O ensino de história diante de golpes de Estado e ditaduras
Vicente Schneider, César Rolim, Marco Mello
Professores de História na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RME/POA)
e integrantes do CPHIS – Coletivo de Profs. de História da RME/POA.
Na próxima sexta-feira, 22 de novembro, o CPHIS (Coletivo de Professores(as) de História da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre), participará do Seminário Nacional “60 anos do Golpe de Estado de 1964 – Memória, Verdade, Justiça e Reparação”, na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre (RS) promovido pelo ANDES-SN (Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior – Sindicato Nacional).
O evento, programado inicialmente para acontecer em maio, foi transferido em função da catástrofe socioambiental e da má gestão pública que afetou severamente o estado, e acontece em um momento histórico de fundamental importância para a democracia brasileira, diante dos atos golpistas recentes e de um passado recente que deixaram estarrecida a sociedade brasileira.
O projeto de morte da extrema-direita golpista: do homem-bomba ao plano de assassinato do Presidente da República, do Vice e de Ministro do STF
Durante o período de Bolsonaro na presidência da República vivenciamos a aplicação de um projeto político-econômico, liderado pela extrema-direita, que buscou, entre outras ações de necropolítica, o silenciamento e revisionismo em relação à memória e história da ditadura civil-empresarial. Ao utilizar as redes sociais como estratégia de engajamento e mobilização, essa extrema-direita com viés neofascista e ultraliberal estimulou o surgimento de um arcabouço de ideias de absoluto descrédito na democracia e instituições. Desde os acampamentos em frente aos quartéis, antes da posse, passando pelos ataques terroristas do 8 de janeiro de 2023, até nas últimas semanas o homem-bomba de SC e a descoberta do plano de assassinato de Lula, Alckimin e Alexandre de Moraes, todas essas ações têm como inspiração a deslegitimação da democracia e a crença de que uma ditadura empresarial-militar, com o seu projeto antipovo, pode ser a solução para possíveis problemas socioeconômicos.
Eles ainda estão aqui
Tal iniciativa se reveste de um importante significado diante de um cenário preocupante no âmbito local, na capital do estado do RS. A coalizão vencedora das
eleições municipais e que governará Porto Alegre a partir de 2025, terá Sebastião Melo (MDB), reeleito, e Betina Worn (PL) – uma ilustre desconhecida, militar, bolsonarista declarada e, especula-se, possa ficar no lugar de Melo, se houver mudança no tabuleiro e ele se candidatar a Governador em 2026. Betina é apadrinhada pelo Deputado Federal e tenente-coronel Zucco, também do Partido Liberal e expressão maior da sanha fascista no estado, que emplacou nos últimos dias a indicação do novo secretário de educação, o atual Prefeito de Esteio, Leonardo Pascoal – que, a julgar pelo seu histórico, tende a aprofundar a
agenda do gerencialismo tecnicista, obcecado pelos resultados nos testes de avaliação, ampliar as privatização da educação, mudar as regras de eleição para a eleição das direções das escolas, apostilar a organização dos currículos e intensificar as tentativas de controle do trabalho docente.
Tramita na Câmara Municipal de Vereadores desde 2022 o Projeto de Lei (PL) de parlamentar de direita que fere a liberdade de ensino e de cátedra e tenciona implementar a censura nas escolas. A proposta é considerada inconstitucional pela Justiça em diversos municípios e estados e a bancada de partidos de oposição e o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (SIMPA) tem envidado esforços para barrar a iniciativa. Mas ela ganha relevo diante da conjuntura. Eles estão aqui – os militares – e muito mais perto do que se poderia imaginar, o que significa que 2025 será um ano de muita luta para a cidadania ativa e em especial para os servidores públicos e às organizações de nossa classe.
Escola Sem Mordaça
A defesa do direito à educação pública, democrática, laica e de qualidade socialmente referenciada é um dos pilares fundamentais para que se assegure não apenas um direito humano fundamental para a efetivação da cidadania. Ela é geradora de novos direitos potenciais, algo crucial em um país com tantas assimetrias e desigualdades sociais. Em nossas agendas, não podemos descurar de um duplo compromisso, que é indissociável, a defesa da escola pública popular e da liberdade de ensino dos(das) docentes. Assume destaque nesses tempos difíceis a existência da Escola Sem Mordaça, que ensine às novas gerações o que foi a atrocidade da ditadura empresarial militar que, a partir de um golpe de Estado, durante 21 anos tolheu as liberdades democráticas, semeou o
medo, perseguiu seus opositores, censurou a imprensa e à livre organização na sociedade, expurgou, torturou e matou centenas em nome de uma suposta “liberdade” e do “anticomunismo”. Para ativarmos essa memória, deixamos um convite aos leitores da ASSUFRGS.
O Ensino de História à contrapelo
A mesa de debates “O ensino do golpe empresarial-militar de 1964: experiências e práticas pedagógicas”, a qual faremos uma participação, será voltada às
professoras e aos professores de história do Ensino Fundamental, estudantes da Faculdade de Educação e demais interessados(as). No atual contexto de ascensão dos discursos negacionistas e revisionistas apologéticos da ditadura, a discussão acerca do ensino da ditadura fundamenta-se nas diretrizes da educação para os direitos humanos que, entre as suas dimensões, destaca a educação para o “Nunca mais”, a fim de que os períodos traumáticos e sensíveis das ditaduras nunca mais aconteçam e que suas permanências sejam superadas. A atividade contará com a presença dos professores de História Vicente Schneider e Fernando Nunes que irão fazer um relato das práticas pedagógicas desenvolvidas na Rede de Educação Básica.
Programação diversa e qualificada
O Seminário do ANDES-SN teve início nesta quinta-feira, 21, com uma “Oficina de compartilhamento de experiências e fomento de ações nas seções sindicais para criação de Comissões da Verdade e desomenagens a perpetuadores de crimes, defensores e cúmplices da ditadura”. Algo atualíssimo diante de uma conjuntura eletrizante nas últimas semanas!
Ainda nesta quinta, à tarde, haverá uma mesa-redonda com o tema “Memória, Verdade, Justiça e Reparação: ontem e hoje” que contará com especialistas no tema,
pesquisadores de diversas universidades do país, anistiados políticos e ativistas dos Direitos Humanos. À tardinha, destaque para a Conferência: “O sentido de classe do golpe de 1964 e da ditadura: um debate necessário, em tempos de neofascismo”, com o historiador Demian Bezerra de Melo (UFF). À noite fecha com um espetáculo musical com Nei Lisboa.
Na sexta haverá ainda as Mesas: “A luta por memória, verdade, justiça e reparação no Cone Sul da América Latina”, pela manhã, e à tarde “Responsabilidade empresarial pela ditadura”, além da exibição do documentário “ADUFRGS e ANDES: história de um golpe”. As diversidades identitárias também estão contempladas com uma mesa à tardinha que leva o título “A ditadura e a repressão contra populações trabalhadoras, negras, periféricas,
indígenas, quilombolas e LGBTI+” No sábado uma atividade especial será um Ato-Homenagem: “Enrique Serra Padrós: memória, verdade, justiça e reparação”, com a participação da ativista uruguaia Lilián Celiberti, de colegas e ex-alunos de Enrique Serra Padrós, que foi professor da UFRGS. O encerramento será com um Ato público “Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Luta Antirracista”, que terá a participação do bloco “Cuidado que já nos viram”, com o Mestre Edu Nascimento, o qual todos estão convidados a se intergrarem. A programação completa pode ser acessada no link: https://andesufrgs.org.br/andes-sn-promove-seminario-nacional-para-debater-os-60-anos-do-golpe-de-1964/