UFRGS instaura Comissão da Memória e da Verdade para investigar violações ocorridas na universidade durante a ditadura
Nesta terça-feira, 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul instaurou a Comissão da Memória e da Verdade da UFRGS “Enrique Serra Padrós”. A cerimônia ocorreu no Salão de Atos da UFRGS, reunindo familiares de servidores da universidade que foram expurgados durante a ditadura militar e integrantes da comunidade universitária. Dividida em dois atos, a cerimônia iniciou com a posse dos integrantes da comissão, com a mesa composta pela reitora Márcia Barbosa, o vice-reitor Pedro Costa, a presidente da Comissão da Memória e da Verdade da UFRGS, Roberta Baggio, e o procurador regional dos Direitos do Cidadão da Procuradoria da República no RS, Enrico Rodrigues de Freitas.
No segundo ato da cerimônia, participaram Carlos Gallo, Presidente da Comissão da Verdade da UFPel, Paulo Tomás Fiori, filho de Ernani Maria Fiori, ex-professor do Departamento de Filosofia da UFRGS, expurgado durante o regime militar e Suzana Guerra Albornoz, esposa de Ernildo Stein, ex-professor do Departamento de Filosofia da UFRGS, também expurgado.
Segundo Roberta Baggio, presidente da Comissão da Memória e da Verdade da UFRGS, este é um dia histórico para a universidade. “Uma luta de muitas décadas dentro da UFRGS que agora culmina em uma comissão da verdade instaurada. A nossa meta é em dois anos entregar esse relatório e fazer um processo de engajamento da comunidade em sessões públicas, em eventos de acesso à memória e à verdade e organizar essa documentação para disponibilizar para toda a comunidade.”
Maria Conceição Lopes Fontoura é a representante TAE na comissão, ao lado de Frederico Duarte Bartz. Segundo ela, a comissão será um “mergulho na história para valorizar as pessoas que estiveram presentes naquele momento lutando pela construção de uma sociedade que seja justa, que valorize, que respeite todas as pessoas e, infelizmente, algumas das pessoas perderam sua vida. Como servidora técnica administrativa me sinto feliz por fazer parte dessa comissão, porque naquele momento da ditadura civil militar, já talvez no final da ditadura, de uma luta dos técnicos administrativos, fizemos uma grande greve, dizendo que desejávamos ter os nossos direitos respeitados, que deveríamos e devemos ter um salário justo, um tratamento justo dentro da UFRGS.”
A reitora da UFRGS, Márcia Barbosa, destaca o caráter de pesquisa que será realizado pela comissão. “É uma pesquisa que será feita, para descobrir, além desses docentes que foram expurgados, que outras pessoas foram perseguidas dentro da universidade, estudantes, técnicos administrativos, e ter essa lista, ter essa homenagem. Chamar a atenção da sociedade, que nós temos que ter atenção para esses tempos que nós vivenciamos de ditadura, porque se a gente não prestar atenção eles podem voltar sim! Então vamos lá e cá entre nós, sem anistia, né?” Segundo Pedro Costa, vice-reitor, a comissão tem uma missão de “trabalhar sobre documentos que nunca foram tocados porque não houve a instalação dessa comissão, não houve um esforço da universidade que passa a existir a partir desse momento para lidar com uma realidade que é desconhecida. A gente tem um levantamento muito breve feito por um coletivo que não foi de caráter institucional mas que já conseguiu fazer um resgate muito interessante da história dos expurgos de professores, mas tem muitas outras coisas que envolveram a vida de técnicos e estudantes na universidade e que essa comissão vai poder se debruçar para estudar e dar publicidade para que seja inclusive um próprio material de formação para os seus estudantes e para a sociedade.”
Para o Coordenador Geral da ASSUFRGS, Gabriel Focking, a instauração da comissão é louvável e serve de alerta para que a universidade vá além e se posicione diante da conjuntura atual. “Estamos vivendo tempos marcados pelo assanhamento da direita extremista, do neonazismo e pela intensificação de conflitos globais, como o recente colapso da Síria, que caiu sob controle de grupos terroristas. Por isso, a UFRGS precisa continuar seus esforços para ser uma instituição que defende os direitos humanos na prática e cancelar o convênio existente com a empresa israelense AEL/Elbit Systems, que é acusada de fornecer tecnologias militares usadas no genocídio do Povo Palestino.”
Ricardo Souza, Coordenador Jurídico e de relações de trabalho da ASSUFRGS, evidencia os riscos da falta de uma política de memória e verdade “Nós das ASSUFRGS, entendemos com uma importância fundamental haver uma política de memória, verdade e justiça no nosso país e também na UFRGS. A falta de política de memória, verdade e justiça abre as portas para que novas intentonas golpistas voltem a ameaçar o nosso país e a nosso papel enquanto classe trabalhadora é zelar pela democracia, zelar pelos direitos sociais e sem anistia para nenhum golpista! Nem do passado e nem do presente!”
Raul Pont, ex-deputado federal e estadual, ex-prefeito de Porto Alegre e egresso da UFRGS acompanhou a cerimônia. “Para nós, que entramos na universidade, em pleno 1964, manter viva a memória e a verdade desse período, é importantíssimo na luta pela democracia no Brasil. Nós vimos recentemente que uma verdadeira e plena democracia ainda está longe do nosso Brasil. Eu sou testemunha das arbitrariedades, sofri também cassação de emprego completamente, sem nenhuma justificativa, fui preso político e sei muito bem o que é a gente viver numa ditadura, viver numa situação em que você não tem direitos prerrogativas assegurados. Então, a universidade cumpre o seu papel com este momento.”
Durante diversos momentos da solenidade, a plateia do Salão de Atos cantou palavras de ordem contra a anistia dos golpistas da época da ditadura e da atual tentativa de golpe, organizada por integrantes das forças armadas e do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Objetivo e integrantes
A Comissão da Memória e da Verdade “Enrique Serra Padrós” tem por objetivos reunir, organizar e disponibilizar registros relativos às violações dos direitos humanos ocorridos na Universidade entre 1964 e 1988. Professor do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da UFRGS, Padrós dedicou sua trajetória acadêmica à pesquisa sobre regimes autoritários na América Latina.
São integrantes da Comissão:
- Roberta Camineiro Baggio, professora da Faculdade de Direito e coordenadora-geral;
- Lorena Holzmann, professora aposentada do Departamento de Sociologia do IFCH e vice-coordenadora;
- Carla Simone Rodeghero, professora do Departamento de História do IFCH;
- Cristina Carvalho, professora aposentada da Escola de Administração;
- Dóris Bittencourt Almeida, professora da Faculdade de Educação;
- Frederico Bartz, técnico administrativo da Faculdade de Arquitetura;
- Letícia Wickert Fernandes, graduanda do curso de Arquivologia da Fabico;
- Maria Conceição Lopes Fontoura, técnica administrativa da Faculdade de Educação;
- Regina Célia Lima Xavier, professora do Departamento de História do IFCH.
Ao final dos trabalhos, a comissão produzirá um relatório final com a sistematização de todos os materiais e atividades realizadas. Além disso, será criado um site que hospedará os documentos digitalizados.
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