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Artigo – Eleição das direções das escolas municipais de Porto Alegre: uma conquista da democracia

No Brasil, o debate sobre a gestão escolar cresce a partir dos anos 1970 com a luta da classe trabalhadora pelo direito de suas crianças à escola pública, impondo uma reflexão sobre o problema da falta de vagas, das altas taxas de reprovação e do consequente abandono ou evasão escolar, assim como das condições precárias na infraestrutura das escolas e da profissionalização do magistério. Trabalhadoras (es) em educação, no início da década de 1980, passam a atuar na sua organização sindical e a conquistar, sempre com muitas lutas e mobilizações, planos de carreira, questionando a organização burocrática e hierárquica da administração escolar, ao denunciar o uso das escolas para apadrinhamento político.

Na conjuntura da redemocratização política do País, as educadoras e educadores, em parceria com a comunidade, começam a se movimentar para a definição de políticas educacionais de diálogo, com a definição de uma gestão descentralizada, que estimule a participação e a autonomia. Como consequência deste movimento, deu-se a introdução do conceito de gestão democrática no debate educacional diante da crítica ao caráter conservador e autoritário do conceito de administração. 

Os anos 80 se caracterizaram pela participação popular na organização da sociedade para reivindicação de seus direitos. Neste contexto, os enfoques principais da educação também estavam vinculados à democracia, à gestão democrática, à participação da comunidade e, portanto, os métodos de efetivação das preocupações educacionais características deste período deveriam envolver toda a comunidade. A introdução do conceito de gestão no debate educacional se deu diante da crítica ao caráter conservador e autoritário do conceito de administração. A educação passa a enfatizar, no contexto socioeconômico-político dos anos de 1970-80, o seu compromisso com a transformação social e com a democratização do acesso ao ensino e da escola pública de qualidade. Nesse momento, ganhou relevo o caráter político e pedagógico da administração educacional, ao qual deveria se sujeitar a sua dimensão técnica. Gestão aparecia aí com um significado distinto de gerenciamento. A questão da escola pública foi retomada, não se aceitava mais a perspectiva de que democratizar a escola é simplesmente garantir o acesso; reivindicava-se, além disso, a democratização das práticas pedagógicas, administrativas e de gestão financeira das escolas, com a garantia de permanência das (os) estudantes no sistema escolar.

A Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RME/POA) desde 1985 pactuou eleição direta, com a participação de toda comunidade escolar, para o cargo de direções de escolas. Há 40 anos, tem-se consolidado como exercício democrático e educativo praticado nas escolas, com pleno apoio das comunidades escolares. Por meio de ação ajuizada por sua Procuradoria-Geral (PGM), a gestão Sebastião Melo sustentou que a exigência de eleição para diretores e vices de escolas públicas viola a prerrogativa constitucional do prefeito de prover livremente esses cargos, considerados Cargos em Comissão (CCs), sujeitos à nomeação e exoneração discricionária pelo chefe do Executivo. E obteve decisão liminar favorável em 22 de janeiro, permitindo que fossem suspensos os efeitos da Lei Municipal 12.659/2020, que previa eleições da comunidade escolar para a escolha de diretores e vices. Um retrocesso absoluto às conquistas democráticas e à participação da comunidade na definição da escolha das direções das escolas. O prefeito Melo, de forma monocrática e autoritária, retrocede conquistas importantes da educação pública de Porto Alegre.

Qual o motivo de sua decisão? Os índices do Ideb?  Com certeza não é este o motivo. Se fosse, teria se preocupado nos quatro anos de sua gestão em investimentos na manutenção e qualificação dos espaços das escolas, na construção de um Projeto Político-Pedagógico em rede, com debates e construção coletiva. Estaria preocupado com a formação continuada e valorização da carreira das(os) educadoras(es), em superar a falta de quadros nas escolas, em manter os laboratórios de aprendizagens e as bibliotecas abertas. Enfim, este tema demandaria um outro artigo.

A escolha é política: Melo optou pela agenda neoliberal durante a sua gestão e se aproxima cada vez mais do bolsonarismo. Parte essencial deste projeto é a privatização/concessão/parceirização dos serviços públicos, que não devem ser ou servir como balcão de negócios privados. Em relação às gestões das escolas, a preocupação do prefeito é o “alinhamento” das direções com a gestão municipal, para não acontecer o mesmo da sua última gestão. Nela, houve a troca de quatro secretários de educação pelos indícios e denúncias de corrupção na Smed, muitas delas apontadas pelas direções de escolas que agiram de acordo com os princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, zelando, assim, pelos bom uso dos recursos públicos e proporcionando a eficiência no atendimento à população da cidade. 

A defesa do principio da gestão democrática seguirá sendo nossa bandeira de luta. Somente assim, conseguiremos avançar na qualificação efetiva das escolas públicas garantindo acesso, participação, permanência e aprendizagem de estudantes, bem como a valorização das carreiras de trabalhadores(as) em educação, o respeito às comunidades e às condições de trabalho para as direções das escolas, eleitas democraticamente. 

(*) César Rolim é professor da RME/POA, TAE na UFRGS e diretor do SIMPA; Liliane Giordani é professora Faculdade de Educação UFRGS.

Foto: Julio Ferreira/PMPA