Moradores se mobilizam para preservar uma das últimas áreas de Mata Atlântica de Porto Alegre, a Floresta do Sabará
Desde o ano passado, a Floresta do Sabará, localizada no bairro Jardim Itú-Sabará, zona leste de Porto Alegre, enfrenta ameaças de um megaprojeto imobiliário do Grupo Zaffari. Esse empreendimento tem acelerado a destruição de um dos últimos remanescentes de Mata Atlântica da cidade, com 52,9 hectares de vegetação. Em 2024, o grupo removeu 9,49 hectares da floresta para dar lugar à obra, uma área quase equivalente ao tamanho do Parcão.
Ester Freitas, moradora do bairro e ativista do projeto “SOS Floresta do Sabará” (@sos.florestadosabara), relata que a comunidade ao redor da Praça Irmã Dulce, que faz divisa com a floresta, observou a presença de animais como graxains (cachorros-do-mato) antes das enchentes. Essa mudança foi associada à construção do Cestto Atacadista, do Grupo Zaffari. Em conversas com os trabalhadores da obra, descobriram que, além do atacado, o grupo planejava derrubar grande parte da floresta para um loteamento.

O graxaim é um mamífero que contribui para o controle de roedores e a manutenção da biodiversidade. Foto: Elisa Ilha
A ideia gerou revolta entre os moradores, especialmente pela falta de manejo com os animais e as árvores nativas. Começou, então, uma mobilização para preservar a floresta e garantir cuidados aos animais. O movimento organizou manifestações, panfletagens e até participou de congressos. Além disso, formou-se um grupo no WhatsApp de moradores que se uniram para denunciar o caso ao Ministério Público, após alguns vereadores e deputados pedirem uma reunião com a instituição. Ester explica: “Na reunião, o promotor entendeu que era necessário instaurar um inquérito civil para investigar possíveis irregularidades no licenciamento ambiental.”
Em 26 de novembro de 2024, o Ministério Público (MPRS) iniciou o inquérito para apurar os danos ambientais causados pela possível falha na concessão da licença ambiental para o empreendimento de luxo. Relatórios técnicos apontam a falta de estudos sobre a fauna e flora locais, além de riscos irreversíveis para a vida silvestre. Contudo, a obra foi autorizada, sem levar em consideração os impactos ambientais. Atualmente, um acordo entre o Zaffari e o Ministério Público paralisou as atividades até que os esclarecimentos sejam feitos.
O MPRS, por meio de uma nota à imprensa, informou que houve uma reunião com o empreendedor. “Como a alegação é de que todas as atividades estão devidamente licenciadas e que toda situação estaria regular, o MPRS concedeu um prazo para que o empreendedor junto todos os estudos e, após o envio, sejam analisados. Enquanto isso, ficou acertado que não haverá nova supressão de vegetação, além do que foi feito, e o que for necessário para complementar o alargamento da Avenida Ari Tarragô, sem novas intervenções em área de mata nativa.”
Impactos da destruição da floresta
Paulo Brack, biólogo e mestre em Botânica pela UFRGS e doutor em Ecologia e Recursos Naturais pela UFSCar, destaca os impactos da destruição da floresta, como a perda de habitat para diversas espécies, incluindo os graxains e até o bugio-ruivo, uma espécie de primata ameaçada. Um exemplo trágico ocorreu com um bugio-ruivo que, após abandonar a mata, foi eletrocutado ao tentar atravessar fios de eletricidade, a cerca de 185 metros de seu habitat natural. Além disso, Brack lembra que a área da floresta é essencial para mitigar as chuvas intensas e evitar inundações, além de diminuir o efeito de ilhas de calor nas áreas urbanizadas.

Área de Mata Atlântica desmatada pelo Grupo Zaffari. Foto: Isabelle Rieger/Sul21
“Essa empresa, junto com o Sebastião Melo, formam um oligopólio no setor imobiliário e da construção civil, concentrando o poder e os lucros. A prefeitura, por sua vez, não tem feito o licenciamento ambiental de forma correta, permitindo que empresas sem qualificação aprovem projetos que ignoram os impactos ambientais”, aponta Paulo Brack. De acordo com o biólogo, torna-se importante continuar pressionando o Ministério Público Estadual e cobrando a suspensão das obras até que as ilegalidades sejam investigadas. “A mobilização popular é fundamental para evitar a impunidade em crimes ambientais”, complementa.
O presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Heverton Lacerda, também se manifesta sobre o caso: “As áreas verdes das cidades, importantes para a qualidade de vida das populações humanas e para a fauna urbana, não podem mais ser entregues à especulação imobiliária e a projetos que poderiam ser construídos em terrenos já urbanizados. A crise climática à qual estamos submetidos é resultado de péssimas ações humanas. Temos urgência em estancar todas as atividades que degradam o meio ambiente e em recompor áreas destruídas. A floresta do Sabará é um caso de área que ainda pode ser preservada.”