os processos de escolarização, com a formação e qualificação de professoras(es) e com a avaliação transparente dos processos inclusivos. Para tal, a efetivação das condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem constituem a diretriz política e ideológica, com a qual se sustenta a educação como direito subjetivo universal, previsto pela Constituição Federal.
Além disso, o prefeito desempenha papel preponderante na promoção das diretrizes políticas e na ampliação do debate político-pedagógico. Em muitos espaços, por meio da figura do gestor mobilizam-se os tensionamentos políticos, éticos e os princípios legais que respaldam a efetivação do direito ao acesso à educação pública de qualidade. Portanto, além da docência, a gestão é determinante para a realização nas proposições políticas e educacionais, como espaço de potência para a educação de todas as pessoas, sem exceção!
Em algumas situações as marcas geradas por um discurso “da não aprendizagem” traz como resultado uma excessiva preocupação por parte de professoras(es) na medida em que as(os) estudantes avançam nas etapas da escolarização. Pode-se afirmar que a proposição de uma educação plural e democrática com seus desdobramentos político-pedagógicos ainda precisam avançar muito na construção de um cenário educacional brasileiro que permita o acesso universal.
Uma política educacional precisa estar pautada na garantia do direito à educação pública, no acesso e permanência dos sujeitos nos espaços escolares que ofertam o pertencimento e na construção dos processos de aprendizagem oferecendo equidade, ou seja, a oferta do que cada pessoa necessita para construção de sua aprendizagem. Implementar programas de formação continuada para todas(os) profissionais da educação, com foco em práticas pedagógicas que considerem o desenho universal da aprendizagem como um princípio.
A proposta para uma Escola Plural e Cidadã se firma nos processos relacionais, nas práticas de afirmação da diferença política, dos tempos e dos modos de aprender de cada sujeito, da pluralidade e da singularidade, de movimentos, tensionamentos e de (re)significações do fazer pedagógico. A experiência nos ensina que as instituições educacionais e seus profissionais, independentemente de suas configurações, ampliam seu repertório pedagógico ao trabalharem de forma colaborativa e corresponsável quando a gestão pública é séria e responsável e ideologicamente comprometida com os interesses da sociedade.
Nas gestões da administração popular (1989-2004), Porto Alegre obteve os melhores índices em qualidade da educação com a sua Rede Municipal de Ensino valorizada. A capital gaúcha foi referência de gestão democrática com ampla participação dos Conselhos Escolares e, portanto, das comunidades onde as escolas estão inseridas. Que possamos voltar a chamar nossas escolas públicas de Porto Alegre de Escola Cidadã, coerente com a liberdade, como aponta Paulo Freire, coerente com o seu discurso formador, libertador, cidadã na medida mesma em que se exercita na construção da cidadania de quem usa o seu espaço. Logo, não temos mais tempo para perder! É urgente, retomar o direito pleno de estudantes e trabalhadoras(es) em educação de voltar a acreditar na importância fundamental e no caráter transformador da Educação na vida das pessoas.
Diferente do pensamento ideológico do atual prefeito, que acredita que a Educação e as demais áreas dos serviços e espaços públicos são um grande balcão de negócios, o campo da esquerda tem defendido que a escola pode e deve ser um local de pleno saber, de reflexão crítica, de diálogos, de compartilhamentos, de inclusão e acolhimento, representada por uma educação pública, plural, com caráter popular e participativa. Porto Alegre precisa trazer de volta a sua educação pública, com a valorização da sua Rede Municipal de Ensino, que já teve um reconhecimento internacional, para as páginas de publicações acadêmicas e deixar para trás as páginas policiais.
Liliane Ferrari Giordani é Diretora e Professora da Faculdade de Educação da UFRGS. César Rolim é Professor da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre e servidor técnico-administrativo na UFRGS.
*Este é um conteúdo opinativo e não necessariamente representa o pensamento da ASSUFRGS Sindicato
Artigo previamente publicado no Sul21.
Foto: Luiza Castro