Extinção do Conselho Deliberativo do DMAE enfraquece participação da sociedade e abre portas à privatização
Na segunda-feira (3), a Câmara dos Vereadores de Porto Alegre aprovou, por 23 votos a 12, projeto do Executivo que extingue o Conselho Deliberativo do DMAE, e cria um conselho meramente consultivo, o que significa que será um conselho que apenas opina e não decide. Além disso, permite que cargos de diretoria e coordenação sejam ocupados por pessoas de fora dos quadros da autarquia, entre outras mudanças. Votaram contra a proposta os vereadores de PT, PSOL e PCdoB. A bancada governista votou inteiramente a favor, bem como Márcio Bins Ely, do PDT.
A oposição entende que o projeto abre espaço para privatização do DMAE. Já a Prefeitura acredita que as mudanças irão tornar a gestão do departamento mais eficiente. “Representa um desejo da sociedade de mais agilidade para o DMAE, mais entregas. Estamos de olho na população que vem sofrendo com faltas d’água, estamos muito conscientes da nossa missão, do nosso desafio”, afirmou o novo diretor-presidente da autarquia, Bruno Vanuzzi. É importante pontuar que Vanuzzi, anunciado por Melo ainda em dezembro, é especialista em concessões e parcerias público-privadas (PPPs).
A oposição tentou obstruir a votação, com os vereadores se revezando na tribuna, em um debate que se alongou por cerca de seis horas. “É um processo que o Melo já fez com a Carris na primeira gestão. Ele vai, com toda certeza, iniciar o desmonte da ideia pública do DMAE”, projeta a vereadora Atena Roveda (PSOL), que também afirma que é necessário fazer “uma guerra nas ruas”. “As pessoas têm que entender que estamos falando de água, que é o bem mais fundamental. Então, a gente tem que organizar esse mutirão e com certeza a gente vai ter uma adesão muito forte da população. Há de se ter uma manifestação gigante. Hoje a gente teve uma vitória específica, que foi o embate, a batalha ferrenha. A gente sabe que isso vai se prolongar em 2025”.
Em suas redes, Natasha Ferreira, vereadora de Porto Alegre, traz à tona o caso da SABESP, no qual a elevação da tarifa ocorre em meio ao processo de privatização da companhia. O reajuste de 6,4% na conta de água em São Paulo foi anunciado em abril de 2024 e passou a vigorar em maio do mesmo ano, tornando a água mais cara para 33 cidades do Vale do Paraíba e região bragantina. “Nós iremos à justiça, não haverá privatização do DMAE porque água é um bem público. Água não é lucro”, defende a vereadora, responsável pela liminar conquistada que retardou por dez dias a votação das mudanças no Departamento Municipal de Água e Esgoto.
O Projeto de Lei que propôs a privatização da empresa pública foi aprovado pelos deputados da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo em dezembro de 2023 e sancionado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) no mesmo mês.
Impactos aos servidores:
Além de não ter poder deliberativo, o novo conselho terá menos assentos da sociedade civil e mais participação do Executivo. Atualmente, o órgão tem 14 membros, sendo treze da sociedade civil mais o diretor-geral do DMAE. Pela proposta do Executivo, o conselho consultivo teria dezesseis integrantes, nove indicados pelo governo e oito pela sociedade civil. Entidades como Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), União das Associações de Moradores de Porto Alegre (Uampa), Sociedade de Economia do RS (Sociecon/RS) e Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) ficaram de fora.
Segundo o diretor do SIMPA e TAE na UFRGS, César Rolim, a mudança do conselho deliberativo do DMAE em consultivo é mais uma medida autoritária e que representa um retrocesso antidemocrático do governo Melo. “Tornando o Conselho apenas consultivo, Melo diminui a participação efetiva da sociedade civil nas decisões que afetam na qualidade de vida da população que acessa e depende do saneamento da água na cidade”, afirma.
A coordenadora do Conselho de Representantes do DMAE/SIMPA, Sandra Daruí, acredita que a alteração da composição de caráter consultivo é uma forma do governo acionar o conselho somente quando não houver uma questão controversa. Sandra cita o exemplo do Conselho Municipal de Saneamento Básico do Município de Porto Alegre, criado em Lei Complementar nº 49 em 2014, com caráter consultivo e que seria responsável pela formulação da política de saneamento básico e que, na avaliação de sua execução, consta que desde 2018 não se reúne para nenhuma manifestação.
“A transformação do conselho deliberativo do DMAE em consultivo representa um retrocesso democrático, pois diminui a participação efetiva da sociedade civil nas decisões que afetam diretamente a qualidade de vida da população. É mais uma decisão monocrática e autoritária da administração Melo.
A tomada de decisões em um conselho deliberativo é mais legítima, pois reflete a vontade da comunidade e garante que os interesses da população sejam considerados”, defende a coordenadora.
De acordo com Sandra, embora o DMAE seja uma autarquia com muitas atividades de ponta e que acompanha as inovações, as demandas só aumentam e o número de servidores diminui. Em 2024 foram realizados dois concursos, por pressão do sindicato e do Tribunal de Contas do Estado, a fim de suprir 33 vagas em 14 cargos, entretanto o governo não chamou servidores para nenhuma das vagas.
“Um vislumbre do que pode acontecer com os servidores se o DMAE for privatizado pode ser visto recentemente com a demissão dos funcionários da CORSAN pela AEGEA. Só em janeiro foram demitidas 250 pessoas. Os remanescentes que ficaram na nova CORSAN/AEGEA tiveram seus salários drasticamente diminuídos e os novos contratados não tem expertise para operar e manter os sistemas. A consequência disso é a reclamação dos usuários de que o serviço piorou na maioria das cidades do RS”, informa a coordenadora do conselho de representantes do DMAE/SIMPA.
Foto: Jean Costa/Agência RBS